Pode isso? É o que se perguntam militantes da direita à esquerda diante da página “Sou Feminista e Apoio Bolsonaro”, que acumula 20 mil curtidas no Facebook.
Tiros de todos os lados ricocheteiam na caixa de comentários do perfil. Para Karoline Torquatto, uma feminista endossar o deputado e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSC-SP) “é como ser negro e apoiar a escravidão”.
Ex-militante do Femen (grupo que protesta de topless por causas progressistas) e hoje “curada do feminismo”, Sara Winter diz que mulheres adeptas desse movimento “apoiam aborto, legalização das drogas, Estado totalmente laico etc.”. Logo, associá-las ao conservadorismo seria um ornitorrinco ideológico, define a reportagem de Anna Virgínia Ballousier.
Mas sim, mulheres bolsonaristas que se reconhecem como feministas existem —e dizem ter uma boa razão para vislumbrar um Palácio do Planalto sob guarda do homem tantas vezes rotulado como misógino, sobretudo após uma briga em 2014 com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), quando disse que não a estupraria pois ela “não merece” (depois completou: “É muito feia, não faz meu gênero”).
A contenda entre os parlamentares serve de argumento a essas mulheres: no fundo, afirmam, é Bolsonaro quem melhor atende a seus anseios por segurança.
Ele até poderia ter ficado em silêncio e “saído por cima”, mas não há por que ter “dó” da petista, “uma pessoa desprezível”, diz Bárbara Carvalho, 24, que trabalha com transporte público no Rio. “Ela gosta de defender vagabundo, um monte de gente da corja dela. Sou muito impulsiva, como o Bolsonaro é. Na hora, faria a mesma coisa.”
As polêmicas de Bolsonaro
Refere-se a desavenças que os deputados tiveram em 2003 e 2014, em torno da redução da maioridade penal (ele a favor, ela contra), e que motivaram o bate-boca sobre estupro —debate propulsionado após um grupo liderado pelo menor de idade conhecido como Champinha atacar um casal acampado. Felipe Café, 19, foi executado com um tiro na nuca, e Liana Friedenbach, 16, estuprada em rodízio e morta a golpes de facão.
Segundo Bolsonaro, ele só disse o que disse à colega porque ela teria o chamado de “estuprador” primeiro.
Para a ala feminina pró-Bolsonaro, agrada o discurso duro do capitão do Exército (na reserva desde que virou parlamentar). Um projeto de lei seu que caiu nas graças defende a castração química para estupradores.
Postagens na página exaltam notícias de assediadores se dando mal. Numa delas, uma mulher sai da academia e retalia um adolescente que teria abusado dela (“não é por ser mulher que vou deixar vagabundo mexer comigo”). Outra evoca a lei do talião: a história da filha que matou o pai que a estuprou.
Quando a reportagem era “homem quebra vidro de casa para bater na namorada, se corta e morre”, Bárbara foi a primeira a comentar: “Cavou a própria cova”. Ela defende à Folha o feminismo de raiz, “que era realmente de libertação das mulheres contra homens exploradores, entendeu?”. Já as feministas atuais “exageram” um bocado, diz.
Mulheres como Bárbara “não sabem o que é feminismo de verdade” ou jamais curtiriam o perfil, diz Sara Winter, autora de “Vadia, Não! Sete Vezes em que Fui Traída pelo Feminismo” e que hoje prefere “ser um instrumento de Deus a um instrumento da esquerda”. Para ela, a página não pode ser séria. “É zoeira de alguém.”
Zoeira ou não, “Sou Feminista e Apoio Bolsonaro” despreza a acepção progressista do movimento, em frases como “a única coisa que uma mulher perde sem feminismo é peso” (para acompanhar, fotos “antes e depois” de uma ex-ativista que emagreceu).
No Facebook, um texto busca “explicar” a existência do grupo, efeito colateral de um governo petista que instituiu “leis frouxas” para dar a “criminosos mais direitos do que à sociedade honesta”.
“Se apoiar [o deputado] nessas causas é ser fascista, prefiro ser fascista. […] Não é questão de direita e esquerda, e sim o que progride na sociedade em benefícios para todos. Nós, com nossa humilde página, já fizemos muito, comparado com alguns movimentos feministas.”
Várias das reações positivas vêm de homens, como a de Lucas Gelásio: “Cinco estrelas para quem sabe defender as mulheres! Parabéns!”.
No grupo virtual também se questiona a fama machista de Bolsonaro, num vídeo em que ele diz: “A mulher, pra mim, é igual ao homem na questão trabalhista”. O que ficou de fora: num “SuperPop” (RedeTV!) de 2016, o parlamentar afirmou que o empregador prefere contratar homem porque mulher engravida e que, se fosse ele, “não [as] empregaria com o mesmo salário”. “Você é ogro, olha o que você fala!”, reage a apresentadora Luciana Gimenez.
Os administradores do perfil disseram não querer “se expor”. Bolsonaro também não quis falar sobre o tema com a Folha, que o procurou várias vezes e enviou perguntas como “há mulheres em posição estratégica em sua equipe?”.