Ytalo Kubitschek
Antes de qualquer consideração sobre o tratamento de Ricardo Coutinho para com a imprensa da Paraíba, recordo inspirado nas palavras daquele que se tornaria um dos seus maiores desafetos, o destemido e combativo advogado Gilvan da Silva Freire, que a eleição de Ricardo Coutinho ao Governo da Paraíba em 2010 foi saudada por muitos como a primeira grande chance de a Paraíba superar o histórico atraso político estabelecido por disputas entre líderes que pensam muito sobre si mesmo e pouco se preocupam com o interesse do cidadão paraibano. E foi pensando somente neles próprios que os maiores líderes do Estado abriram a guarda e deixaram que Ricardo Coutinho abocanhasse o poder.
A Cássio Cunha Lima, que não disputava o governo em 2010, mais interessava que José Maranhão perdesse o pleito naquele momento, ainda que no futuro pudesse ser ele, em carne e osso, o grande perdedor ou a vítima principal. Já Maranhão, obstinado na defesa de sonhos individuais, não foi capaz de entender que a coletividade paraibana tinha também o direito de sonhar e pensar de maneira diferente dos seus líderes.
No Brasil de Fernando Collor de Mello, o Fernandinho, o povo não aguentou esperar muito para lhe dar as lições apropriadas exigidas. Na Venezuela de Hugo Chavez o povo se divide por quase duas décadas sem saber decidir sobre qual a lição que serve. Na Cuba dos irmãos Fidel e Raul Castro há quase 60 anos, assim como nos 42 anos da Líbia de Muamar Kadafi. O povo não teve antes liberdade para dar qualquer tipo de lição.
Não sei ao certo se Ricardo Coutinho se enquadra em algum dos casos, mas assim como ele não gosta de ser comum, é provável que a sua situação descambe para o incomum, o inusitado, algo diferenciado do que a história tinha registrado até agora. Havia, contudo, riscos de RC, em vez de ficar proferindo somente lições duras contra os outros, recebê-las de volta com maior dureza em pouco tempo. É a lei da semeadura. Ninguém escapa.
Obsessivo pelo controle de sua imagem pública, o ex-governador tem longo histórico de censura e intimidação contra jornais e jornalistas independentes na Paraíba. A investida do Mister Calvário contra dezenas de comunicadores independentes que denunciaram a corrupção sistemática instalada na gestão girassol lhe tornou, seguramente, o mais tirano de todos os governadores da história da Paraíba.
Durante oito longos anos, a liberdade de expressão escafedeu-se, os jornalistas paraibanos foram acuados pelo poderio econômico, político e jurídico do governo Ricardo Coutinho traduzido em centenas de processos e exigências de demissões nos mais diversos veículos de Comunicação.
Helder Moura, Marcelo José, Janildo Silva, Maurílio Batista, Thiago Moraes, Anderson Soares, Marcone Ferreira, Guto Brandão, Verônica Guerra, Rubens Nóbrega, Walter Santos e dezenas de outras bestas-feras que ousaram denunciar, criticar e combater os crimes que vinham sendo impunemente praticados contra a população paraibana.
Retorno a Gilvan Freire, que certa feita questionou por que o povo da Paraíba deveria ser privado de seu direito de opinião e crítica, para que Ricardo Coutinho pudesse governar como um tirano colocado acima dos homens e do bem e do mal, sem respeito às instituições e à lei? Seria dado a ele o direito de escolher a quem devia fazer o mal, entre grandes ou pequenos, só para saciar seu instinto de perversidade e fazer prova de sua superioridade na manipulação do poder? Uma loucura!
Ricardo, na sua sanha autoritária, desmontou greves de todas as categorias do funcionalismo público cortando salários, perseguindo implacavelmente e surrupiando parte da feira de gente sofrida e necessitada que não fosse suportar privar os filhos do que comer. Tentou ajoelhar todos os servidores da área de Segurança Pública porque cobraram o cumprimento de uma lei aprovada e sancionada no mesmo Estado que ele governava. Desmoralizou trabalhadores publicando uma lista de funcionários fantasmas que não eram outros senão os que trabalhavam regularmente.
Foi buscar uma entidade com má fama, que tem nome de Cruz, do Calvário, com o propósito inicial de exorcizar os médicos que não aceitavam a redução de salário e blasfemaram contra as suas perseguições. Desconsiderou ganhos dos servidores do IPEP consolidados em decisão judicial transitada em julgado e massacrou a Defensoria Pública porque ela reivindicava garantias asseguradas na Constituição Federal.
Ricardo subjugou os poderes atacando-os pela jugular, a dependência financeira, na parte do corpo que mais dói: o bolso. Ele tinha a chave do cofre.
Porém, foi generoso com Roberto Santiago, o barão dos Shoppings Centers, também famoso pela tenebrosa influência política em João Pessoa e Cabedelo. Um empresário que queria ampliar sua fortuna à custa do patrimônio público. Deputados na Assembleia reagiram contra um projeto de lei de RC que chegou à instituição por debaixo dos panos e continha imoralidade de sobra e legalidade de falta. Encontrado de calças curtas no episódio da permuta de terrenos, RC reagiu e justificou dizendo que era para construir um shopping em Mangabeira, sem licitação nem concorrência. Os deputados de oposição peitaram RC. A reação mais contundente apareceu em forma de panfleto anônimo contendo a foto e nome dos resistentes como se fossem eles os culpados pelo escândalo, só porque combateram a desonestidade. Talvez Ricardo Coutinho e Roberto Santiago nem precisassem fazer tanto esforço para convencê-los ou intimidá-los, se podiam vencê-los pelo medo.
A questionada e polêmica troca, de valioso terreno público (em Mangabeira) por um particular (no Geisel) nem tão valorizado assim. Eis, talvez, a razão de em 2012 o Governo do Estado ter anunciado que o seu parceiro privado na história construiria um novo Instituto de Polícia Científica (IPC) na Capital, uma nova Central de Polícia e uma nova Academia de Polícia. Que em troca ganharia – como ganhou – a hiper, ultra, mega, super área entre Mangabeira e Bancários onde instalou o seu Mangabeira Shopping.
O Instituto de Polícia Científica (IPC) na Capital, ao contrário do portentoso shopping, nunca saiu do papel. A Central e a Academia de Polícia, construídas e mal acabadas com material de terceira categoria. Eis mais um grande mistério.
Também me lembro como se fosse hoje da mal explicada morte do jovem Bruno Ernesto, que me veio à cabeça a emblemática frase de Ruth Escobar nos anos de chumbo da Ditadura Militar diante da tortura e do assassinato de Wladimir Herzog nos porões do DOI-CODI: “Até quando vamos enterrar os nossos mortos em silêncio. Até quando vamos suportar tanta violência”.
Vimos na Paraíba um governador ter a audácia de determinar a expulsão de todos os cidadãos presentes no pavimento do Fórum Cível de João Pessoa para que “Sua Majestade” não fosse visto ou filmado como um cidadão comum acusado de abusos, agressões e até graves crimes denunciados pela esposa, Pâmela Bório.
A Justiça paraibana se ajoelhou a Ricardo Coutinho. E não foram poucas às vezes que isso aconteceu.
TRE e TJ, assim como o TCE e o Poder Legislativo, durante oito longos anos, se desmoralizaram diante de Ricardo Coutinho. Mendigaram nas mãos de “Sua Majestade”, que reinou como um soberano, na forma integral de um “Rei Sol”. Agora solitário. Indócil. Furibundo. Iracundo. De maus bofes. Como na França dos anos 1643-1715, sob o reinado de Luiz XIV, eram tamanhos os poderes do rei sobre as coisas do Estado e os homens, que o monarca certo dia vociferou: “O Estado sou eu!”
Essa é a lição da história que pode ter convencido Ricardo Coutinho de que tinha poderes para ajoelhar tanta gente e não podia ser considerado menor do que um deus.
Aquele que trata jornalistas, essenciais em qualquer regime democrático, como inimigos a serem aniquilados. Que não consegue conviver com uma imprensa livre e com o respeito às liberdades individuais. É fato que os jornalistas, assim como os encanadores, não são culpados pela existência dos esgotos.
Padre Antonio Vieira, em seu célebre “Sermão do Bom Ladrão” comparou os príncipes de Jerusalém aos governantes de sua época, que fingiam, assim como hoje, não saber o que acontecia sob suas barbas.
Parabéns aos que foram capazes de resistir às pressões e garantir ao povo da Paraíba o direito de informação e de combate aos desvios de conduta dos seus governantes.
A Paraíba, finalmente, respira aliviada com a queda de um imperador!