Frei Damião de Bozzano é cultuado como santo há décadas pelos nordestinos, mas o processo de canonização dele patinava havia quase 20 anos no Vaticano. Este mês, os devotos que lutam para ver uma imagem desse servo de Deus nos altares das igrejas tiveram um motivo para comemorar. O papa Francisco assinou decreto reconhecendo as virtudes heroicas do frade capuchinho da Ordem Franciscana que evangelizou o Nordeste e que dizia ser apenas um “mensageiro” de Deus.
A Arquidiocese de Olinda e Recife considerou que a declaração de venerável é um grande passo rumo à beatificação. “Com a comprovação de um milagre ocorrido pós-morte do frade, ele poderá ser declarado beato. Com mais um milagre, acontecido depois da beatificação, ele será inscrito no álbum dos santos, a canonização”, explicou frei Jociel Gomes, postulador da causa da beatificação.
Embora nascido na Itália, em 1898, filho de camponeses de sólida formação católica, foi no Brasil que o frade dedicou 66 anos de sua vida às missões de evangelização. Eram jornadas de conversão que duravam de segunda-feira a domingo, com sermões, catequeses e visitas a doentes e presos. Frei Damião atendia confissões por mais de 12 horas por dia, o que lhe valeu uma deformação na coluna que o deixou encurvado, informa reportagem do Estadão.
A vida do religioso é contada no documentário “Frei Damião – O santo do Nordeste”, dirigido pela pernambucana Deby Brennand, com estreia prevista para novembro. O italiano Pio Gianotti nasceu em Bozzano, Toscana, foi recrutado e lutou na 1.a Guerra Mundial, e se tornou fra Damiano da Bozzano (frei Damião de Bozzano) ao se ordenar frade capuchinho, em Roma.
Já no Brasil, encarnava a figura de um padre carrancudo, que proferia sermões condenando de políticos corruptos a maridos infiéis, sempre em tom ameaçador. Diz a lenda que até os sapos se calavam quando ele pregava. Dizia que não era santo, apenas um frade. Era anticomunista e tinha ideias conservadoras, criticando o “exagero” da minissaia. Isso não impediu que arrastasse multidões.
Para a artesã Maria Nucicleide da Silva Viana, moradora de São Paulo, que confecciona paramentos litúrgicos, frei Damião já é um santo.
“Minha mãe estava muito doente e havia passado por vários médicos, até ser diagnosticada com um tumor no pâncreas. Quando foi internada para a cirurgia, no hospital São Paulo, os médicos disseram que a chance de cura era de menos de 1%. Ela foi à capela do hospital, onde o frei Damião também estava internado, e o encontrou lá em oração. Minha mãe falou sobre a doença e pediu que intercedesse por ela. O frei disse: ‘Minha filha, você pode morrer de outra doença, mas dessa você será curada’. Ela recebeu a graça, ficou boa”, contou à reportagem.
O frei morreu em Recife, no dia 31 de maio de 1997 e seu corpo está enterrado na capela de Nossa Senhora das Graças, no Convento São Félix, na capital pernambucana. Em Caruaru, no interior, fiéis mandaram erguer uma estátua dele. Em São Joaquim do Monte, milhares de romeiros caminham todo ano para homenagear o frade, na Romaria de Frei Damião. A peregrinação termina na estátua do frade. Em 2004, foi inaugurado o Memorial Frei Damião na cidade de Guarabira, Paraíba, também percorrida por ele em suas missões.
Responsável por encaminhar o processo de beatificação, frei Jociel Gomes, da arquidiocese de Olinda e Recife, disse que a Santa Sé já avalia três relatos de milagres atribuídos ao capuchinho. “A declaração de venerável é o primeiro passo, pois foram reconhecidas suas virtudes cristãs em grau elevado. Para virar beato, precisamos comprovar pelo menos um milagre. Depois, será preciso outro milagre para a canonização”, explicou.
Para muitos devotos, ele já está canonizado. “Eu abracei este santo. Ele fez oração tocando a minha cabeça”, disse a professora Pollyana Andrea, moradora de Paulista, região metropolitana de Recife.