O presidente Michel Temer bateu o martelo e decidiu, ontem, que parte do dinheiro arrecadado com a privatização da Eletrobras será destinado a evitar uma alta maior nas contas de luz a partir de 2019. As receitas totais esperadas com a venda da empresa superam a cifra de R$ 30 bilhões, dos quais um terço serviria para diminuir as tarifas de energia e os dois terços restantes se destinariam ao Tesouro e à própria estatal.
A decisão foi tomada em reunião entre Temer e os ministros de Minas e Energia (Fernando Coelho Filho) e da Fazenda (Henrique Meirelles). Segundo reportagem de Manoel Ventura, Geralda Doca e Letícia Fernandes, de O Globo, outra medida acertada foi que parte do montante a ser arrecadado com a privatização será usada em um programa de revitalização do Rio São Francisco. Com isso, o governo espera vencer resistências à medida, que é uma das saídas para engordar os cofres públicos a partir de 2018. No Orçamento de 2018, a previsão é que R$ 12,2 bilhões da privatização sejam usados para ajudar a reduzir o déficit fiscal do país.
Temer decidiu, também, que a privatização será encaminhada ao Congresso por meio de um projeto de lei com regime de urgência e não mais por medida provisória (MP). Se a ideia inicial era que o dinheiro da privatização fosse usado para reduzir o rombo das contas públicas no ano que vem — previsto em R$ 159 bilhões —, agora, ele será partilhado.
O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, disse, em evento no Rio, que está otimista com a operação e minimizou preocupações com a proximidade da eleição:
— As pessoas não deixam de fazer negócios porque é um ano eleitoral. E o que está se criando na Eletrobras é uma corporação que vai atrair, sem dúvida nenhuma, muito capital nacional e internacional.
O Ministério de Minas e Energia pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que calcule o impacto da operação nas tarifas de energia. O dinheiro arrecadado, segundo integrantes da equipe econômica, será destinado a um fundo setorial, com o objetivo de amortecer os preços na conta de luz. Assim, em períodos de seca, quando são acionadas mais usinas termelétricas, os recursos seriam usados para compensar as elevações tarifárias. Os recursos do fundo também seriam usados para fazer investimentos para aumento da oferta de energia.
Obra em troca de apoio político
No caso da Eletrobras, a empresa deve usar parte do dinheiro para quitar dívidas e fazer investimentos. A estatal vinha acumulando prejuízos, o que acabava com sua capacidade de tocar novos projetos. Também ficou acertado, na reunião, que a participação da União na Eletrobras será reduzida a algo em torno de 45%, disseram interlocutores do Planalto. Atualmente, a União, fundos ligados ao governo e o BNDES somam participação de cerca de 63% na estatal.
Antes de o dinheiro ser dividido, porém, cerca de R$ 5 bilhões serão destinados aos primeiros 15 anos de um programa de revitalização do Rio São Francisco, que passa por uma das piores secas da história. Essa operação também tem objetivo político: tornar a privatização mais palatável no Legislativo. A revitalização inclui a recuperação da bacia e a operação de transporte da água aos estados beneficiados pela transposição.
A ideia de revitalização foi apresentada pelo ministro de Minas e Energia, como forma de ganhar apoio para a privatização, especialmente da bancada do Nordeste e dos estados por onde passa a bacia do rio. Hoje, Minas Gerais tem forte resistência à operação com a Eletrobras devido a seus impactos sobre Furnas. Mas, se a recuperação da bacia do São Francisco estiver na equação, o cenário poderia ficar mais favorável.
Além disso, se uma parte do dinheiro for destinada à revitalização do São Francisco, os governadores dos estados que recebem a água (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas) poderiam ser mais favoráveis à privatização. Hoje, a operação do rio é financiada com recursos da União, mas essa conta terá que passar para os estados nos próximos anos. Assim, se o dinheiro da privatização for usado no projeto, a conta ficará mais barata para os governos regionais.
O governo, ainda, vai manter poder de veto para ações estratégicas na empresa, por meio de uma ação de classe especial chamada de golden share.
— A golden share é uma garantia necessária para manter coerência na defesa dos interesses do país nos setores estratégicos — disse Moreira Franco.
Além disso, a União vai limitar a operação da empresa, para evitar que o controle da Eletrobras passe para as mãos de uma só pessoa. Por isso, os interessados não vão poder comprar mais de 10% das ações da companhia.
O governo deve enviar ao Congresso três projetos de lei para a privatização da Eletrobras: um deles trata do risco de falta de chuva, outro da modelagem da empresa e o terceiro do novo marco legal do setor elétrico. Segundo um ministro da área política a par das discussões, o processo será demorado, porque há forte resistência de parlamentares que aproveitam as estruturas da estatal, especificamente as subsidiárias Eletronorte, Chesf e Furnas, para fazer nomeações políticas.
— Haverá resistência com certeza. Mas vivemos numa democracia. Tudo terá que ser no momento certo — disse a fonte, acrescentando que os planos do governo em fechar todo o processo no primeiro semestre de 2018 por causa das eleições poderão ser prejudicados.
Depois de aprovar as propostas no Congresso, o Executivo terá que cumprir uma segunda etapa, considerada também complexa, que é a estruturação da operação no mercado. O BNDES e a própria Eletrobras vão participar do processo.
O assunto precisa passar pelo Congresso, porque a lei que criou a Eletrobras proíbe que a União perca o controle da estatal. Apesar disso, a legislação do Plano Nacional de Desestatização (PND) autoriza a venda de empresas. Para evitar conflitos judiciais e dar segurança ao processo, o projeto vai deixar claro a possibilidade de privatizar a empresa.