Muros altos, cerca elétrica e um portão moderno que só é aberto com autorização dada pelo interfone. A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), sediada em João Pessoa, honra a autorização judicial do cultivo da maconha para uso medicinal com a máxima seriedade. Neste sábado (27), a Abrace completa dois anos da decisão judicial provisória que permite plantar maconha.
Funcionários fardados, rotina de trabalho e visitas de famílias de pacientes para saber melhor sobre a produção movimentam a Organização Não-Governamental que desde 2017 cultiva e produz medicamentos a base de maconha no bairro dos Ipês, na Zona Norte de João Pessoa. Muitas decisões semelhantes foram concedidas a famílias e pais de crianças que precisam do canabidiol, mas apenas uma delas contemplou uma pessoa jurídica no Brasil, justamente a Abrace.
Cassiano Teixeira, diretor e fundador da Abrace, lembra que a associação teve início a partir de uma iniciativa particular. Ele conta que começou a plantar ilegalmente maconha na cozinha de casa para extrair o óleo para medicar o irmão, que sofre com com convulsões epilépticas. Até então, em meados de 2014, adquirir o canabidiol era muito difícil, necessitava de muitos contatos em países do exterior, e o principal, de muito dinheiro, informa reportagem do G1 Paraíba.
“A partir da necessidade do meu irmão, vi que muitas outras pessoas também sofriam o que a minha família sofria. Foi a partir desse óleo artesanal, feito com a maconha que plantava na cozinha de casa, que começou a ideia de ajudar outras famílias”, contou Cassiano.
Da vontade à realidade. Cassiano contou que viajou para os Estados Unidos para conhecer mais a respeito do uso medicinal da cannabis e montou uma rede de contatos para importação do medicamento, liberado para prescrição médica pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2016 e para importação em 2018.
“Eu me antecipei, após a liberação da prescrição, a gente começou a se organizar. Criamos o CNPJ e já tínhamos o nome da Abrace. Acredito que essa organização ajudou na hora da liberação”, explicou. A Abrace foi a primeira associação a receber autorização judicial para o cultivo de maconha para fins medicinais no Brasil.
No entanto, a autorização, concedida pela Justiça Federal na Paraíba em 2017, foi em caráter liminar. A Justiça Federal já decidiu por duas vezes favoravelmente à Abrace. O processo atualmente tramita no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Pernambuco, após a Anvisa ter entrado com recurso contra a liminar concedida na Paraíba.
Desde a autorização judicial, a Abrace tem vendido a preços acessíveis o óleo de maconha para pacientes com prescrição médica e desenvolveu outros medicamentos, como a pomada a base de maconha, um spray de canabidiol e está em fase final de desenvolvimento de um supositório, para pacientes em casos extremos de crises epilépticas.
Números da Abrace
Atendeu cerca de 900 pacientes em todo o país desde a autorização judicial;
Atualmente possui 751 pacientes ativos até janeiro;
Pelo menos 86 pacientes recebem o canabidiol de graça por não terem condições financeiras;
A associação conta com 14 funcionários e busca expansão para sua segunda unidade em Campina Grande;
A meta é conseguir autorização definitiva e até 2022 atender 10 mil pessoas.
Liga Canábica
Em paralelo ao trabalho feito pela Abrace, uma outra associação paraibana, ligada ao apoio dos pacientes e ao debate científico sobre o tema, também fortalece a valorização do medicamento a base da maconha. A Liga Canábica atua no combate ao preconceito do uso medicinal da maconha desde 2014.
Júlio Américo, presidente da Liga Canábica, explica que o trabalho da associação, pioneira do estado, foi desde o início incentivar o debate no meio acadêmico acerca do uso da maconha para fim medicinal. Ele conta que o objetivo é formar e ampliar um núcleo de pesquisa da cannabis terapêutica.
“É possível pensar na produção de um remédio fitoterápico e a partir dele tentar a liberação. Mas o grande objetivo é a UFPB produzir conhecimento sobre a cannabis e difundir esse conhecimento. Queremos propor políticas públicas, discussões, roda de conversas, uma parceria com a UFPB. Esse é um trabalho que era feito anteriormente e que queremos fazer com que ele retorne”, comenta Júlio Américo.
Sua jornada pela liberação e difusão do uso medicinal da maconha foi semelhante à de Cassiano Teixeira. O pequeno Pedro Américo, de nove anos, filho de Júlio, sofria com as crises convulsivas e as pesquisas que confirmavam a eficácia do tratamento a base de canabidiol encorajaram o presidente da Liga Canábica a criar a associação e procurar outras pessoas que passavam pelo mesmo problema.
“A Liga Canábica tem um trabalho que é um pouco diferente do que a Abrace faz. A Abrace, que é muito importante para nossa luta pela liberação do canabidiol, mas que trabalha com a visão mercadológica do reconhecimento da planta. Nossa luta é também pela questão cultural que envolve a planta. A luta é para que a planta seja incluída no sistema de políticas públicas”, destacou Júlio.
Foi por meio da Liga Canábica que em fevereiro deste ano aconteceu a exibição gratuita do documentário “Salvo Conduto”, seguido de um bate-papo com a diretora do filme, Fernanda Carvalho. O filme conta a história de cinco famílias que, em alguns dos casos, cultivam a cannabis sem aval da justiça para uso medicinal em crianças e jovens com epilepsia.
Apesar de ter surgido antes da Abrace, a Liga Canábica não conseguiu na justiça a liberação para que passasse a cultivar a planta que produz o óleo da cannabis. A intenção, de acordo com o presidente da associação, é formalizar a Organização Não-Governamental em 2019. Júlio Américo explica que a entidade deu entrada na Justiça com um pedido de habeas corpus para seja autorizada a plantar maconha.
“Também participamos de sessões públicas, seja promovendo debates e palestras nas universidade, seja participando de audiências em casas legislativas. Conseguimos juntos implantar o dia municipal de visibilidade do uso do canabidiol em João Pessoa”, conta Américo. A lei 13647 / 2018, de autoria do vereador Tibério Limeira (PSB) instituiu o dia 7 de maio como Dia Municipal de Visibilidade do Uso Medicinal da Cannabis em João Pessoa.
No fim do mês de abril de 2019. Mais exatamente na quarta-feira (24), foi a vez da Assembleia Legislativa da Paraíba aprovar um projeto de lei que instituiu também o dia 7 de maio como o Dia Estadual de Visibilidade da Cannabis Terapêutica. A lei foi de autoria da deputada Estela Bezerra (PSB) e aguarda apenas a sanção do governador João Azevêdo (PSB).
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