A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou que a sociedade brasileira ainda é “patrimonialista” e “machista”. Ela participa na manhã desta quinta-feira, na Embaixada da França, do seminário “Mulheres na Justiça”, no qual estão presentes também a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, e a advogada-geral da União (AGU), Grace Mendonça, .
No início de sua exposição, Cármen Lúcia afirmou que o fato de mulheres estarem no comando das principais instituições da Justiça é uma “circunstância”, e não um retrato de que o país superou os problemas de gênero. Ela destacou que não há previsão de que isso se repita no curto prazo.
— Vivemos em uma sociedade patrimonialista, machista, que é a sociedade brasileira — disse a presidente do STF, segundo O Globo.
Ela afirmou que na Constituição de 1988 foi colocada pela primeira vez a igualdade entre “homens e mulheres”. Cármen disse que “o pior problema do Brasil é a desigualdade”, destacando que ocorre em outras áreas, como a questão econômica.
A presidente do Supremo citou que o percentual de mulheres na Câmara não chega a 10%, enquanto o país tem 54% de eleitoras. Observou também que não há grande presença das mulheres no Judiciário e no Ministério Público (MP). A presidente do STF refutou que as mulheres que atuam no sistema de Justiça são mais rigorosas.
— É comum dizer que nós mulheres somos mais rigorosas. Eu não consigo aquilatar isso. Há mulheres mais garantistas e outras mais rigorosas — disse a presidente do STF.
Ela ressaltou que em cargos de juízes de execução penal as mulheres sofrem mais ameaças do que os homens. Afirmou não haver como pedir a uma juíza dessa área que entre sozinha em um presídio. Enfatizou que todos os modelos de poder são desenhados para serem exercidos por homens.
Cármen citou casos em que sua posição de ministra foi “estranhada” por populares, como entregadores e empregadas de amigas suas. Disse que mulheres em cargos de destaque possuem até uma cobrança contra “se apaixonar”.
— Quando se vê um juiz namorar, eu acho bom, acho que juiz tem de ser feliz. Mas ai de mim se me apaixonar. Porque tenho que sufocar. Tem de escolher entre a paixão ou o cargo. A cobrança de uma conduta quase monástica é extremamente comum. Isso se dá em todos os lugares. Não apenas aqui (no Brasil) — afirmou a presidente do STF.
A ministra concluiu dizendo que o Brasil é um país de homens e mulheres de coragem e citou a Lava-Jato como exemplo.
— Se não tivéssemos coragem, não estaríamos enfrentando a Lava-Jato — afirmou Cármen, dizendo ser preciso “terminar esse processo”.
A advogada-geral da União também usou a expressão “machista” para se referir à sociedade brasileira e citou casos nos quais vivenciou o tratamento diferenciado à mulher. Contou que quando fez uma sustentação oral no Supremo antes de ser titular do posto, o então chefe da AGU questionou aos demais advogados se gostaram da exposição de sua “assistente”.
Ela não revelou em qual gestão o fato teria ocorrido. Grace concluiu afirmando que há uma pressão maior sobre as mulheres que chegam a cargo de comando justamente para se evitar que sua atuação possa impedir outras de chegar a esses postos.
— Se vacilarmos, vão dizer: ‘Olha aí, viu como não ia dar certo colocar uma mulher para chefiar?’ Não podemos errar. Isso impõe um ônus mais pesado — afirmou Grace.
DODGE SOBRE IGUALDADE: ‘LONGO CAMINHO’
A procuradora-geral da República destacou em sua exposição que “há um longo caminho a percorrer” para a igualdade entre homens e mulheres. Ela destacou que mesmo com os avanços nos últimos anos as mulheres continuam geralmente tendo as tarefas doméstica como obrigação.
— É uma transição ainda incompleta, que precisa ser complementada com uma modificação na cultura em que nossos companheiros passem a dividir as tarefas domésticas. Não para fazer um favor. Sair de casa e pedir ao marido que cuide do jantar, que faça o café da manhã ou compre fralda para os filhos não é um favor. É parte de um processo de compartilhamento — disse Dodge.
Ela destacou o fato de ser a primeira mulher a ocupar o cargo da PGR.
— Na minha carreira, um terço dos procuradores da República são mulheres. E foi preciso 41 procuradores-gerais para que surgisse uma procuradora-geral mulher — afirmou.
Dodge defendeu que as instituições sejam alteradas para permitir mais oportunidade a mulheres. Citou como exemplo cursos de capacitação, ressaltando a dificuldade das mulheres de sair de suas cidades para fazer essa qualificação. A procuradora citou como alternativa programas que levem os professores até às cidades nas quais essas mulheres trabalham.