Esta semana, sentença da 7ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal no Rio de Janeiro condenou duas advogadas a mais de 21 anos de prisão cada uma, a partir de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, que pode ser sintetizada no seguinte trecho do relatório daquela decisão “aduz a peça inicial que as denunciadas se utilizavam da qualidade de advogadas, especializadas na área penal e processual penal, para constranger seus clientes mediante grave ameaça a contratarem seus serviços advocatícios e/ou induzir tais clientes a erro, mediante a falsificação e uso de documentos falsos, contendo símbolos identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, forjados com o intuito de caracterizar investigações inexistentes no âmbito do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Polícia Civil e assim obter vantagem econômica indevida, decorrente do pagamento de serviços advocatícios que nunca seriam prestados”. Ressalte-se ainda da acusação, a indicação de que uma das advogadas era assessora de um Procurador da República e teria facilidade em acessar os arquivos elaborados nos padrões do MPF. A defesa das advogadas, entre outros argumentos, defendeu-se sustentando a incompetência absoluta da Justiça Federal, atipicidade da conduta, crime impossível, inexigibilidade de conduta diversa, ausência de prova de autoria, inaplicabilidade dos delitos de extorsão e tráfico de influência e absorção dos demais crimes pelo delito de estelionato.
Depois da análise dos fatos em relação às vítimas e demais elementos que constituíam aqueles autos, o juiz federal Marcelo Bretas entendeu pela ocorrência dos crimes de extorsão, falsificação de documento público, tráfico de influência e estelionato. Fazendo o somatório para aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade definiu a mesma em 21 anos, 10 meses e 21 dias de reclusão e 138 dias-multa. Em relação a uma das advogadas, o magistrado compreendeu que a mesma deverá ficar presa durante o prazo recursal, pois considerou presentes os motivos da decisão que havia decretado a prisão preventiva, pois, segundo o juiz federal, a advogada condenada estaria se furtando propositalmente a ser encontrada. No concernente à segunda advogada, facultou a mesma o prazo de recurso em liberdade, por ter comparecido ao juízo sempre que intimada.
Independentemente da responsabilização penal neste caso concreto, com prazo recursal ainda em curso, sempre é importante consignar aspectos relativos às prerrogativas dos advogados. A prisão em flagrante do advogado, nos termos do artigo 7º, § 3º e inciso IV do Estatuto da Advocacia e da OAB somente poderá ocorrer por motivo do exercício profissional, na hipótese de crime inafiançável, tendo o advogado o direito de ter a presença de representante da OAB, sob pena de nulidade. O mandado de busca e apreensão no escritório de advocacia também apresenta, por sua vez, requisitos particulares, tais como a presença de indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte do advogado, decisão motivada, mandado específico e pormenorizado e cumprimento na presença de representante da OAB. Além disso, o advogado não pode ser recolhido preso antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, senão em sala de Estado Maior, com instalações dignas e na sua falta em prisão domiciliar, conforme o art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia e da OAB que teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF na ADIN 1.127-8.
Estas prerrogativas decorrem do comando constitucional presente no artigo 133, segundo o qual o advogado é indispensável à administração da justiça, contribuindo diretamente para efetivação de direitos, defesa da cidadania e democracia, concretização do acesso à justiça. Isto porque ao desenvolver seu ofício, o advogado não exerce apenas uma atividade profissional, mas presta serviço público e desempenha função social. Este contexto precisa ser uma lembrança permanente para que essas prerrogativas sejam sempre respeitadas, afastando-se, por isso, condutas que alargam e deslocam molduras normativas para além do que ordinariamente é admitido na tarefa hermenêutica.
Wilson Sales Belchior – Graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestrando em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021.
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