Que a História é uma ciência fundamental a quem acompanha a política, ninguém questiona. Trata-se de um truísmo, ou seja, uma obviedade, uma verdade tão banal que não mereceria nem ser mencionada. O que poucos sabem, talvez, é o porquê da afirmação. Não estudamos o passado para repeti-lo, mas para nos libertarmos dele. Se a História, é verdade, não diz quais devem ser as nossas escolhas futuras, ao menos, nos dá opções de quais caminhos não seguir.
Dito isto, vamos ao encontro de Nicolae Ceauşescu, político romeno que serviu como secretário geral do Partido Comunista do seu país, de 1965 a 1989, assumindo, a partir de 1974, a presidência da República Socialista da Romênia.
Nicolae fez muito pelo prestígio da Romênia, sabia costurar acordos, liderar situações e conduzia primorosamente a política externa de seu país. Com efeito, a popularidade conquistada sugeria que seu poder fosse ilimitado, poucos questionavam seu lado obscuro e autoritário.
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Aos poucos, porém, os romenos começaram a descobrir quem era ele: um ditador implacável que transformou o Estado em um altar para ser adulado. Megalomaníaco e egocêntrico, como todos os ditadores, incentivava o culto à personalidade, distribuindo, por todo o país, dúzias de quadros e esculturas construídas a partir de uma imagem idealizada de si. Círculos de bajuladores massageavam o seu ego a ponto de isolá-lo da realidade. Conta-se que Nicolae Ceauşescu era um caçador apaixonado com péssima mira. Por isso, os guardas florestais matavam animais para que ele fosse campeão de caça. O tirano começava a viver num mundo de fantasia, onde não admitia perder.
Talvez, por isso, além de controlar o presente com mãos de ferro, apoiado pela rede de milhares de informantes que perfaziam o instrumento de repressão da Romênia, a temida Securitate, Nicolae tentou reescrever o passado. Assim, ele assinou um decreto que bania todas as máquinas de escrever não autorizadas e obrigou que todos os textos datilografados fossem enviados ao governo para prévia avaliação. Tal qual os demais ditadores, ele temia, sobretudo, uma imprensa livre e crítica.
Mas os absurdos não terminam por aí. Ele exigiu que as fotos que revelassem muitas rugas em seu rosto fossem descartadas. As poucas que sobravam eram retocadas com spray e um pequeno pincel para uniformizar e atenuar algum defeito que, porventura, insistisse em permanecer em seu severo rosto. Em uma época sem fotos digitais e Photoshop, imaginem o trabalho dos núcleos de comunicação do governo para suavizar o semblante do déspota que, dizem, era famoso pela feiura.
Nicolae chegou ao cúmulo de ordenar que pintassem faixas em apoio ao governo nas fotografias de grandes solenidades e de inserir imagens dele mesmo nos instantâneos para “provar” que esteve presente com o povo nas manifestações de rua. A verdade é que enquanto o povo vivia na miséria, o ditador relaxava no esplendor de suas mansões e banquetes nababescos.
“O Escolhido”, “o Salvador”, “o Gênio”, era assim que gostava de autorreferir-se. Ocorre que o reflexo da megalomaníaca opinião de si mesmo privava-o do senso da realidade. Nicolae não viu que as fundações de seu governo começavam a ceder, não viu que brotavam trincas na armadura de seu staff, não viu que a libertação do povo se aproximava. Em 1989, uma onda de revolta ao comunismo alastrou-se pela Europa e a frustração de milhões de pessoas materializou-se na destruição do muro de Berlim.
O ditador romeno tentava ignorar o que se passava na Europa, erro de estratégia fatal que o deixou vulnerável. Isolado em fantasias de bajuladores e admiradores falsos, que simplesmente aniquilaram o seu senso de realidade, ele não viu que os diques de seu governo iriam desabar em um mês, poucos dias antes do Natal de 1989.
Já debilitado politicamente, Nicolae acreditava que bastava aparecer em público para voltar aos velhos tempos de calmaria e aprovação de sua liderança. Assim, para mostrar sua força, organizou um enorme comício. A claque contratada, como de costume, aplaudia mecanicamente, mas os demais, extremamente decepcionados e cansados com os (des)caminhos da direção política, começaram a vaiá-lo e a insultá-lo.
O discurso foi televisionado e não será difícil encontrá-lo no Youtube. Trata-se de um vídeo relativamente curto, menos de 10 minutos, durante os quais é possível ver os olhos estupefatos e expressão estarrecida de um déspota que enxerga, atônito, o poder desmoronar como um castelo de areia a sua frente.
Há quem ignore a História. Já sabemos, no entanto, que se cercar de bajuladores, cercear a liberdade de expressão e ignorar os anseios de uma população sedenta por justiça não é o caminho mais inteligente a seguir.
Enquanto isso, por aqui, a política avança de calvário em calvário.