Na noite da quinta-feira (6), 34 filhos de agricultores assentados e quilombolas de nove estados brasileiros receberam, no auditório da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, o diploma de ensino superior em uma solenidade de Colação de Grau que emocionou os convidados e a comunidade acadêmica.
Eles fazem parte da terceira turma do Curso de Licenciatura em História para Educadores da Reforma Agrária, iniciado em 2014 e promovido pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED) com a UFPB, com acompanhamento da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Estado.
O curso reuniu alunos de assentamentos da reforma agrária e de comunidades quilombolas da Paraíba e de outros oito estados: Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Rondônia.
Para comemorar a conquista do grau superior, após a solenidade de Colação de Grau, a turma promoveu uma festa na Sede Social do Sindicato dos Bancários da Paraíba, também em João Pessoa, com direito a muita comida, música e apresentações culturais.
A coordenadora pedagógica da turma, Priscilla Gontijo Leite, destacou que o curso foi avaliado pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) do Ministério da Educação (MEC) em 2017 e que alcançou a nota quatro em uma escala que vai até cinco, colocando a licenciatura em uma posição de destaque na UFPB. A turma também tem um Coeficiente de Rendimento Acadêmico (CRA) que chega a ser superior ao de turmas do curso extensivo regular de História da UFPB, segundo a professora.
“A turma do Pronera enriqueceu a vida da universidade. Eles se integraram bem com alunos de outros cursos e ocupam dois cargos na direção do Centro Acadêmico dos estudantes de História”, disse Priscilla.
Para o coordenador do curso e membro da Comissão Pedagógica Nacional (CPN) do Pronera, José Jonas Duarte da Costa, que coordenou as outras duas turmas do Curso de Licenciatura em História para Educadores da Reforma Agrária na UFPB, “o curso é um orgulho para o Departamento de História”.
“O Pronera mudou as universidades brasileiras. O programa rompeu as cercas do latifúndio das universidades para o camponês, para o quilombola e para o índio”, afirmou Jonas Duarte, acrescentando que a criação do Pronera também contribuiu para as discussões sobre a adoção de cotas para o ingresso nas instituições públicas de ensino superior.
“Saber é poder. Quando o camponês ocupa a universidade ele alcança o poder de conquistar algo novo”, disse Dilei Aparecida Schiochet, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que discursou em nome dos representantes de movimentos sociais do campo presentes na Colação de Grau.
Os alunos ingressaram no curso através de um processo seletivo diferenciado – como acontece com os demais cursos do Pronera – e receberam gratuitamente alojamento e alimentação no Restaurante Universitário da UFPB. A universidade e o Governo da Paraíba também contribuíram com o deslocamento dos estudantes para congressos e outras atividades extraclasse.
Luta e superação
As histórias de dois dos quatro alunos da Bahia que integravam a turma ilustram bem as dificuldades que muitos deles tiveram que enfrentar para concluir o curso superior. Sem condições financeiras, as famílias dos dois não puderam vir a João Pessoa para assistir à Colação de Grau dos filhos.
Fábio Santos da Conceição, 24 anos, do Assentamento Margarida Alves, no município de Ituberá (BA), enfrentou as críticas de familiares e amigos quando decidiu continuar o curso após seu pai ser diagnosticado com câncer. “Diziam que eu não era um bom filho por abandonar meu pai doente. Tive dúvidas, mas meu pai me incentivou a vir”, contou, com lágrimas nos olhos. “Eu vim, e não me arrependo. Minha maior motivação foi a minha família”.
“Uma vez, minha mãe, que trabalhava como zeladora, tirou o dinheiro do aluguel para pagar uma passagem para eu voltar para estudar outro período na universidade”, disse Fábio da Conceição, que é o 11º filho de uma família de 13 filhos e o primeiro a conseguir um diploma universitário.
Ele acreditava que por ser pobre, negro e filho de agricultores analfabetos, a universidade era um sonho impossível. Agora, com o diploma na mão, Fábio da Conceição tem novos sonhos, como o de ensinar em uma escola de Ensino Médio de um assentamento vizinho ao seu. “Quero servir de exemplo, de inspiração. Quero incentivar os jovens a buscar a educação”, afirmou.
“Quase desisti”
Elenilda Conceição Nascimento, 32 anos, do Assentamento Bom Jesus, no município de Igrapiúna (BA), engravidou duas vezes durante o curso. Na segunda gravidez, que teve complicações, foi abandonada pelo companheiro e pensou em desistir. Com o incentivo e a ajuda financeira de alguns dos 11 irmãos e de uma bolsa destinada a universitários quilombolas, Elenilda se tornou a primeira agricultora com curso superior no assentamento onde vive com seus três filhos e a mãe.
“Meus pais são analfabetos, mas sempre incentivaram os filhos a estudar. A gente ia para a escola com comida ou sem comida”, contou Elenilda, que só conseguiu entrar aos dez anos na escola, a oito quilômetros de caminhada da casa de taipa onde a família morava antes de ser assentada pelo Incra.
Dos 15 aos 21 anos, quando engravidou do primeiro filho, Elenilda trabalhou como empregada doméstica. Para cursar o Ensino Médio, concluído em 2010, fazia um percurso de 30 quilômetros até a escola em cima de um caminhão. “Às vezes o caminhão quebrava e a gente tinha que fazer o resto do caminho para casa a pé”, disse.
“Nunca pensei que pudesse fazer um curso superior. Na minha vida nunca tive nada com facilidade, mas sempre dei valor às oportunidades. Quero fazer de tudo para que meus filhos estudem também”, afirmou Elenilda.
Pedagogia da alternância
Podem participar dos cursos ofertados pelo Pronera jovens e adultos dos projetos de assentamento criados e reconhecidos pelo Incra, quilombolas e trabalhadores acampados cadastrados na autarquia, além de beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC). No caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas modalidades de alfabetização e escolaridade/Ensino Fundamental, também podem participar os trabalhadores rurais acampados e cadastrados pelo Incra.
O curso é baseado na pedagogia da alternância, com a carga horária dividida em tempo-escola, com aulas presenciais, e tempo-comunidade, com atividades práticas e produção de pesquisas nas comunidades às quais os alunos pertencem, proporcionando a estes a oportunidade de estudar e produzir, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da zona rural.
20 anos do Pronera
O Pronera, que comemorou duas décadas de existência em 16 de abril deste ano, beneficiou, ao longo de 20 anos, mais de 186 mil alunos nas modalidades da EJA, ensino médio técnico, superior e pós-graduação, em mais de mil municípios do país. Nesse período, foram ofertados cerca de 500 cursos em parceria com 94 instituições de ensino.
Na Paraíba, o Pronera iniciou suas atividades em 1999 e já formou 3.676 alunos em 27 cursos. Em meados do próximo ano, 11 alunos da segunda turma do curso de Licenciatura em Pedagogia para Educadores da Reforma Agrária também devem concluir a graduação.
Também foram oferecidos no Estado cursos de EJA, nas modalidades de alfabetização e escolarização dos anos iniciais; cursos técnicos profissionalizantes nas áreas de Agropecuária, Zootecnia, Agroindústria e Enfermagem; cursos normais de nível médio (Magistério); cursos de graduação – Licenciatura em História, Ciências Agrárias e Pedagogia; e cursos de pós-graduação em residência agrária.