A cada governo que entra, o assunto educação deixa os holofotes provisórios da campanha eleitoral, onde costuma desfilar na linha de frente das promessas dos candidatos, e volta à triste prateleira dos problemas que se arrastam sem solução. Desta vez foi diferente: encerrada a votação que elegeu Jair Bolsonaro, a educação prosseguiu na pauta de discussões acirradas. Infelizmente, o saldo da agitação não gira em torno de nenhuma providência capaz de pôr o ensino do Brasil nos trilhos da excelência — a real prioridade, destaca reportagem da Veja .
A questão da hora é o projeto do deputado-pastor Erivelton Santana, do Patriota da Bahia, que pretende legislar sobre o que o professor pode ou, principalmente, não pode falar em sala de aula. Com o propósito de impedir a doutrinação de professores em classe, o projeto ameaça alimentar o oposto do que propõe: censura, patrulhamento, atitudes retrógradas e pensamento estreito — como aparece na ilustração ao lado, uma paródia da capa do livro Caminho Suave, clássico da alfabetização tradicional. Em seu projeto, há um problema de origem, segundo o especialista em educação Claudio de Moura Castro, colunista de VEJA. “Não há como definir em uma lei o que é variedade de pensamento e o que é proselitismo”, diz ele. Ou seja: a questão é muito, mas muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista.
Leia também:
Ricardo Coutinho ‘fecha questão’ na Paraíba contra “Escola sem Partido”
Fruto do ambiente polarizado da sociedade brasileira, a discussão entrou pela porta da frente das escolas. Nesse clima de paixões exaltadas, no entanto, é preciso um esforço adicional para separar o joio do trigo. A doutrinação em sala de aula é condenável sob todos os aspectos — seja de esquerda ou de direita, religiosa ou ateia, ou de qualquer outra natureza. A escola é um lugar para o debate livre das ideias, e não para o proselitismo. Nas redes sociais, há relatos de alunos que tiveram de optar entre ir a uma manifestação contra Michel Temer e fazer uma prova, o que é inteiramente inadmissível. Em outro caso, uma professora definiu em sala de aula os eleitores de Bolsonaro como “pessoas execráveis, asquerosas e nojentas”, algo que fere qualquer princípio elementar de pedagogia. Tudo isso é intolerável dentro de uma escola. Mas há duas considerações relevantes. Primeira: essa não é a realidade das escolas brasileiras — são exemplos da exceção, e não da regra. Segunda: há formas eficazes de lidar com o problema, mas elas não estão em debate.
Quem se dispuser a sair à caça de livros doutrinários nas escolas públicas brasileiras terá um empecilho crucial, mas não exatamente uma surpresa: em 18,9% das unidades das redes estaduais de ensino fundamental e em 61,1% das municipais não há biblioteca (ou mesmo uma simples sala de leitura).
Tais números, recentemente divulgados pelo Ministério da Educação, são espantosos — ou deveriam ser, em qualquer discussão sobre a qualidade da educação oferecida pelo governo. Quem se lembra, porém, de ter ouvido discursos inflamados ou visto posts nas redes sociais de parlamentares a respeito da escola sem livro, sem aula, sem instalações adequadas, sem quase nada?
Tomem-se apenas as instituições de ensino fundamental comandadas pelos municípios, que em geral apresentam as maiores deficiências. Somente 28,6% delas possuem quadras de esportes, e o número de parquinhos chega a escassos 14,3%. Pouco mais da metade (52,6%) tem internet.
Os colégios voltados ao ensino médio apresentam índices melhores, mas ainda assim desoladores para alunos que deveriam estar se preparando para o Enem e o vestibular. Laboratórios de ciências são realidade em 28,2% das escolas municipais e em 39,2% das estaduais. Como os estudantes podem competir em condições razoáveis nos processos seletivos de boas universidades? “O ambiente, por si só, pode ser educador”, ressalva Neide de Aquino Noffs, da Faculdade de Educação da PUC-SP. “A responsabilidade não é só do governo. Há gestores sem recursos que conseguem desenvolver brinquedotecas lindas fazendo parcerias com a comunidade.”
No plano geral, contudo, a deficiência é a regra atávica. Um caso recente, símbolo de todo o restante, é o da escola estadual paraibana Antônio Pessoa, em João Pessoa. A reforma do prédio seria uma boa notícia, mas as aulas estão paralisadas há dois meses devido às obras. Nesta semana que vem as atividades serão retomadas, mas em outro endereço. Até lá, não há professor presente para ensinar — quanto mais para ser filmado.
Clique AQUI e confira a reportagem completa