O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, iniciou um procedimento investigatório sobre possível atuação política do juiz federal Sérgio Moro, até recentemente responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba (PR), em sua indicação para ser ministro da Justiça a partir de 2019, no governo Jar Bolsonaro (PSL). Moro já é investigado pelos mesmos motivos (suposta atuação política) em outro caso, relativo à liberação de áudios de telefonema entre os ex-presidentes petistas Dilma Rousseff e Lula, mas esse processo tem sido recorrentemente adiado.
Em lance que, de um lado, foi visto como um acerto de Bolsonaro, e de outro deu munição para acusações petistas, Moro aceitou o convite do presidente eleito na semana passado. Ele vai comandar o chamado “superministério” que unirá Justiça e Segurança Pública a partir de janeiro de 2019. As pastas são atualmente chefiadas por Torquato Jardim e Raul Jungmann, respectivamente.
O desembargador Humberto Martins resolveu dar andamento ao processo depois que entidades, partidos e cidadãos brasileiros ajuizaram representações contra Moro no CNJ. Todas as ações civis apontam atuação política do juiz, pois aceitou o cargo de ministro ainda investido das funções de magistrado. Pesa na questão o fato de que Moro condenou e levou à prisão o ex-presidente Lula quando o petista tinha cerca de o dobro das intenções de voto de Bolsonaro na maioria das pesquisas de intenção de voto.
Humberto Martins unificou as várias representações contra o magistrado no CNJ, algumas delas formalizadas por deputados e senadores do PT. Eles alegam que Moro atuou, “mais uma vez, com parcialidade e sem a observância da legalidade” ao divulgar, no transcurso da campanha presidencial, trechos de uma delação premiada feita pelo ex-ministro Antonio Palocci, de forma a prejudicar o adversário de Bolsonaro no pleito, Fernando Haddad (PT). Um estudante de Direito e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Ainda segundo os parlamentares petistas, Moro violou o código de ética da magistratura ao desempenhar, mesmo indiretamente, atividades político-partidárias antes de deixar oficialmente a função de juiz. “Se na Itália o juiz da Operação Mãos Limpas tivesse aceitado ser ministro da Justiça do [ex-primeiro-ministro italiano Silvio] Berlusconi, iriam todos para a cadeia. Esse episódio é de uma gravidade que expõe o Poder Judiciário na sua totalidade”, argumenta o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).
“[A decisão de ser ministro] descortina o conjunto de relações subterrâneas que envolve o esquema da Lava Jato com um esquema de poder. Não é à toa que a imprensa especula que Carlos Fernando [dos Santos Lima], um dos chefes da Procuradoria-Geral da Republica em Curitiba, fará parte da equipe do Moro”, acrescenta o petista.
Em outra representação, o estudante de Direito Benedito da Silva Júnior destaca que a legislação pertinente considera incompatível com o cargo de juiz a negociação de espaço no Executivo. Moro se reuniu com Bolsonaro para aceitar seu convite em 1º de outubro, quatro dias depois da vitória do presidente eleito, ainda na condição de juiz.
O desembargador diz que a unificação das representações representará economia processual. “Já tramita nesta Corregedoria Nacional de Justiça pedido de providências instaurados para apurar fatos análogos ao que são objeto das reclamações, de modo que, visando a evitar a repetição de atos processuais, causando demora indevida na tramitação e desperdício de recursos humanos e materiais, devem os presentes feitos serem sobrestados e apensados para julgamento conjunto”, explica Humberto Martins.
Respeitosa divergência
A partir da decisão do CNJ, que conta a partir desta sexta-feira (9), o juiz terá prazo de 15 dias para prestar esclarecimentos. Moro, que está de férias alegadamente legais, só pode assumir o posto de ministro depois de ser exonerado dos quadros da magistratura. O PT pede liminar para impedir a posse de Moro, mas essa decisão só pode ser tomada depois que o juiz apresentar suas explicações.
Ele nega ter agido politicamente durante mais de 20 anos como juiz e chegou a dizer, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em novembro de 2016, que jamais entraria para a política. Na última segunda-feira (5), Moro afirmou que exerceria uma missão técnica e voltou a recusar a versão de ingresso no mundo político.
“Eu, aqui, faço uma respeitosa divergência. Não me vejo ingressando na política, ainda como um político verdadeiro. Para mim, é um ingresso em um cargo que é predominantemente técnico”, discursou Moro em uma palestra na capital paranaense, em evento sobre o mercado de construções sustentáveis.