O juiz Sergio Moro classificou de “absurda” a proposta em tramitação na Câmara dos Deputados que pretende mudar a lei que regulamenta as delações premiadas e proibir que investigados que estejam presos assinem acordos de colaboração com o Ministério Público. O magistrado não citou nomes, mas o projeto em questão, que começou a tramitar em fevereiro de 2016, é de autoria do deputado Wadih Damous (PT-RJ). O texto atualmente está em análise na Comissão de Constituição e Justiça.
Em conversa gravada no ano passado pelo delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) manifestou apoio à proibição: “Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação”, disse Renan a Machado na ocasião.
Para Moro, é possível que existam equívocos pontuais em alguns procedimentos de colaboração, mas, segundo ele, é preciso tomar cuidado com propostas legislativas que tenham a intenção de “eliminar o instituto” da delação premiada. O magistrado participou, nesta terça-feira, do programa “GloboNews Entrevista”, com o jornalista Gerson Camarotti, informa O Globo.
— Uma proposta um tanto quanto absurda, por exemplo, é aquela no sentido de proibir que alguém que se encontra preso possa realizar uma delação premiada. Principalmente porque isso viola o direito de defesa da pessoa que está presa. A colaboração premiada é um meio para a Justiça encontrar os cúmplices de um criminoso, mas também, de certa maneira, é um meio de defesa de uma pessoa que quer colaborar para receber benefícios da Justiça — disse o juiz.
Sem citar nomes, Moro afirmou que acordos de delação negociados recentemente têm estabelecido condições mais rigorosas para os réus do que aqueles firmados no início da Operação Lava-Jato. De acordo com o magistrado, o número alto de delatores se justifica porque as investigações desvendaram um “sistema de corrupção”, não sendo possível “pegar um único criminoso para desvendar todo o sistema”.
— Importante discutir esses acordos para evitar que gerem benefícios excessivos a esses indivíduos. Me parece que os acordos que atualmente estão sendo cogitados ou realizados são acordos mais sensíveis a essa necessidade de estabelecer condições mais rigorosas. Tem que se pensar esses acordos para evitar benefícios excessivos — afirmou Moro.
O juiz destacou ainda a importância do julgamento do processo do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, para o desenrolar da Lava-Jato. Segundo ele, as condenações – entre outros, o ex-ministro José Dirceu foi sentenciado – influenciaram o meio jurídico do país pelas punições a “pessoas que ocupavam cargos elevados na administração pública e pessoas poderosas do ponto de vista econômico”:
— Isso teve influência muito grande no sistema de Justiça, porque os juízes, afinal de contas, agem muitas vezes baseados em exemplos e precedentes. O julgamento do Supremo Tribunal Federal certamente influenciou decisivamente a Operação Lava-Jato, essa postura mais rígida do Judiciário com relação aos crimes de corrupção.
Moro evitou responder diretamente às acusações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se diz perseguido pelo juiz, e da defesa do ex-presidente, que afirmou que ele foi condenado sem provas pelo magistrado. Moro estabeleceu uma pena de nove anos e meio de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. Segundo o juiz, a opinião sobre o caso já foi manifestada na sentença:
— Não me sinto confortável em falar sobre o caso dele (Lula), porque tem casos pendentes (de julgamento). Tudo que pensava do caso (do tríplex), a respeito das provas, está na sentença. Não vejo necessidade de me manifestar publicamente sobre o julgamento.
O juiz não estabeleceu um prazo para o fim da Lava-Jato, mas disse que os trabalhos em Curitiba já percorreram um “bom caminho”, em função de vários processos relativos a desvios na Petrobras já terem sido concluídos. Ele destacou que a Lava-Jato “se espalhou”, citando desdobramentos no Rio, em Brasília e em Campo Grande.
Moro afirmou ainda que não será candidato à Presidência da República. A pesquisa mais recente do Datafolha indicava que ele seria o único candidato com condições de derrotar Lula em um eventual segundo turno.
— Acho que a pesquisa perde tempo quando coloca meu nome, porque não serei candidato.