A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu, nesta segunda-feira (30), da decisão que suspendeu o início do cumprimento da pena imposta pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF 4) ao ex-ministro José Dirceu. Condenado em segunda instância a mais de 30 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, o político, que estava preso em Brasília, teve habeas corpus concedido no fim do mês de junho. A suspensão da execução provisória da pena foi determinada pela maioria dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
No documento, Raquel Dodge sustenta que o julgamento possui vícios relativos tanto às regras processuais quanto à fundamentação adotada na concessão do habeas corpus. A origem do pedido analisado pelos ministros não foi um HC e sim uma petição apresentada ao relator após julgamento que indeferiu uma reclamação, o que deixa claro que o curso regimental foi totalmente atípico. José Dirceu inovou completamente o objeto da reclamação, alegando plausibilidade de revisão do acordão condenatório do TRF4. “Como se sabe, os meios processualmente adequados para se deduzir pedidos de atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial/extraordinário são os seguintes: de modo incidental, no bojo do próprio recurso, ou de modo principal, em medidas cautelares autônomas (ajuizadas perante a presidência do Tribunal recorrido, ora perante o próprio Tribunal Superior)”, informa publicação do MPF.
A PGR também sustenta que houve omissão quanto ao contraditório e ao respeito ao devido processo legal, uma vez que o Ministério Público não foi intimado para se manifestar sobre a pretensão. “Na prática, o MPF foi surpreendido pela decisão, sem que tivesse tido qualquer oportunidade de defender sua posição, com violação do devido processo legal”, destaca Raquel Dodge. Outro fator de obscuridade alegado pelo MPF é que a peça que sustentou a decisão – o acordão condenatório do TRF4 – sequer foi apresentado pela defesa para embasar o pedido.
A PGR também apontou omissão quanto às regras de competência do STF para suspensão cautelar. De acordo com o Código de Processo Civil e as Súmulas 634 e 635, do STF, pedido com pretensão cautelar para a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário é cabível quando a admissibilidade já tenha sido analisada pelo tribunal de origem, o que não ocorreu no caso de José Dirceu. Além disso, também foi desrespeitada a Constituição Federal, que estabelece os casos em que o STF é competente para processar e julgar originariamente habeas corpus.
Mérito do pedido – No documento, Raquel Dodge também contesta as alegações contidas na reclamação apresentada por José Dirceu. A avaliação é de que a peça, de apenas oito páginas, possui elementos frágeis, como a argumentação de que o crime de corrupção passiva estaria prescrito. A procuradora-geral explica que o ex-ministro foi condenado pela prática de corrupção em cinco contratos. Nesse caso, conforme detalha Raquel Dodge, a consumação do delito se deu entre 2009 e 2013, quando ocorreu o recebimento das vantagens indevidas, e não no momento da assinatura dos contratos, como sustentou a defesa. Também afirma que não houve erro na dosimetria da pena quanto aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva porque os delitos antecedentes à lavagem foram: formação de cartel e fraude à licitação.
Em outro trecho do recurso – embargos de declaração com efeitos infringentes – destaca a gravidade de consequências provocadas por decisões em que se verifica desrespeito a ritos, regras e normas, com o propósito de devolver a liberdade a réu condenado em dupla instância. “Ao se permitir que decretos prisionais de 1º e 2º graus sejam revistos diretamente por decisão da última instância do Poder Judiciário, como ocorreu neste caso, em especial no bojo das atuais ações penais de combate à macrocriminalidade, cria-se o senso de descrença no devido processo legal, além de se gerar a sensação de que, a qualquer momento, a sociedade pode ser surpreendida com decisões tomadas completamente fora do compasso procedimental previsto na ordem jurídica”, completa Raquel Dodge.