“Minha embaixada chegou/ Deixa meu povo passar”. Assim, tomando para si a canção de Assis Valente, Chico Buarque anunciava – no dia 13 de dezembro, em Belo Horizonte – a estreia da turnê Caravanas. Agora, depois de passar pela capital mineira, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Portugal e ser vista por mais de 100 mil pessoas, a embaixada de Chico segue na estrada e chega a João Pessoa no dia 18 de setembro, no Teatro Pedra do Reino. As vendas começam no dia 25 de julho, através da bilheteriavirtual.com ou no Domus Hall.
O sucesso se explica não só pela expectativa naturalmente criada em torno dos shows de Chico, afastado dos palcos desde 2012. O álbumCaravanas (lançado pela Biscoito Fino) foi apontado por muitos como um dos melhores do ano, assim como a canção As caravanas – tomada desde o nascimento como um dos grandes clássicos da obra do compositor. Além disso, o show mostra um Chico dialogando com seu tempo de forma aguda, como em alguns dos períodos mais marcantes de sua carreira. E aqui a expressão “seu tempo” tem sentido duplo. Por um lado, trata do momento de tensão política e social que o Brasil e o mundo atravessam. Por outro, “seu tempo” diz respeito ao tempo que o artista procura afirmar no palco, acima de qualquer cronologia. O “tempo da delicadeza”, como escreveu ele sobre a melodia de Cristóvão Bastos emTodo o sentimento – não por acaso, presente no repertório.
Depois de pedir permissão para seu povo passar, Chico deixa claro quem chama de seu povo. Ele está presente em Mambembe, declaração de princípios e louvação à figura do artista – recentemente tratado como vagabundo em debates acalorados neste presente que Chico transcende no palco. Está também nos malandros de Partido alto e A volta do malandro assim como na involuntária heroína, duplamente violentada, deGeni e o zepelin. E, em definitivo, nos mestres e colegas listados em Paratodos.
Seu povo também são seus parceiros. Chico presta especial deferência a eles, fazendo questão de citá-los. Além de Todo o sentimento,Cristóvão Bastos é lembrado em Tua cantiga, outra do recém-lançado álbum que nasceu com ares de clássico. Edu Lobo aparece três vezes. A primeira, em A moça do sonho – uma das muitas canções do show que lidam com realidades oníricas, tempos suspensos, como Outros sonhos,Massarandupió, Futuros amantes ou mesmo Tua cantiga. Depois, Edu é lembrado de novo em A história de Lily Braun e A bela e a fera, ambas de O grande circo místico, aqui tocadas juntas. Seu maestro soberano Tom Jobim é celebrado em Retrato em branco e preto e Sabiá. Baixista da banda, Jorge Helder aparece como compositor em Casualmente. Parceiro mais recente (“e mais amado”, ressalta Chico no palco), o neto Chico Brown entra com Massarandupió.
A representação maior do povo que Chico puxa em sua embaixada talvez seja Wilson das Neves, a quem o show é dedicado. O cantor lembra seu velho amigo e baterista de sua banda, morto em 2017, cantando a primeira parceria da dupla, Grande hotel.
Cuba ganha um lugar especial no universo desenhado por Chico no show, com Yolanda (versão em português do compositor para canção do cubano Pablo Milanés) e Casualmente, construída sobre uma memória de Havana.
Chico também afirma sua embaixada a partir do que não quer. Como na tristemente atual Derradeira estação, crônica de um Rio dominado pela violência, num Estado ausente que gera mil estados paralelos. Ou na raiva, “filha do medo” e “mãe da covardia”, que embala a violência em As caravanas. Em registros mais leves e irônicos, ele pisca, em Desaforos e Injuriado, para os que “proferem desaforos pro seu lado”. O “malandro candidato a malandro federal”, o “malandro com retrato na coluna social” e outros que nunca se dão mal também têm seu momento de infâmia no show, em Homenagem ao malandro.
A grandeza do que se vê no palco, porém, não se resume às canções. Chico é sustentado por uma banda primorosa, que, a partir dos arranjos de Luiz Claudio Ramos, parece se multiplicar. Ela é formada por João Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera(percussão), Jorge Helder (contrabaixo), Marcelo Bernardes (flauta e sopros) e Jurim Moreira (bateria), além do próprio Luiz Claudio Ramos(violão). Também constroem o espetáculo a luz de Maneco Quinderé, os figurinos de Marcelo Pies e o cenário de Helio Eichbauer, formado por um jogo de oito cordas entrelaçadas – que formam diferentes desenhos e movimentos e mudam de tom de acordo com a iluminação – e “uma esfera armilar que flutua no espaço azul como algum sistema planetário”, como ele mesmo descreve.
O show que o público poderá presenciar agora traz um artista com plena consciência do tempo (dos tempos), como o personagem de Jogo de bola – outra pérola da safra mais recente. Mas que sabe ser, simultaneamente, aquele craque que tem a experiência do passado (“Outrora, quando em priscas eras/ Um Puskás eras”) e o garoto que ainda é capaz de inventar dribles (“O tique-taque, o pique, o breque”).
A turnê Caravanas tem produção geral de Vinícius França e direção técnica de Ricardo Tenente Clementino. Antes de chegar a João Pessoa, a turnê passará por Curitiba (Teatro Guaíra, de 02 a 04 de agosto), Porto Alegre (17, 18 e 19 de agosto, no Auditório Araújo Vianna) e Brasília (30 e 31 de agosto, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães).
Caravanas tem patrocínio da Icatu Seguros, que já havia apoiado o último espetáculo do artista, em 2012 – visto por mais de 150 mil espectadores.