O Plenário retoma na próxima terça-feira (2) a votação do projeto de lei do Senado (PLS 188/2014) que autoriza a Fazenda Pública a tornar públicos os nomes de todos os beneficiários de renúncias de receitas da União. O texto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi aprovado no dia 12 de junho, mas a Casa ainda precisa votar um destaque que limita o alcance da proposta.
O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) proíbe a divulgação de informações sobre a situação econômica ou financeira dos cidadãos. A norma também veda a publicação de dados sobre a natureza e o estado de negócios ou atividades desenvolvidas por eles, informa publicação da Agência Senado.
Mas o próprio Código estabelece algumas exceções: a Receita Federal pode revelar, por exemplo, informações sobre a inscrição na dívida ativa da Fazenda Pública ou ainda sobre o parcelamento e a moratória de débitos tributários. O PLS 188/2014 cria uma nova exceção para permitir a divulgação dos beneficiários de renúncias de receitas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) classifica como renúncia de receita benefícios como anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção e alteração de alíquota ou base de cálculo que implique redução de tributos ou contribuições. Em 2018, esse gasto indireto pode alcançar a cifra de R$ 283,4 bilhões — o equivalente a 4% do produto Interno Bruto (PIB).
De acordo com o Orçamento Geral da União, a maior parte da renúncia decorre de desonerações de Imposto de Renda (R$ 101,4 bilhões), Cofins (R$ 65 bilhões) e Contribuição para o Regime Geral de Previdência Social (R$ 60 bilhões). Mas o Poder Público também concede benefícios para Simples Nacional (R$ 80,6 bilhões), rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda da Pessoa Física (R$ 27 bilhões), Desoneração da Cesta Básica (R$ 24,4 bilhões) e Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 24,4 bilhões).
Segundo o PLS 188/2014, a divulgação dos beneficiários valeria tanto para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas. Isso significa que microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, sociedades limitadas, sociedades anônimas, empresas individuais de responsabilidade limitada e quaisquer cidadãos poderiam ter as informações reveladas. Para Randolfe Rodrigues, seria “a mais importante regra de transparência dos últimos anos”.
— Está mais do que provado que um dos maiores atos indiretos de corrupção por parte do poder público é conceder isenções fiscais sem a divulgação daquele que foi beneficiado. Este é um princípio elementar de transparência: conhecer quem recebe favores fiscais do Estado brasileiro possibilitará saber como funciona a estrutura tributária e a concentração de renda no Brasil. Hoje é impossível fazer um levantamento sobre quem são os mais ricos, porque não é possível ter conhecimento desses dados — argumenta Randolfe Rodrigues.
Votação de destaque
A relatora do PLS 188/2014 na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) foi a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO). Ela apresentou um parecer favorável ao texto, mas recomendou alterações para restringir o alcance do projeto. De acordo com a parlamentar, a Receita Federal só poderia divulgar informações sobre incentivos ou benefícios tributários setoriais concedidos a pessoas jurídicas. As pessoas físicas seriam preservadas.
— Optamos por retirar as pessoas físicas em função do risco de se violar o sigilo dos cidadãos. Há renúncia de receita, por exemplo, para mutuários do programa Minha Casa Minha Vida, para famílias que pagam taxas mais baixas nas contas de energia e para pessoas com deficiência isentas de imposto na compra de automóveis. Seria uma lista interminável revelar o nome de todos. O risco [de corrupção] se esconde na pessoa jurídica, e não na física. São esses benefícios que podem distorcer o princípio da isonomia — argumentou Lúcia Vânia.
No Plenário, os senadores votaram primeiro o texto base do PLS 188/2014. Um destaque de bancada apresentado pelo líder do PT, senador Lindbergh Farias (RJ), obrigou a votação do relatório de Lúcia Vânia como um destaque em separado. Mas a emenda não chegou a ser apreciada no dia 12 de junho porque a sessão foi suspensa por falta de quorum, após a liderança do governo se declarar em obstrução.
“Mediação possível”
Durante a discussão do projeto, Lindbergh Farias defendeu a aprovação do texto original. Ele classificou como “um dos escândalos nacionais” a isenção de tributos concedidos a pessoas físicas:
— Nós estamos falando do andar de cima. Eu vou dar um exemplo: isenção de tributação de lucros e dividendos. A carga tributária de uma pessoa ou família até dois salários mínimos é de 48% do salário. Mas, quando você vai discutir os multimilionários, gente que ganha acima de 160 salários mínimos, sabe de quanto é a tributação de Imposto de Renda? Apenas 6,1%, porque um bocado de gente consegue isenção de lucros e dividendos. Esse Estado é um Robin Hood às avessas: nós estamos tirando dos pobres para dar aos ricos — afirmou Lindbergh Farias.
O líder do Governo, senador Romero Jucá (MDB-RR), rebateu. Ele criticou o alcance “genérico” do PLS 188/2014.
— A emenda [da senadora Lúcia Vânia] é fundamental sob pena de termos de publicar todas as concessões de ganho de caderneta de poupança de todos os brasileiros e outras informações de pessoa física. Não tem sentido. O interesse disso é publicar pessoa jurídica. Beneficiário de renúncia de receita, qualquer que seja, pega quem tem vantagem e subsídio em poupança, em programa social, em qualquer outra coisa do governo. Renúncia de receita é a palavra genérica para algum tipo de não-cobrança total — afirmou Jucá.
O autor e a relatora do projeto tentam fechar um acordo que possibilite a votação da matéria na próxima terça. Uma alternativa seria autorizar a Receita Federal a divulgar dois tipos de informações: pessoas jurídicas beneficiárias de incentivos tributários; e pessoas físicas isentas do pagamento de Imposto de Renda sobre lucros obtidos com empresas e dividendos recebidos como acionistas.
— Algum agente empresarial pode ter isenção de lucros e dividendos sem que a sociedade tenha conhecimento. A concessão desse benefício vai para empresas, mas também para cidadãos. Se pudermos, por exemplo, conseguir a divulgação de lucros e dividendos de pessoas físicas, eu já me daria por satisfeito. Essa é a mediação possível — disse Randolfe.
Lúcia Vânia diz concordar com a alternativa sugerida pelo autor do PLS 188/2014. Mas ela diz que a proposta pode se tornar “uma medida inócua”, sem efeito prático. Isso porque os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas não são considerados incentivos fiscais. Embora os beneficiários sejam isentos da cobrança do Imposto de Renda sobre esses valores, o tributo é cobrado das empresas que auferiram os lucros ou distribuíram dividendos.
— Eu tinha acordado. Para mim, não tem problema. O que acontece é que é inócuo. Não haveria nenhum efeito. A Receita Federal não considera os dividendos como tributáveis. Quando o banco declara o lucro, ele já é tributado. Se fosse tributar também dos acionistas, seria uma bitributação. Isto seria uma medida inócua, mas a gente pode sentar e acordar — disse a relatora.
Programas sociais
Em seu relatório, Lúcia Vânia sugere outra mudança. A alteração permite a divulgação de dados fiscais dos beneficiários de programas do governo. De acordo com a proposta, o órgão responsável pela gestão de projetos que acarretem despesas públicas poderia confirmar com a Receita Federal se uma informação prestada pelo cidadão para ter acesso ao benefício é verdadeira ou não.
Por exemplo: o programa Minha Casa Minha Vida é destinado a famílias com rendimento bruto mensal de até R$ 1,8 mil. Com a medida incluída no PLS 188/2014, o Ministério das Cidades poderia consultar a Receita Federal para saber se a declaração de renda apresentada por um candidato confere com as informações disponíveis no Fisco.
De acordo com Lúcia Vânia, a medida pode evitar o recebimento de benefícios por quem não preenche os requisitos exigidos pelos programas governamentais. O fisco não poderia encaminhar documentos com informações sobre a situação econômica ou financeira do contribuinte, mas apenas confirmar se a declaração prestada pelo próprio beneficiário é verdadeira.
Como se trata de um projeto de lei complementar, o destaque com o voto da senadora Lúcia Vânia precisa de 41 votos para ser aprovado. Se o quorum não for alcançado, a redação original do projeto de Randolfe, já aprovado pelo Plenário, segue para a Câmara dos Deputados.