“O câmbio me trouxe de volta à vida. Eu renasci!”. Os gestos esboçados pela professora aposentada Iná Medeiros da Nóbrega Leite, de 65 anos de idade, ao articular essa frase, não a deixaram mentir. Há ali muita vontade de viver com leveza, alegria e simplicidade. Para quem não sabe, o câmbio, que trouxe de volta o sorriso no rosto dela depois que o marido morreu, é um esporte.
Em João Pessoa, a modalidade já tem conquistado uma legião, especialmente depois que a Lei Ordinária nº 1431/2023, sancionada no ano passado, reconheceu o jogo do câmbio como esporte símbolo da pessoa idosa na Capital. É que a atividade esportiva é uma adaptação do voleibol totalmente voltada para os jovens que já contabilizam mais de 60 anos de idade.
Iná, por exemplo, pratica o câmbio todas quartas e sextas-feiras na Praça Alcides Carneiro, no bairro de Manaíra, há mais de dois anos. E nem foi a aposentadoria que a levou a arena, foi a viuvez. A professora aposentada pegou um momento de grande dor, olhou para o esporte e viu nele uma enorme luz que a guiou para seguir em frente.
“A partir do momento que a gente fica viúva, se sente isolada, a tristeza bate, vêm outros sentimentos e a gente termina se afastando um pouco de tudo. E aqui foi onde eu tive todo um aparato, toda essa amizade que joga você para frente, que lhe anima, lhe dá ânimo para viver. Porque o câmbio não é só uma atividade. Aqui nós fazemos amizades, somos uma família que chega junto para aqueles que precisam”, contou com um enorme sorriso no rosto.
Esse grupo, essa família citada por Iná é bem grande e animada. São mais de 40 participantes. Mulheres e homens em busca de atividade física, mas também de lazer, amizade, amor fraterno e muita, mas muita alegria, porque envelhecer definitivamente não é sinônimo de infelicidade. Ao menos não para eles!
Naquela praça pública aberta a quantos queiram jogar câmbio, todos se incentivam. Mas, cá pra nós, ficou nítido que o policial militar aposentado Renildes Gomes Lucena, de 64 anos, é o maior de todos os incentivadores. Ele chega, organiza, forma os times, faz até curativos em pequenos machucados da turma. Sempre na companhia do auditor fiscal aposentado e amigo Carlos Antônio de Assis, de 74 anos. Lucena joga a galera para cima, deixando o astral elevado.
“O câmbio que a gente pratica aqui é como se fosse uma forma de interação, para tirar o idoso da ociosidade, criar laços amigáveis, bons relacionamentos. Essa é a finalidade do câmbio. E além de jogar, a gente faz churrasco, faz festa, se encontra à noite, vamos conversar, interagir. Às vezes, você sozinho não tem o que falar e quando fala alguma coisa para alguém, se sente aliviado em relação àquele momento. Então, a necessidade do câmbio não é só a finalidade esportiva, é fundamental, é necessário, mas é uma coisa que engloba tudo e faz com que a gente se sinta bem”, apontou Lucena.
Convite à saúde – Quero dizer aqui, assim mesmo, na primeira pessoa do singular, que passei uma grande vergonha pública (risos!). É que em meio a conversa animada que travei com os jogadores na Praça Alcides Carneiro fui convidada a participar do jogo, mas tive que recusar. Aos 45 anos de idade, muito mais jovem que qualquer um deles, eu era a única acometida de uma crise de coluna.
Claro, ao revelar a dor que sentia, aplacada pelos anti-inflamatório e analgésico, me vi rodeada por caras espantadas, já que nenhum deles guardava em si dor alguma a se queixar, nem mesmo dores emocionais. “Eu não sinto uma dor na unha. Não sei o que é ter uma dor de cabeça. Só vejo o povo tomando remédio e o meu é o câmbio. Isso é falta de atividade minha filha”, jogou literalmente na minha cara, às gargalhadas, Nizete Gomes Alves, no auge dos seus… adivinhem… 76 anos muito bem vividos.
Confesso, os risos, a alegria contagiante, a vitalidade daqueles corpos, mentes e almas preenchidos por tantas histórias, boas e ruins, porque assim é com todo ser humano vivente na Terra, foram como uma injeção de ânimo trazendo cura para meu corpo. Iná, Carlos, Lucena, Nizete e todos ali marcaram no meu relógio biológico a hora certa de despertar para a necessidade de uma escolha saudável, a da atividade física, do esporte, das boas amizades e da contemplação e valorização à vida.
Câmbio de competição – E se o meu relógio biológico conseguir ficar bem regulado, eu espero que ele mantenha as baterias carregadas por um bom tempo tal qual as dos atletas que escolheram o câmbio como um esporte para competir, ganhar amigos e inúmeras medalhas. Se bem que as medalhas até são dispensáveis, pois está na cara que neste esporte todos já são vitoriosos.
Para conferir de perto toda essa disposição e a graça dos atletas, nossa equipe de reportagem foi até a Praia de Intermares, onde, nos dias 18 e 19 de outubro, aconteceu o II Torneio Voo das Águias, um evento que reuniu 250 atletas do câmbio de João Pessoa e Cabedelo. Eles disputaram jogos nas categorias master (50 a 59 anos) e sênior (60+), com uma novidade impressionante: pela primeira vez na Paraíba, a competição teve dois times mistos super sênior (atletas com 70+).
E sabem quem nós encontramos por lá competindo? Valmor Kniphoff e Célia Leal. Quem são eles? Segura o queixo para ele não cair. São dois atletas do câmbio que já ultrapassaram os 80 anos de idade. E eles não param quietos, andam de um lado para o outro animando as equipes das quais fazem parte, causando inveja até nos mais jovens dos atletas de qualquer esporte.
“A minha maior satisfação é ver a alegria, o reconhecimento das pessoas em ter conhecido o câmbio e estarem praticando. São pessoas que tinham problemas de pressão alta, solidão, depressão. E o importante é esse congraçamento, o aspecto social que é muito importante. Eu acho que a pessoa que se dispõe a sempre estar em atividade não tem o porquê de envelhecer”, evidenciou Valmor, educador físico que aos 82 anos de idade lembra a importância da atividade física para a saúde. Ele é pioneiro do câmbio na Paraíba. Foi quem trouxe o esporte para o Estado.
“Muita gente pensa que a aposentadoria é o fim da vida, quando não é. Para mim foi o começo, porque eu dei tudo de mim enquanto meus filhos estavam no meu domínio. Depois que os filhos se casaram, se formaram, agora chegou a minha vez. Aí comecei. Eu participo do câmbio, faço vôlei adaptado, hidroginástica, musculação e ainda pertenço a um grupo de idosos da universidade”, elencou Célia, com 81 anos.
Depois de me deixar sem fôlego com todas essas atividades, óbvio que eu quis saber com ela a fórmula da juventude, o segredo da vitalidade, para tentar copiar ao menos um pouquinho. E a resposta foi surpreendente. “O segredo é ser nordestino. O meu cuscuz e o leite de gado. (risos!) É boa alimentação, tranquilidade, cabeça fria. Porque a cabeça quente não resolve o problema de ninguém. É ter uma família maravilhosa. É ter um marido, que é um bom marido, é um pai, é um amigo, é tudo pra mim. Meus filhos também são maravilhosos, me incentivam pra tudo na vida. Eu acho que isso faz com que a gente se sinta bem”, revelou dona Célia.
Competição ou festa? A gente estava falando do câmbio como um esporte de competição, mas a verdade é que até a hora de competir para esses atletas é pura diversão, que o diga o presidente da Associação Paraibana de Câmbio (Aspacam), Mauro Martins, que com apenas 57 anos é um dos mais jovens do grupo.
“É festa, integração, amizade, grupos se enfrentando com alegria, com saúde, buscando o seu lado pessoal, mas também tem o lado de equipe, tem o lado de competição. É um encontro de pessoas que já superaram tanta coisa na vida e agora estão vivenciando e vivendo essas conquistas, todos nesses campeonatos, nesses jogos de integração que a gente chama de câmbio, que é o único esporte reconhecido por Lei de João Pessoa como esporte símbolo da pessoa idosa. É um espetáculo isso aqui. A agilidade, as pessoas se superando, pessoas que chegaram com problemas graves de saúde e hoje estão bem. Parece mágica!”, celebra Mauro.
Maristela Aldano é vice-presidente da equipe Águia de Intermares, cuida da comunicação da Aspacam e ainda é atleta. Já dá para perceber que fôlego ela tem de sobra. E é Martistela que também nos traz uma definição impactante sobre o esporte, um alerta para cultivar o autoamor e o autocuidado que tanto merecemos na vida.
“Eu digo que o câmbio é uma redenção! É redenção porque me trouxe de volta aqueles hormônios que já estavam começando a ficar adormecidos e estavam sendo substituídos pelo crescimento dos hormônios do ‘jogar da toalha’, do achar que a idade já estava chegando, que não tinha mais perspectiva para ser esportista, para ter um corpo saudável. E eu vi que pode sim! Então, o câmbio me trouxe essa redenção e, por isso, virou uma paixão”, concluiu.
O filósofo Confúcio um dia fez a seguinte pergunta: “Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos tem?”. É exatamente isso que os atletas do câmbio, com 50, 60, 70 ou mais de 80 anos fazem. Eles esquecem esse calendário humano que tenta limitar e impor regras que podem sim ser quebradas.
O único foco de cada um deles agora é pegar a bagagem de um caminho longo já percorrido, retirar os pesos e adicionar leveza, alegria e muito entusiasmo. Eu vou lembrar para sempre de cada rosto entrevistado e seguir os conselhos compartilhados.
“Não se envergonhe minha filha, você hoje tem uma vida muito corrida. Comece com o tempinho que você conseguir e um dia terá mais tempo para se amar”, orientou-me, finalizando nossa conversa, dona Célia Leal, que como já expus, tem 81 anos de pura juventude.