Os dados do Painel de Indicadores Estatísticos de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, revelam que no ano passado a Paraíba registrou 575 casos de estupro. A maioria das vítimas, totalizando 300 pessoas, tinham entre zero e 14 anos. Essa faixa etária é descrita no artigo 271-A, criado pela Lei nº 12.015/2009, como vulnerável. A mesma legislação estabelece uma pena de reclusão de oito a 15 anos, para quem praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, mas a pena pode alcançar quase 30 anos, dependendo das condições que acontecer o crime e o parentesco entre vítima e acusado.
Sensível a esta questão, em agosto de 2023, a Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba atribuiu à 4ª Vara Criminal da Comarca de João Pessoa e à Vara da Infância e Juventude de Campina Grande competência exclusiva para processar e julgar os crimes contra crianças e adolescentes, além de suas competências originárias. A Resolução estabelece, ainda, que os profissionais especializados para a tomada do depoimento especial sejam requisitados e atuem exclusivamente nas unidades judiciárias.
O Depoimento Especial é previsto no artigo 8º, da Lei 13.431/2017, a qual normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, cria mecanismos para prevenir e coibir a violência, além de estabelecer medidas de assistência e proteção ao público infantojuvenil nesta situação.
Segundo o juiz da 4ª Vara Criminal da Capital, José Guedes Cavalcanti Neto, o Poder Judiciário estadual tem se preocupado muito com os crimes que envolvem vulneráveis, sobretudo, estupro. “Anteriormente, esses processos eram distribuídos por todas as varas criminais de João Pessoa. Com base em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as ações foram remetidas à Vara de Violência Doméstica. Por fim, por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal estabeleceu uma vara específica para a tramitação das demandas”, explicou o magistrado.
O juiz disse que o trâmite de uma ação que envolve estupro de vulnerável é mais demorado, pala natureza do crime, sua pena e a complexidade da causa, além de correrem em segredo de Justiça. Ele explicou que se o estupro de vulnerável for praticado por alguém da família (pai, irmão, padrasto, tio, avó…), e se essa pessoa for condenada na pena máxima (15 anos), a condenação vai para 22 anos e seis meses. “Se o crime for dentro de casa, a pena pode ser ainda maior. Caso o estupro tenha sido praticado mais de uma vez, a condenação pode alcançar 30 anos, em regime fechado. Além disso, trata-se de uma matéria muito delicada, uma vez que envolve relatos de crianças que foram estupradas e o Tribunal de Justiça da Paraíba, realmente, tem dado apoio, com a prática do depoimento espacial, uma técnica fundamental”, pontuou.
O depoimento especial consiste em uma metodologia diferenciada de escuta judicial dessas crianças e adolescentes, executadas por equipe multidisciplinares, objetivando, principalmente, minimizar a vitimização das crianças ou adolescentes e contribuir para a fidedignidade dos depoimentos, por meio da utilização de uma metodologia cientificamente testada e totalmente confidencial.
O juiz da Vara da Infância e Juventude de Campina Grande, Perilo Rodrigues de Lucena, informou que sua unidade Judiciária tem menos de um ano e já realizou centenas de audiências com depoimento especial. “A implementação deste protocolo representa um avanço significativo no tratamento de casos envolvendo crianças e adolescentes, garantindo que suas vozes sejam ouvidas de maneira cuidadosa e respeitosa. Recebemos cerca de 750 processos e estamos fazendo audiências de segunda a sexta-feira”, informou.
Perilo Lucena ressaltou a importância da colaboração entre as instituições envolvidas para garantir o sucesso da iniciativa. “Esta é uma oportunidade para fortalecermos nossos esforços em prol dos direitos das crianças e adolescentes, trabalhando de forma conjunta para garantir que recebam o suporte necessário em momentos tão delicados”, afirmou o juiz.
Rede de proteção – A secretária estadual da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura, afirma que a rede de atendimento às mulheres e meninas vítimas de violência sexual funciona ativamente, com atenção especial aos casos de estupro de mulheres e meninas. Para as crianças e adolescentes menores de 18 anos vítimas de estupro, é necessário uma comunicação ao Conselho Tutelar. É importante realizar as primeiras medidas de saúde, nos serviços de referência, como profilaxia (é o termo utilizado para denominar as medidas utilizadas na prevenção ou atenuação de doenças), contra as doenças sexualmente transmissíveis e para tomar a pílula do dia seguinte”, comentou. A secretária informou que a principal porta de entrada para as crianças e adolescentes, nessa condição, é o Hospital Arlinda Marques.
Números nacionais – O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 revelou que, no ano passado, houve o maior número de estupro na história. Segundo o levantamento, 74.930 pessoas sofreram e ainda sofrem as sequelas desse crime que choca por sua covardia e brutalidade, isso representa um crescimento de 8,2%, em relação a 2022. As crianças entre zero e 13 anos de idade são as principais vítimas e representam 62% dessa estatística, enquanto 10,4% têm menos de quatro anos. A maioria das vítimas são meninas (88%) e negras (52%).