* Josival Pereira
O presidente do PT na Paraíba, Jackson Macedo, em entrevistas nesta quinta-feira (28/03), evocou o exemplo de Portugal na advertência que fazia sobre o “perigo da volta do fascismo”, referindo-se à direita radical brasileira ou direita bolsonarista (que prefere ser denominada de conservadora e não de radical) e às eleições de 2026.
Mas qual é esse exemplo de Portugal?
Os portugueses vivem uma situação politicamente inusitada. Nas eleições, há duas semanas, o resultado acabou bastante embolado para o regime semipresidencialista do país, onde existe um presidente com mais poderes do que o de simples chefe de Estado, mas o governo é conduzido pelo parlamento (parlamentarismo).
A Aliança Democrática, liderada pelo PSD, um partido de centro-direita, elegeu 80 deputados (o PSD puro elegeu 78), o PS (socialista) ficou com 78, e o Chega, um partido de extrema-direita, ganhou 50 cadeiras. Tinha apenas 12, resultado da eleição passada. Quadruplicou de tamanho. Um bom feito.
Com esse quadro, o PSD foi indigitado a formar o governo, mas não tinha a maioria absoluta de 116 (metade mais 1 dos 230 parlamentares da Assembleia da República) para aprovar seu programa, orçamento e o próprio ministério, além de todas as matérias futuras referentes à gestão. Na legislatura anterior o PS tinha maioria absoluta.
Perceba-se que, se houvesse a junção das bancadas de centro-direita com a da extrema direita (80+50=130) haveria maioria folgada para formação de governo, mas o problema é que presidente do PSD, Luís Montenegro, passou a campanha toda dizendo que não faria aliança com a extrema direita. Cumpriu a palavra. Mesmo precisando de votos, ele repetiu, após as eleições, que a aliança com a ultradireita era ruim para seu partido e para Portugal.
Decidiu, então, formar um governo de minoria, que é assim que se denomina no parlamentarismo ou no semipresencialíssimo os gabinetes que se formam sem a maioria absoluta, o que torna o governo dependente do parlamento a cada votação. Ou seja, vai se ver obrigado a negociar apoios para cada projeto que enviar ao Congresso, mas não quis conversa com os radicais. Deverá, porém, ter o apoio pontual da esquerda socialista. É apenas o terceiro governo de minoria em 50 anos, desde a redemocratização do país com a Revolução dos Cravos.
Mas os partidos que se intitulam democráticos, o PSD e o PS foram além. Fizeram um acordo (centro-direita e esquerda), no início desta semana, resolvendo o impasse na eleição para a presidência da Assembleia da República dividindo o comando da Casa a meio, já que cada um conta 78 deputados, e isolando a bancada da extrema-direita, do Chega, que tem 50 deputados. O PSD vai presidente a Assembleia nos dois primeiros anos e o Partido Socialista os outros dois anos da legislatura.
Esses são os exemplos a que Macedo se referia. Trata-se da percepção que não existe apenas um movimento político de direita, assim como não existe apenas uma esquerda, e que a direita radical defende princípios e programas que colocam a democracia em risco. Há bastante exemplo no mundo de governos autoritários, originários de partidos ou movimentos de extrema-direita ou da extrema-esquerda e que chegaram ao poder através das urnas (Turquia e Venezuela são protótipos).
Estudos no mundo inteiro têm revelado que a extrema-direita, com seus líderes carismáticos, quase sempre engolem a direita democrática ou direita liberal em alianças para montagem de governos aparentemente compartilhados. O Brasil talvez seja um bom exemplo. Com a eleição de Jair Bolsonaro e a ideia de formação de um grande governo de direita, sem distinção das diferenças, houve o esfacelamento da direita democrática e da centro-direita, que penam e não conseguem forjar uma liderança nacional com perspectiva de poder.
Não se pode dizer, então, que o debate que se trava em Portugal não seja proveitoso para a democracia. Quem sabe não se cumpre por aí o tom profético da música Fado Tropical, de Chico Buarque, não acaba se tornando um imenso Portugal.