O Ministério Público da Paraíba (MPPB) recomendou às autoridades policiais dos municípios de Pocinhos e Puxinanã a adoção de providências em relação à lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs, usados para crimes de menor potencial ofensivo) e de procedimentos investigativos que envolvam crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, bem como em relação à oitiva de mulheres vítimas de crimes relacionados à violência doméstica, mas que são de ação penal pública condicionada à representação. O objetivo é evitar e coibir a violência institucional e a revitimização.
As recomendações foram expedidas pela promotora de Justiça de Pocinhos, Fabiana Alves Mueller, e integram os procedimentos administrativos 026.2024.000216 e 026.2024.000217. Segundo ela, foi verificado que em alguns procedimentos investigatórios, a oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violência foi realizada diretamente pela autoridade policial, sem a presença de profissionais especializados.
Essa situação viola as formalidades trazidas pela Lei 13.431/2017 (que normatiza e organiza o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência e cria mecanismos para prevenir e coibir a violência contra esse público) e pela Lei 14.344/2022 (conhecida como Lei “Henry Borel”, que cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente).
A promotora de Justiça explicou que ambos os diplomas legais visam a instituir uma nova sistemática para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, de modo a evitar sua revitimização e que sejam vistas e/ou tratadas como meros instrumentos de produção de prova. “Na forma da lei, a escuta especializada e o depoimento especial, quando necessários, devem ser realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência. O decurso do tempo e a demora na realização da escuta especializada e do depoimento especial, assim como o atraso na solução dos casos envolvendo violência contra crianças e adolescentes lhes são especialmente danosos, porque podem contribuir para a permanência da situação de violência ou sua escalada, além de dificultar que possam superar, da forma mais rápida possível, os traumas decorrentes da violência sofrida”, explicou.
Controle da atividade policial
A promotora de Justiça destacou também que a recomendação é uma forma de o MPPB exercer sua função, em relação ao exercício do controle externo da atividade policial. “A recomendação não se reveste de crítica em nenhuma hipótese ao trabalho da Polícia Judiciária, pois estamos cientes das dificuldades estruturais vigentes. São sugestões para melhoria e otimização do trabalho, contextualizadas na luta que deve empenhar o poder público e a sociedade civil na diminuição da violência pela eficácia dos procedimentos instaurados e lavrados no âmbito policial para consecução dos fins da justiça criminal”, disse.
Os delegados de polícia dos dois municípios têm 10 dias para informarem ao MPPB o acatamento espontâneo ou não da recomendação.
Confira as medidas recomendadas pelo MPPB para o aperfeiçoamento do trabalho da Polícia Civil e cumprimento das leis voltadas à proteção da mulher, da criança e do adolescente vítimas de violência:
1. Nas lavraturas dos TCOs, os autoridades policiais deverão proceder:
a) a oitiva de testemunhas indicadas e, principalmente do suposto autor do fato;
b) o encaminhamento a exame pericial quando alegado o delito de lesão corporal, ainda que de natureza leve;
c) a tentativa de conciliação entre as partes quando tratar de crimes de ação penal privada, a exemplo dos crimes contra a honra (artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, CP), bem como crimes de ação pública condicionada à representação, dentre os quais, ameaça (artigo 147 do CP) e crime de lesão corporal leve (artigo 129, caput do CP), exceto quando se tratar de violência doméstica;
d) a orientação das partes, nos casos de crimes de ação penal privada, dos quais não resulta acordo, que constituam advogado ou defensor público para oferecer queixa-crime no prazo decadencial de seis meses, seguindo as formalidades do artigos 41 e 44 do Código de Processo Penal, o CPP;
2. No atendimento à mulher ofendida dos crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima, no âmbito da violência doméstica (Lei 11.340/06), deverão realizar:
a) a comunicação da ofendida da possibilidade de manifestar o desejo de se retratar da representação ofertada, até o recebimento da denúncia ofertada pelo Ministério Público, mediante pedido expresso da realização do ato judicial, atendendo à tese fixada pelo STJ no julgamento REsp 1977547-MG – Tema 1.167 (Info 766), em 08/03/2023;
b) a anotação em todos os futuros termos de depoimentos de pretensas ofendidas da comunicação da referida possibilidade de retratação, citada no item anterior, precedida da assinatura da declarante;
c) caso a vítima venha a informar o desejo de se retratar quando o inquérito policial já foi encaminhado ao Poder Judiciário, deverá ser verificado nos autos, por meio do sistema PJe, se houve recebimento da peça acusatória pelo Juízo de Pocinhos e, em caso negativo, deverá ser comunicado o desejo de retratação nos autos, com o respectivo novo termo de depoimento da ofendida;
3. Na lavratura de procedimentos investigativos com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, deverão:
a) se abster de realizar a oitiva de crianças e adolescentes, vítimas e testemunhas de violência, sem a observância dos ditames das Leis 13.431/2017 e 14.344/2022;
b) Em caso de oitiva por parte da autoridade policial, que se faça em local adequado, preservando-se a privacidade da vítima, e com o auxílio de profissionais especializados, de modo a colher-se todos os elementos necessários a permitir-se a persecução penal, sem a necessidade de novas oitivas, devendo-se garantir-se, inclusive, o direito ao silêncio.