A CGU divulgou relatório após vistoria solicitada pelo Ministério Público Federal, que abriu inquérito para investigar denúncias de problemas na unidade. Entre as irregularidades, atrasos no tratamento e nos medicamentos e erros em anotações de prontuários. A informação foi divulgada pelo blog Conversa Política assinado pelos jornalistas Angélica Nunes e Laerte Cerqueira.
Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União, no ano de 2021, no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, identificou falhas graves e irregularidades nos atendimentos que, segundo os técnicos, comprometem a prestação dos serviços bancados com dinheiro público, na unidade filantrópica.
As informações estão em um relatório de 137 páginas que o Conversa Política teve acesso com exclusividade.
O trabalho começou depois de pedido do Ministério Público Federal, que abriu inquérito para investigar denúncias de problemas na unidade.
Entre os irregularidades, segundo relatório, um aparente esquema de “fura-fila”. Isso porque pacientes iniciaram seus tratamentos oncológicos sem autorização da Central de Regulação da SMS/JP (Secretaria de Saúde de João Pessoa), realizando pagamentos diretamente ao Hospital, e constituindo indício de que o acesso igualitário e gratuito não é garantido pelo Hospital.
A Fundação Napoleão Laureano é a instituição contratualizada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa/PB para a prestação de serviços médico-hospitalares e ambulatoriais de alta e média complexidade em oncologia, no âmbito
do SUS, para todo o estado da Paraíba.
Nos últimos três anos, recebeu recursos públicos no montante de R$ 167 milhões.
Suspeita de “fura-fila” e eventual intervenção política
No caso da suspeita de fura-fila, uma análise de amostra de pagamentos realizados pelos municípios de Serraria; Catolé do Rocha; Malta; São José de Caiana; e, Princesa Isabel, constatou que eram de despesas referentes a serviços médico-hospitalares e ambulatoriais prestados pelo Hospital a pacientes SUS, cujo ingresso deveria acontecer por meio do Sistema de Regulação da SMS/JP. O que não aconteceu.
Foram feitos pagamentos independentemente da Programação Pactuada e Integrada, arcados diretamente por municípios de domicílio do paciente. O que gera irregularidade e suspeitas de beneficiamentos particulares.
Essa situação provoca desigualdade no acesso aos serviços referenciados pelo Hospital, pois contorna o processo de regulação sob responsabilidade da SMS/JP, na entrada do paciente SUS na rede referenciada, ou seja, configura um esquema de “fura-fila” de atendimento em desrespeito aos critérios de priorização do SUS”, destacou.
Para a CGU, sem passar pela Regulação, a prática favorece o ambiente de troca de favores, a exemplo da troca de votos para os políticos e autoridades municipais que possibilitaram o acesso ao serviço referenciado independentemente da regulação.
Por meio de nota, a direção do Hospital negou que haja “fura-fila”. “Todos os pacientes inseridos na relação de atendimento do Laureano através da Regulação de João Pessoa são atendidos regularmente. O atendimento de pacientes de outros municípios, mediante regulação direta do município de origem, não afeta em nada o atendimento daqueles”, diz a nota que você pode conferir na íntegra no fim da matéria.
Problemas nos registros de internação
A CGU identificou registrou indevidos de internação hospitalar no Sistema de Informações Hospitalares do SUS – SIH/SUS em dias subsequentes à data do óbito do paciente.
Na prática, em um total de 931 pacientes selecionados de acordo com os critérios ora mencionados, foram encontradas 55 situações em desconformidade, nas quais a data de óbito do paciente é anterior à data registrada para o término da internação do paciente no HNL.
De acordo com os auditores, em diversos prontuários médicos da amostra analisada, foi verificada ausência de preenchimento do campo AUTORIZAÇÃO, o qual é destinado à identificação do profissional autorizador vinculado à Secretaria Municipal de Saúde.
Atrasos no tratamento e medicação
Os auditores concluíram ainda que interrupções são constantes e reiteradas nos tratamentos realizados, além da ocorrência de erros de medicação.
Segundo a CGU, na maioria das situações verificadas, há aplicação irregular de quimioterapia com intervalos maiores que os prescritos em prontuário médico.
Apesar de os atrasos serem constantes na quase totalidade da amostra, em apenas alguns dos prontuários médicos da amostra, foi possível identificar anotações de profissionais fazendo referência a atraso/suspensão de tratamentos e falta de medicamentos no hospital, porém, na maioria dos casos, as informações contidas no prontuário foram insuficientes para esclarecer a razão de atrasos frequentes no cronograma das quimioterapias da amostra analisada.
No relatório, CGU registra muitos exemplos de atrasos na administração de medicamentos e no início do tratamento que, em alguns casos, é de dias e, em outros, de meses.
“No caso acima, verifica-se que em pelo menos quatro dos 17 ciclos de quimioterapia com Trastuzumabe, houve atraso na aplicação do medicamento (as células pretas indicam a data em que a paciente deveria ter feito a medicação, mas não o fez). O maior atraso foi de 42 dias. A paciente em questão compareceu pelo menos duas vezes ao Hospital, para consultas médicas registradas em evoluções, em datas em que havia ciclos em atraso, mas o(a) médico(a) assistente B.R.B. não fez anotações com justificativas para os atrasos nos ciclos, ao contrário, registra a liberação da paciente para o próximo ciclo de quimioterapia, induzindo em suas informações, que a paciente passou do 8º para o 9º ciclo de Trastuzumabe, sem que tenham registros dessas aplicações em prescrições médicas contidas no prontuário”, registrou o relatório.
Anotações no prontuário
Os riscos à saúde, de acordo com a auditoria, aumentam com constantes erros encontrados nos prontuários analisados. “São precárias (anotações), com potenciais e efetivas consequências na assistência à saúde desses pacientes, expondo-os a riscos que podem custar suas vidas já sobremodo fragilizadas pela própria doença” frisou o documento.
De acordo com a CGU: a) falta de clareza quanto ao estadiamento clínico dos pacientes e quanto às condições determinantes para a escolha da linha terapêutica; b) incompletude de informações em evoluções médicas; c) registros com erros de data e com informações incorretas, contraditórias ou descontinuadas; d) letras ilegíveis e; e) erros ortográficos;
Mortes no Hospital Napoleão Laureano
A CGU fez uma análise comparativa da quantidade de óbitos de pacientes em tratamento, em 2021, por meio de uma amostra de dez hospitais de referência no tratamento oncológico da Região Nordeste, incluindo o Hospital Napoleão Laureano (HNL). O resultado chamou atenção.
Do total de 2.559 pacientes que foram internados no HNL, em 2021, observou-se que 521 pacientes foram a óbito durante o período de internação, correspondendo a um percentual de 20,36%.
Destaca-se que o percentual de óbitos em internações do HNL corresponde ao maior valor dentre os hospitais da amostra e representa, aproximadamente, duas vezes o valor percentual médio de óbitos de 10,19% da amostra.
“Cabe ressaltar que, em reunião com a equipe de auditoria da CGU, representantes do HNL afirmaram que pacientes oncológicos terminais, em situação de cuidados paliativos, são frequentemente transferidos para o Hospital Padre Zé, em João Pessoa/PB. Com a transferência do paciente, a internação e o possível registro de óbito no sistema do SIH/SUS é realizado para o Hospital Padre Zé, e não mais para o Hospital Laureano. Dessa forma, há um indicativo de que o percentual de óbitos de pacientes internados no HNL seja ainda maior, caso não houvesse transferências de pacientes em estágio terminal do HNL para outro hospital”, destacou auditoria no relatório.
O que disse o Hospital Napoleão Laureano?
A direção do Hospital negou que haja “fura-fila”. Segundo nota enviada ao Conversa Política, todos os pacientes inseridos na relação de atendimento do Laureano através da Regulação de João Pessoa são atendidos regularmente.
“O atendimento de pacientes de outros municípios, mediante regulação direta do município de origem, não afeta em nada o atendimento daqueles”, diz a nota que você pode conferir na íntegra abaixo.
Na nota, também afirmou que a taxa de mortalidade mencionada pela CGU, esta está de acordo com a média para instituições da natureza do Laureano, assim como considerando as peculiaridades locais.
Sobre as falhas nos procedimentos, a direção da unidade destacou que eventuais erros e/ou falhas cometidas, quer na confecção de documentos, inserção de dados nos sistemas etc., são fatos, infelizmente, inerentes ao ser humano.
“Como todos os atos são realizados por seres humanos, não havendo qualquer indicação de má-fé ou intenção de lesar o erário, não pode ser questionada a importância que o Laureano representa para o Estado”, trouxe a nota.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Por ser o Hospital Napoleão Laureano o único Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – CACON, com serviço de pediatria, responsável pelo atendimento de mais de 70% dos casos de câncer de usuários SUS do Estado, ele é submetido a análises e auditorias periódicas de todos os órgãos públicos competentes, incluindo o Ministério da Saúde, DENASUS, Prefeitura de João Pessoa, Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União.
E estas fiscalizações são necessárias não apenas para garantir o regular funcionamento da entidade, mas, principalmente, para que os órgãos públicos tenham ciência das limitações do SUS e, assim, possam buscar a adoção das medidas necessárias para assegurar o atendimento à população carente.
Inclusive, nesta linha, o DENASUS e o Tribunal de Contas da União já emitiram Relatórios recentes reconhecendo a defasagem da Tabela do SUS (sem reajuste há mais de 13 anos), bem como a prática de glosas (serviços prestados, mas não pagos pelo SUS) envolvendo o Laureano e demais hospitais do Estado e, também, os atrasos nos repasses dos recursos financeiros destinados às entidades.
Nesse cenário, recentemente, a Controladoria Geral da União, após auditoria feita no Laureano, emitiu Relatório fazendo questionamentos acerca de algumas formas de atendimentos realizadas pelo Hospital.
Segundo a CGU, pacientes usuários do SUS oriundos de outros Municípios (fora de João Pessoa) não poderiam ser atendidos diretamente pelo Hospital Napoleão Laureano, sem intermédio da Regulação da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS/JP), ainda que haja contratação por parte do respectivo Município de origem. Diz a CGU que, como o Laureano mantém um Convênio com o Município de João Pessoa, que é o responsável pela regulação dos atendimentos realizados no Estado da Paraíba, não poderia o Laureano atender diretamente pacientes de outros Municípios sem o “aval” da SMS/JP.
Porém, de acordo com nossa Constituição Federal, a responsabilidade do financiamento do sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite, ou seja, das três esferas de governo: federal, estadual e municipal, por meio da vinculação de orçamento da seguridade social, cabendo aos municípios o dever de investir no mínimo 15% de suas receitas.
Além disso, infelizmente, alguns serviços não são cobertos no Convênio firmado entre a SMS/JP e o Hospital, sem falar no fato de que, em muitos casos, o quantitativo de vagas destinadas a pacientes do interior é bastante limitado, restringindo, assim, o atendimento de parte destes pacientes via Regulação de João Pessoa.
A Programação Pactuada e Integrada (PPI) possui um limite anual e muitos pacientes não conseguem regulação exatamente por esse número limitante que não expõe a realidade de cada município.
Como a PPI é insuficiente para tratamento dos pacientes oncológicos no Estado da Paraíba, resta aos Municípios, por obrigação legal e constitucional, adotar as medidas necessárias para garantir o direito a saúde a seus munícipes, contratando, assim, determinados serviços diretamente com o estabelecimento de saúde (não apenas é o caso do Laureano).
E, em muitos casos, caso não tivessem sido executados os serviços contratados, alguns destes pacientes poderiam sucumbir na fila e não ser tratados no momento oportuno.
Além disso, o HNL apresenta plena capacidade de executar, sem prejuízos para outros pacientes. Logo, a prestação dos serviços questionados não afetou, em nada, o atendimento regular aos usuários do SUS em consonância com o Convênio firmado com o Município de João Pessoa.
Além disso, não há nenhuma espécie de “fura fila”. Todos os pacientes inseridos na relação de atendimento do Laureano através da Regulação de João Pessoa são atendidos regularmente. O atendimento de pacientes de outros municípios, mediante regulação direta do município de origem, não afeta em nada o atendimento daqueles.
Mesmo assim, deve o Laureano negar o atendimento de usuários do SUS originados de outros Municípios? Se o Laureano deixar de atender tais pacientes, eles serão atendidos por quem? A deficiência financeira do SUS deve negar o direito destes pacientes receberem o atendimento devido mesmo dispondo o respectivo Município de origem da fonte de recurso destinada para este fim?
Quanto ao questionamento feito pela CGU consiste no fato de que alguns pacientes terem sido inicialmente atendidos de forma particular e, posteriormente, passados a serem atendidos através do SUS, tal conduta também não representa irregularidade, até porque o Laureano é uma entidade privada que atua condição de participante complementar SUS, podendo, assim, ofertar parte de sua capacidade a particulares e convênios privados de saúde.
Logo, o atendimento de pacientes particulares (ou seja, que custearam diretamente os serviços ofertados pelo HNL) é prática totalmente legal.
Inclusive, como não distribui lucros, a totalidade dos recursos recebidos por procedimentos pagos por particulares é aplicada no hospital para minimizar o gigantesco déficit da tabela SUS e, assim, poder garantir a continuidade do fornecimento de serviços aos usuários do referido sistema.
E, mesmo tendo realizado algum procedimento particular, caso o paciente queira passar, em seguida, a ser atendido pelo Sistema Único de Saúde, como este é UNIVERSAL, não pode o HNL negar tal direito, devendo, como faz, encaminhar, assim, o paciente para a respectiva regulação pela Secretaria Municipal de Saúde.
E isso, porém, repita-se, não afeta, de forma alguma, a fila da regulação, posto que todos os procedimentos realizados via SUS são submetidos e seguem os fluxos previstos na Central de Regulação.
É importante destacar aqui, também, que, em todos os casos apontados, como reconhecido pela própria CGU, não houve qualquer cobrança em duplicidade. Ou seja, ou o serviço foi custeado de forma particular ou o serviço foi custeado pelo SUS, de modo que não há que se falar em qualquer prejuízo e/ou dano à Administração Pública.
Quanto à taxa de mortalidade mencionada pela CGU, esta está de acordo com a média para instituições da natureza do Laureano, assim como considerando as peculiaridades locais.
Importante destacar, ainda, que eventuais erros e/ou falhas cometidas pelo Hospital Napoleão Laureano, quer na confecção de documentos, inserção de dados nos sistemas etc., são fatos, infelizmente, inerentes ao ser humano. Como todos os atos são realizados por seres humanos, não havendo qualquer indicação de má-fé ou intenção de lesar o erário, não pode ser questionada a importância que o Laureano representa para o Estado.
E, havendo qualquer equívoco, o Hospital, como sempre, busca implementar melhorias para que estes erros não se repitam, além de se manter sempre disposto a reparar qualquer eventual situação havida.
Independentemente disto, o que se deve buscar neste momento é auxílio das autoridades e da população civil em favor do Hospital Napoleão Laureano, das demais instituições de saúde do Estado e, principalmente, da população carente que necessita daquelas entidades para terem seus atendimentos garantidos. Se todos não tiverem juntos em prol do mesmo fim, este cenário não irá melhorar. Pelo contrário, a probabilidade é piorar.