Especialistas que participaram de audiência pública nesta segunda-feira (9), na Comissão de Direitos Humanos (CDH), pediram a revogação da emenda constitucional que limita os gastos públicos em saúde, segurança e educação (EC 95, de 2016). A audiência teve o objetivo de debater os efeitos do corte de verba na segurança, com foco na saúde pública.
A representante do Departamento de Estudos de Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Patrícia Constantino, disse que a falta de investimentos em segurança impacta a saúde, informa publicação da Agência Senado.
— A violência é a terceira causa de mortalidade geral no país e a primeira causa na faixa etária de 5 a 49 anos, com vítimas preferenciais entre jovens e negros — afirmou.
Integrante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o professor Heleno Correa Filho lembrou que, em defesa dos recursos da saúde, milhares de pessoas assinaram um documento pela revogação da Emenda 95.
— Tudo aquilo que é produzido como iniquidade, como injustiça fora da saúde, cai dentro da saúde, porque é lá que a pessoa morre, é lá que a pessoa sofre seus últimos momentos de dor. Essa emenda tem que ser revogada, ela é uma forma de violência. E o Conselho Nacional de Saúde denuncia o processo de rapina do Sistema Único de Saúde.
Com falta de segurança e sem investimentos na saúde, o problema se agrava, observou o pesquisador da Fiocruz e diretor do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública, Carlos Fidelis da Ponte. Ele criticou a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro e defendeu medidas eficazes e articuladas que garantam o bem-estar da população.
— Nós da Fiocruz defendemos uma intervenção. Mas uma intervenção cidadã, distante em tudo do uso indiscriminado da força. Aquelas pessoas são cidadãs e devem ser incorporadas nos marcos da cidadania, e não colocadas em guetos, num apartheid social.
Com base em dados de 2016, o vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, disse que 44% do Orçamento da União já é destinado ao pagamento de juros ao mercado financeiro. No mesmo período, garantiu Frigo, a educação teve 3,7%; a saúde, 3,9%; e a segurança pública, 0,33%.
Ao apoiar a revogação da emenda, o vice-presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), defendeu maior inclusão social como medida contra a violência.
— Acho que o Brasil quer a possibilidade de rever a Emenda 95 e, ao mesmo tempo, reforçar as políticas de inclusão, de recuperação, e não somente a política do prendo, mato e arrebento, que não leva a lugar nenhum — disse o senador, que conduziu a audiência pública.
Lula
A prisão do ex-presidente Lula também foi discutida na audiência de ontem na CDH. Para Edson Diniz, da ONG Redes da Maré, que atua na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, a democracia brasileira passa por seu maior teste desde a consolidação do processo de redemocratização, em 1985. Ele vê a prisão de Lula, o assassinato da vereadora Marielle Franco e a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro como fatos politicamente interligados, que visam enfraquecer as forças progressistas no processo eleitoral.
Diniz avalia que este processo nasceu a partir da eleição de Dilma Rousseff em 2014, fato que, afirmou ele, não foi aceito por setores da elite e que desaguou no impeachment da ex-presidente em 2016.
— Tudo o que temos passado nos últimos dois anos é fruto de uma opção política destes setores da sociedade, que são muito poderosos. É um projeto de rearranjo das funções do Estado brasileiro, que abandona a lógica de inclusão estabelecida pela Constituição de 1988, e passa a focar inteiramente em atender o mercado financeiro. O estabelecimento de um teto para investimentos públicos e na área social, conjugado a cortes profundos em todos os programas sociais, é a materialização deste projeto — disse.
Para Heleno Correa Filho, do CNS, a opressão estatal contra os setores menos privilegiados da sociedade brasileira é “algo tradicional”, mas vem se aprofundando desde 2016 e teve como seu alvo mais recente o ex-presidente Lula.
— A violência estatal cumpre agora uma função política, que não respeita mais as normas legais, violência que, portanto, torna-se ilimitada ao agir sob a lógica da exceção — criticou o médico.
Valéria Buriti, da Plataforma Dhesca de Direitos Humanos, também avaliou a prisão de Lula como o aprofundamento de um “processo golpista” para reconcentrar ao máximo o acesso à renda e ao poder na sociedade brasileira. Ela entende que essa realidade possui um teor “altamente racista”, pois afeta gravemente o acesso de pessoas negras e pobres às políticas públicas. Segundo ela, o Poder Judiciário está cumprindo um “papel-chave” nesse cenário.
— O Judiciário vem cumprindo a função de criminalizar grupos que resistem a este processo de elitização — acusou.
Representante do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc), Paulo Garrido também criticou o Judiciário:
— Busca-se calar quem é contra o assalto ao patrimônio público, à destruição do serviço público e à retirada de direitos. Juristas internacionais indicam que o processo contra Lula possui falhas graves, entre elas a não apresentação de provas.