Os representantes de vários ministérios do governo federal estão visitando, de 23 a 31 de outubro, comunidades da agricultura familiar com potencial eólico e solar na Paraíba e em Pernambuco, estados que, junto com o Rio Grande do Norte, têm recebido muitos empreendimentos de energias renováveis nos últimos anos.
De 24 (terça) a 25 (quinta), a caravana esteve no território da Borborema, na Paraíba, onde há um importante polo de agricultura familiar e agroecologia. O trabalho de campo é uma das atividades da Mesa de Diálogos “Energia Renovável: Direitos e Impactos”, coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República, com o objetivo de tratar com as comunidades rurais sobre os impactos da instalação de “fazendas solares” e de turbinas eólicas (aerogeradores), bem como conhecer as alternativas propostas pelos agricultores.
A programação também inclui reuniões com os governos da Paraíba e de Pernambuco, e ainda com instituições federais de ensino técnico e superior. Nesta sexta-feira (27), os representantes do governo federal visitarão a região de Santa Luzia (PB), município paraibano onde vêm sendo instalados grandes complexos de geração de energia renovável.
No sábado (28), a caravana segue para o município de Garanhuns (PE), a 230 quilômetros de Recife, na comunidade Caetés. Também haverá encontros com pessoas do governo estadual, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e de movimentos sociais rurais.
Segundo um dos coordenadores das mesas de diálogo da Secretaria-Geral da Presidência da República, Fábio Tomaz Ferreira da Silva, todas as informações coletadas nas visitas de campo serão repassadas a outros ministérios para que sejam discutidas soluções e alternativas para as demandas apresentadas pelas comunidades afetadas, de modo a resguardar seus direitos.
Para o superintendente regional do Incra na Paraíba, Antônio Barbosa Filho, as empresas de produção de energia eólica e solar estão se instalando de forma descontrolada em outros estados nordestinos, como no Rio Grande do Norte, e é necessário ao governo federal acumular informações sobre a atuação e sobre os impactos da implantação desses empreendimentos nas comunidades da agricultura familiar. “Precisamos cobrar sustentabilidade dessas empresas”, afirmou.
Uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Paraíba, Dilei Schiochet, disse que os agricultores necessitam de independência e autonomia energética para impulsionar a produção familiar e seu processo de industrialização. “Precisamos construir um sistema energético soberano para firmar nossos principais objetivos – produzir mais alimentos e combater a fome”, afirmou.
O superintendente regional e servidores do Incra/PB, além do coordenador-geral do Escritório Estadual do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) na Paraíba, Cícero Legal, acompanharam as visitas ao Campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) em Esperança (PB), na manhã de 25 de outubro (quarta), e ao Banco Mãe de Sementes, no município de Lagoa Seca (PB), na tarde do mesmo dia
Participaram representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e de Minas e Energia (MME).
A agenda da caravana na Paraíba tem sido acompanhada ainda por lideranças de movimentos sociais do campo, a exemplo do MST, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Cooperativa Borborema (CoopBorborema) e da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag/PB).
Também faz parte a associação AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia e do Polo da Borborema, formada por uma rede de 15 sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais (STRS), aproximadamente 150 associações comunitárias e uma organização regional de agricultores ecológicos, reunindo mais de 5 mil famílias agricultoras dos 15 municípios do Território da Borborema.
A pauta do impacto das energias renováveis no modo de vida e na saúde das comunidades rurais foi apresentada ao governo federal pela Marcha das Margaridas, ocorrida em 15 e 16 de agosto de 2023, em Brasília (DF).
A Mesa de Diálogo: “Energia Renovável: Direitos e Impactos” foi instituída em 8 de setembro de 2023, pela Portaria SG/PR n° 165, com o objetivo de construir um espaço de debate com a sociedade civil sobre os benefícios e impactos, nos territórios onde estão instalados, bem como naqueles em processo de instalação, dos empreendimentos ligados à cadeia de produção energética renovável.
Curso superior em sistemas de energias renováveis
A programação de 25 de outubro (quarta-feira) começou com uma visita ao IFPB em Esperança (PB), a cerca de 150 quilômetros de João Pessoa. A caravana percorreu as dependências do campus e assistiu, com a presença da reitora do instituto, Mary Roberta Meira Marinho, a uma apresentação sobre o curso de Tecnologia em Sistemas de Energia Renovável.
A graduação será ofertada no local junto com o curso de Especialização em Agroecologia e Educação do Campo, em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Este foi um dos dois novos projetos aprovados para a Paraíba pela Comissão Pedagógica Nacional (CPN) do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), executado pelo Incra, em 16 de outubro.
De acordo com o professor da UFPB, José Jonas Duarte da Costa, membro da CPN, as atividades da primeira turma do curso serão iniciadas em 2024 com 50 alunos de estados do Nordeste e do Norte.
A reitora Mary Roberta ressaltou a importância da criação da graduação no momento em que a Paraíba vem recebendo cada vez mais investimentos em parques eólicos e fotovoltaicos. “Estamos empenhados em garantir o sucesso do curso”, ressaltou.
Diálogo com agricultores familiares
Já durante a tarde, os representantes do governo federal se reuniram com dezenas de lideranças rurais e de agricultores familiares no pátio do Banco Mãe de Sementes, no Sítio Quicé, entre os municípios paraibanos de Lagoa Seca e São Sebastião de Lagoa de Roça, para ouvir as demandas das comunidades com relação à implantação de sistemas de produção de energias renováveis. Os agricultores contaram suas trajetórias de resistência e de luta pela terra e por melhores condições de vida.
Segundo uma das coordenadoras do Polo da Borborema, a agricultora Roselita Vitor, as famílias defendem um modelo de produção energético descentralizado. “Não somos contra a energia renovável, mas contra esse tipo. Queremos permanecer no campo, mas com dignidade. No nosso modo de vida não cabe essa centralidade na produção de energia”, afirmou.
“Através das práticas alternativas de convivência com o semiárido, hoje a juventude pode decidir se fica ou não trabalhando no campo. Mas entendemos que esse modelo de desenvolvimento proposto pelos empreendimentos de energia eólica e solar pode contribuir com a saída dos jovens do campo, e não o queremos no nosso território”, disse a agricultora Adailma Ezequiel, do Sítio Lutador, no município de Queimadas (PB).
Entre os impactos da instalação de “fazendas solares” e de aerogeradores nas comunidades rurais, os agricultores destacaram a destruição do bioma Caatinga; a morte de pássaros, morcegos e abelhas; e problemas na saúde dos trabalhadores rurais provocados pelo ruído e vibração contínuos produzidos pelos motores.
De acordo com a representante da Fiocruz, Wanessa Gomes, os impactos na saúde dos agricultores de comunidades onde aerogeradores foram instalados já estão sendo estudados pelos cientistas da fundação há seis meses. Ela afirma haver indícios de que as turbinas eólicas ocasionam adoecimento mental, irritabilidade, ansiedade, insônia e até mesmo problemas respiratórios e cardíacos.
Conforme denúncia dos agricultores, as empresas de energia escolhem as áreas para a implantação de novos parques eólicos e solares sem ouvir as comunidades ou sem contratos justos, podendo provocar mudanças radicais em seus modos de vida.
O representante do MMA, Alexandre Pires, da área de combate à desertificação, adiantou aos agricultores sobre a existência de alternativas mais sustentáveis para a produção de energias renováveis. Ele revelou estar havendo o desmatamento desenfreado de áreas da Caatinga que já sofrem com processos de desertificação para a implantação de parques eólicos ou solares. “Só em 2022, foram desmatados cerca de 4 mil hectares de Caatinga”, contou.
Banco Mãe de Sementes
O Banco Mãe é destinado ao armazenamento e distribuição de “sementes da paixão”, como são chamadas as sementes locais cultivadas por gerações de agricultores, e foi inaugurado em 2017 com investimento de R$ 1,5 milhão em uma parceria entre os governos estadual e federal.
Administrado pela CoopBorborema, é um espaço de referência para as famílias agricultoras da região utilizado para a realização de reuniões e formações, voltadas principalmente para mulheres e jovens. Lá também é feito o beneficiamento e a estocagem do “milho da paixão”, de frutas e da mandioca, entre outros alimentos.
Por meio do Banco Mãe, os agricultores ligados à cooperativa conseguem melhores condições de comercialização e podem vender a produção, por exemplo, aos governos municipais e estadual por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).