A partir de articulação do Ministério Público Federal (MPF), a política nacional voltada para a educação escolar quilombola foi apresentada a lideranças quilombolas e a representantes de pastas da Educação estadual e municipais na Paraíba. O objetivo da política é garantir o acesso e a qualidade de ensino para estudantes quilombolas em todo o país, por meio de medidas que vão desde a construção e reforma de escolas em territórios quilombolas até a inclusão da questão quilombola no Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação. A apresentação ocorreu no último mês de setembro, em reunião na sede do MPF em João Pessoa, e foi feita pelo integrante da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) e coordenador-geral de Educação Escolar Quilombola (EEQ) do Ministério da Educação (MEC), Eduardo Fernandes de Araújo.
Entre os participantes que conheceram em primeira mão o desenho da política educacional para a educação escolar quilombola, que será o condutor da implementação da educação escolar quilombola no cenário nacional, estavam os membros do MPF, Djalma Gusmão e José Godoy, além de representantes da Secretaria de Estado da Educação (SEE/PB), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), da Coordenação Estadual das Comunidades Negras da Paraíba (Cecneq-PB), da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade-PB) e de Secretarias de Educação dos municípios de João Pessoa, Catolé do Rocha, Alagoa Grande e Matinhas.
Conforme explicou Eduardo Araújo, a política nacional para a educação escolar quilombola é baseada em diretrizes curriculares nacionais que buscam valorizar a cultura e a história dos povos quilombolas, além de promover a inclusão social e a igualdade de oportunidades. No entanto, o coordenador-geral de EEQ observou que a implementação dessa política enfrenta desafios, como a precariedade da infraestrutura das escolas quilombolas e a falta de formação dos professores para lidar com a educação escolar quilombola. Ele antecipou que o governo brasileiro está trabalhando para reverter esse cenário, com a criação de cursos de formação para professores e a elaboração de projetos políticos pedagógicos voltados para a educação escolar quilombola.
Falta de professores – Um dos principais desafios enfrentados pela política educacional para a educação escolar quilombola no país, segundo Araújo, é o déficit de professores preparados para lidar com o tema nas escolas quilombolas. Apenas 3% dos 21 mil professores e dos gestores que atuam nessas escolas têm formação específica para trabalhar com a educação escolar quilombola nas escolas quilombolas, informou. Conforme o coordenador-geral, a expectativa é que, a médio e longo prazo, a formação de professores capacitados contribua para a melhoria da qualidade de ensino e para a valorização da cultura e da história desses povos.
Eduardo Araújo disse que, na Paraíba, a implementação da educação escolar quilombola enfrenta desafios relacionados à normatização e regulamentação por parte das secretarias estadual e municipais. Ele explicou que, embora o governo do estado tenha criado um grupo de trabalho para tratar da pauta da educação escolar quilombola, ainda é preciso avançar para garantir uma diretriz curricular escolar quilombola no estado, regulamentada via portaria, e a consolidação de, pelo menos, uma comissão estadual de educação escolar quilombola.
O grupo de trabalho mencionado pelo coordenador-geral de EEQ do MEC teve a criação sugerida em março deste ano, em reunião conduzida pelo procurador da República José Godoy, com participação do secretário estadual de Educação, Roberto Souza, e representantes de quilombos paraibanos e organizações afrodescendentes. O objetivo do grupo de trabalho é discutir o processo de construção da educação a ser oferecida nas escolas quilombolas da Paraíba.
“Nós temos comunidades quilombolas em 32 cidades da Paraíba, mas não temos escolas quilombolas em 40% dessas comunidades e as escolas que existem não são escolas formalmente com plano pedagógico e diretrizes pedagógicas de escolas quilombolas”, afirma o procurador José Godoy sobre o déficit educacional quilombola no estado. “Então, temos muito que avançar nessa perspectiva e a reflexão que se traz da Secadi e da Coordenação Escolar Quilombola é que a Paraíba precisa também dar esse passo para avançar na discussão dessa educação tão necessária para o reconhecimento e valorização dos povos quilombolas”, argumentou Godoy.
Bolsas de estudo – Garantir a permanência dos estudantes quilombolas na escola é um dos principais desafios enfrentados pela política educacional para a Educação Escolar Quilombola, informou Araújo. Ele relatou que muitos estudantes quilombolas têm dificuldade de acesso ao ensino médio e, quando conseguem chegar a essa etapa, enfrentam dificuldades para se manter e prosseguir nos estudos. A falta de material didático específico, a precariedade da infraestrutura das escolas quilombolas e a necessidade de deslocamento dos estudantes para outras comunidades para continuar os estudos também são fatores que contribuem para a evasão escolar, de acordo com o representante do MEC.
Para enfrentar esses desafios, a política educacional prevê medidas como a ampliação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e a criação de programas de apoio à permanência dos estudantes quilombolas na escola, como bolsas de estudo e transporte escolar, informou o coordenador-geral. A expectativa é que essas medidas contribuam para a redução da evasão escolar e para a promoção da igualdade racial no sistema educacional brasileiro.
Como exemplo dessas medidas, Eduardo Araújo citou o programa Bolsa Permanência, iniciativa do Ministério da Educação (MEC) que garante bolsa de estudos para estudantes quilombolas e indígenas que estejam cursando o ensino superior. A bolsa tem o valor de R$ 1,4 mil e tem como objetivo fazer com que o estudante permaneça, termine seus cursos e tenha um grau de aprendizagem efetivo. O programa, que estava sem aumento há seis anos, foi ampliado. Para este ano, subiu de 7 mil para 10 mil bolsas na graduação. No próximo ano, a previsão da Secretaria de Ensino Superior é que se alcancem 19 mil bolsas, informou o coordenador.
Diretrizes curriculares – Conforme o coordenador-geral de Educação Escolar Quilombola, o objetivo da política nacional é assegurar o direito à educação de qualidade a todas as crianças, jovens e adultos quilombolas. “Então, a gente utiliza como perspectiva as diretrizes curriculares nacionais de educação escolar quilombola, que foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, desde 2012, na Resolução 8”, explicou.
Entre as diretrizes, estão a valorização da cultura e da história dos povos quilombolas, a promoção da igualdade racial e a formação de professores capacitados para atuar nesse contexto. Além disso, a política educacional prevê a participação social como uma das principais diretrizes, com a criação, em maio de 2023, da Comissão Nacional da Educação Escolar Quilombola.
Diagnóstico na Paraíba – Na oportunidade, a Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba trouxe relatório sobre a situação das escolas em 27 dos municípios paraibanos que têm comunidades quilombolas. Sob coordenação do pedagogo Marcos Augusto, integrante do Cecneq, o diagnóstico foi produzido a partir de coletas de dados com aplicação de questionário, visitas in loco e análise documental dos projetos políticos pedagógicos das escolas pesquisadas.
Conforme o relatório, os principais problemas encontrados nas escolas pesquisadas foram: fechamento de escolas nas áreas rurais, principalmente na região do Cariri; falta de projeto político pedagógico; sala de aula multisseriada, com cinco turmas em apenas uma única sala; estruturas precárias e escolas funcionando em local improvisado.
O levantamento, realizado em janeiro deste ano, ainda apontou a necessidade de formação continuada de professores sobre a história e cultura afro-brasileira; letramento racial e enfrentamento do racismo estrutural e institucional no ambiente das escolas que atendem alunos quilombolas; formulação de política estadual de educação quilombola; contratação de professores quilombolas; construção de novas escolas; ampliação de vagas, entre outras necessidades detectadas.
Secretaria recriada – Após quatro anos de descontinuidade (2019-2022), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) foi reintegrada à estrutura do Ministério da Educação em 2023. Conforme o MEC, a recriação da Secadi faz parte dos esforços do governo atual no sentido de combater a discriminação racial na educação. Esta secretaria desempenha papel fundamental nas estratégias do Ministério da Educação para garantir que todos os segmentos da sociedade, especialmente aqueles historicamente excluídos no âmbito educacional, tenham seus direitos assegurados.