Empresas têm recorrido à Justiça para afirmar que não reconhecem suas assinaturas em ações judiciais movidas por associações que conseguem ocultar os nomes de inadimplentes nas consultas de protestos por dívidas em todo o país, por meio de decisões liminares (provisórias) sigilosas. A suspeita de falsidade ideológica foi denunciada ao Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De acordo com informações desta matéria publicada no Metrópoles, nesta segunda-feira (04/09), integrantes da indústria limpa-nome usam associações de fachada para mover processos em segredo de Justiça em tribunais de Pernambuco, Paraíba e Piauí e conseguir liminares que obrigam a retirada dos nomes de seus clientes dos sistemas de busca mais conhecidos, como Serasa, SPC Brasil e o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB).
A proliferação de ações na Justiça teve êxito e já conseguiu decisões favoráveis para ocultar mais de 700 mil protestos de empresas e pessoas físicas, com dívidas totais de R$ 20,4 bilhões, provocando um verdadeiro apagão nos dados usados pelos serviços de proteção ao crédito.
Nessas ações, as entidades têm apresentado listas com centenas de inscrições de empresas e pessoas físicas como se fossem seus associados. Parte delas nem sequer traz assinaturas. As procurações também têm uma peculiaridade: são genéricas e não deixam explícito que aquelas pessoas estão autorizando a propositura de uma ação judicial para retirar os seus nomes das bases de devedores.
O Metrópoles teve acesso a uma ficha de treinamento de uma empresa limpa-nome para “capacitar” agentes do ramo a captar os clientes e ajuizar as ações na Justiça. Em uma parte da apostila, há um modelo de ficha de inscrição genérico para ser apresentado ao Poder Judiciário. O documento é tratado como uma minuta de contrato.
A Associação Brasileira de Direito do Consumidor (Abrae), que fica em Barueri, na Grande São Paulo, e tem um escritório em Recife, tem movido ações na Justiça de Pernambuco. Como mostrou o Metrópoles, a entidade tem como vice-presidente o dono de uma empresa chamada CredCem. No site da associação, consta que ela funciona no mesmo endereço dessa firma que vende o serviço de limpar o nome.
No caso da Abrae, uma das pessoas na lista de associados foi à Justiça afirmar que não tinha nada a ver com a entidade. Ele afirmou que foi notificado da decisão que lhe beneficiara e que acabou tomando conhecimento de que fazia parte de sua “grande gama de filiados”. Ele afirmou ao juiz que, antes da descoberta, nem “sequer cogitava a existência” da Abrae.
Procurado pelo Metrópoles, o vice-presidente da Abrae e sócio da CredCem, Geová Nunes, disse que não pode dar “muitos detalhes” sobre a ação da entidade porque “ocorreu há algum tempo”. “Não possuo conhecimento exato nem estudei o caso a fundo para fornecer informações precisas. Acredito que tudo que foi realizado na época foi discutido com as autoridades de créditos pertinentes”, disse.
Em uma ação do Grupo Amigos do Consumidor (GAC), uma entidade que move essas ações na Paraíba, uma empresa cujo nome aparecia como associada também foi à Justiça afirmar que não reconhecia sua própria assinatura na ficha de associação e que não tinha nada a ver com a entidade. O juiz do caso tirou o nome da empresa e mandou notificar a Corregedoria do TJ da Paraíba.
“A narrativa trazida pelas empresas é bastante inusitada e realça, em tese, ocorrência de demanda predatória e uso indevido do Poder Judiciário”, afirmou o juiz. Neste caso, o magistrado de primeira instância não havia concedido a liminar, que foi dada por um desembargador do TJ da Paraíba. A decisão dele não aparece nos mecanismos de pesquisa do TJ da Paraíba, nem é citada em detalhes no processo de primeira instância.
O GAC tem 11 ações ativas sobre este tema, que tramitam na capital da Paraíba, João Pessoa, e em comarcas pequenas como Caaporã e Alhandra. Procurado pelo Metrópoles, o GAC não se manifestou.
No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há um grupo voltado à discussão sobre litigância predatória que tem recebido denúncias sobre esses processos. Dele, fazem parte representantes do Serasa, dos birôs de crédito e do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB), que são atingidos pelas decisões.
O instituto é responsável por manter no ar o cadastro público previsto em lei com os dados de nomes sujos. O Metrópoles apurou que denúncias também foram feitas aos Ministérios Públicos da Paraíba, Piauí, Distrito Federal, Pernambuco e Bahia. No caso da Paraíba, já houve instauração de um inquérito policial.