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Os três anos do novo Marco Legal do Saneamento

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* Por Édis Milaré

Julho de 2023 marca três anos do ingresso da Lei n.º 14.026/2020 no ordenamento jurídico brasileiro. Muito, aliás, se pode considerar sobre os termos do chamado novo Marco Legal do Saneamento que, como qualquer norma, traz aspectos positivos e negativos. Assim, é sempre desafiador escrever e refletir sobre um tema que está relacionado ao meio ambiente e à própria saúde das pessoas. Existe uma tendência – que se afigura natural – a promover críticas e oposição a novas ideias, sobretudo diante de um contexto social e legislativo consolidado. Mudanças geram receios. Mudanças produzem incertezas. Mudanças trazem consigo o “imponderável da equação da vida”. Aqui, é conveniente citar o grande poeta lusitano Fernando Pessoa: “Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Como os antigos navegadores romanos, a sociedade enfrenta inúmeros riscos e dilemas durante seu processo de expansão e evolução. Melhorias e até piorias integram o aprendizado humano e constroem, ao fim, um resultado benéfico e melhor para todo o corpo.

É evidente que, apesar dos inúmeros tropeços ao longo da jornada da história, o mundo e o Brasil florescem: vive-se mais; vive-se melhor. É com esse espírito que se farão rápidas reflexões sobre a Lei n.º 14.026/2020.

É cediço que o Brasil, até 2007, não tinha uma regulamentação adequada e robusta para o setor de saneamento. A Lei n.º 11.445/2007, portanto, inovou ao sistematizar, no contexto brasileiro, um assunto tão fundamental. Durante a vigência do seu texto-base, houve a adaptação da infraestrutura a aspectos mais contemporâneos da prestação dos serviços. As relações contratuais foram modernizadas e incentivou-se o fortalecimento do sistema de regulação. Intensificou-se o envolvimento das partes interessadas e profissionalizou-se a gestão das entidades responsáveis pelo fornecimento das atividades. Por sinal, o maior destaque da Lei n.º 11.445/2007 talvez se refira à concepção de uma estrutura que segmentou as atribuições de fixação de metas, de fiscalização e de execução das tarefas.

Mais de dez anos se passaram e o texto original da Lei n.º 11.445/2007 envelheceu – como era previsível e esperado.

O principal incômodo trazido após a primeira fase de experimentação da Lei n.º 11.445/2007 foi, sem dúvida, a impossibilidade de produção de recursos suficientes para o atendimento completo à demanda por universalização dos serviços. Apesar de evidentes progressos, a desigualdade, sobretudo regional, permanece. O Brasil mantém ilhas de excelência rodeadas por um entorno de caos e pobreza. O chamado novo Marco Legal do Saneamento foi, em outras palavras, motivado por uma necessidade predominantemente econômica, já que o legislador percebeu os percalços diante desse aspecto – havia e há a necessidade de aporte contínuo de capital para o setor.

Não obstante, é bem sabida a gravidade do problema do saneamento básico no País. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2018, quase 35 milhões de pessoas não têm acesso ao abastecimento de água; mais de 100 milhões não dispõem de cobertura de coleta de esgoto; e quase 51 milhões não são alcançadas por serviços de coleta de resíduos sólidos.

Pode-se afirmar, de maneira resumida, que a Lei n.º 14.026/2020 trouxe um viés essencialmente econômico-financeiro para o corpo legislativo e para a realidade do setor. O intento foi, claramente, gerar recursos e promover o equilíbrio contratual como meio de suporte ao atendimento das metas de universalização. Foram introduzidos novos institutos, como a comprovação da capacidade econômico-financeira e a estruturação dos denominados blocos de referência. Houve, também, movimento no sentido de promover a elevação da influência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) com o propósito de estabelecer uma espécie de padrão nacional tanto de sustentabilidade do negócio quanto de universalização. O foco legislativo, em 2020, foi, indubitavelmente, a constituição de recursos para a área.

Após três anos de teste da Lei n.º 14.026/2020, alguns aspectos justificam atenção e merecem ser considerados.

O primeiro se refere à efetiva modificação do processo de gestão do setor de saneamento. Sem dúvida, apesar das inúmeras polêmicas, a inserção de um modelo de demonstração e manutenção de equilíbrio econômico-financeiro, por intermédio do mecanismo de prévia qualificação do Decreto n.º 10.710/2021, levou o mercado a incorporar de modo mais permanente aspectos de sustentabilidade do negócio. Apesar de o ato administrativo regulamentar não estar mais em vigor – havendo alguma incerteza, no momento, sobre o caminho adiante –, restou para os atores a internalização dos correspondentes instrumentos de planejamento e ponderação de riscos. A obrigatoriedade da comprovação, naquele momento, concorreu para que todos os prestadores – mesmo os não qualificados ou qualificáveis – se aproximassem de um standard de viabilidade financeira. Hoje, aqueles que desenvolvem encargos estão cientes dos cálculos de crescimento e perenidade empresarial e dispõem de instrumentos mínimos para esse fim.

Outro ângulo – por sinal, pouco notado – foi que o novo Marco Legal do Saneamento não só estabeleceu metas nacionais de universalização, mas delimitou, de fato, o referido conceito (art. 11-B).

Foi sábio o Poder Legislativo ao considerar que a universalização não se reveste de caráter absoluto, de modo a indicar que a totalidade dos prédios deva estar conectada a serviços públicos como os de água e esgoto, por exemplo.

De modo salutar, a legislação estabeleceu duas balizas porcentuais bastante objetivas, ou seja, até 2033, deve haver a cobertura de 99% com relação aos serviços de abastecimento de água; e, até 2033, deve haver a cobertura de 90% com relação aos serviços de coleta e tratamento de esgoto. Como consequência, há alguma tolerância para o não atendimento pelo sistema público integrado (de 1% para água e 10% para esgoto).

O legislador fez, assim, ponderações – e opções –, uma vez que existirão circunstâncias nas quais a interligação às redes coletivas será técnica e/ou economicamente inviável. Seria excessiva exigência, além da submissão do interesse público ao particular, promover a implantação de caríssima infraestrutura para atendimento de um ou alguns imóveis numa região remota – lembrando sempre a maior complexidade de implantação e operação dos sistemas de esgotamento.

Em paralelo, o legislador permitiu a adoção de expedientes isolados, sendo que na ausência de redes públicas de saneamento básico serão admitidas soluções individuais de abastecimento de água e de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, observadas as normas editadas pela entidade reguladora e pelos órgãos responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos (art. 45, §1.º da Lei n.º 11.445/2007).

Fica claro que a Lei n.º 11.445/2007 permite que até 1% e 10% dos sistemas de água e esgoto, respectivamente, sejam compostos por soluções individuais (art. 11-B c/c art. 45, §1.º).

A relativização do conceito permite, atualmente, melhor organização dos recursos de modo a gerar o aproveitamento mais adequado do escasso numerário. Muitas localidades podem ser consideradas universalizadas, permitindo que outras regiões também recebam investimentos.

Sob a ótica do fortalecimento da ANA, em detrimento das agências reguladoras estaduais, a tendência de esvaziamento dessas últimas não se confirmou – como era calculável. O órgão federal e os órgãos estaduais – sobretudo os mais estruturados – passaram a cooperar na apuração da qualificação econômico-financeira, o que gerou uma nova perspectiva de aproveitamento do know-how já produzido. Notou-se, por consequência, o enriquecimento do relacionamento entre as agências, com a melhora da conformação existente nos vários níveis.

Noutra configuração, não se verificou evolução significativa do tratamento da prestação dos serviços nos municípios pequenos, deficitários e distantes das grandes aglomerações. Há pouca probabilidade de que os blocos de referência constituam solução definitiva para a questão. É provável que, em algum momento, o País tenha de desenvolver um estratagema legal para permitir o atendimento de zonas economicamente inviáveis e desgarradas de outras localidades.

É importante considerar que a Lei n.º 14.026/2020 não se afigurou como uma reforma ideal. Foi o texto possível em face dos inúmeros desafios sociais e políticos de sua época. Entretanto, deu um primeiro passo na reforma do setor, ao introduzir e perenizar o conceito de sustentabilidade do negócio. Nesse sentido, espera-se que os recentes decretos (11.599 e 11.598, ambos do dia 12 de julho passado) sejam efetivos para assegurar a implementação da norma. É forçoso continuar. “Navegar é preciso.”

* ADVOGADO, CONSULTOR AMBIENTAL, PROFESSOR DE DIREITO AMBIENTAL, É DOUTOR E MESTRE EM DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS, CONCENTRAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL (PUC/SP)

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Em meio ao caos, uma notícia ligeiramente alvissareira

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Redação do Portal da Capital

* Por Josival Pereira

Já houve quem colocasse o jornalismo profissional na UTI e decretasse a supremacia absoluta das redes sociais em campanhas eleitorais e o veículo através do qual o brasileiro definitivamente buscava informações sobre política.

Não é assim. Ainda bem. A TV cresceu de importância na atual campanha, se constituindo na fonte pela qual o eleitor mais se informa sobre política. Além de canal de notícias, os debates na TV ganharam atenção na campanha deste ano e a propaganda eleitoral acabou decisiva nas capitais e grandes cidades.

Sobre esse último item, a Folha de S. Paulo publicou algumas notícias revelando que o prefeito Ricardo Nunes (SP) havia se beneficiado com o início da propaganda na TV (ele tem 6 dos 10 minutos no guia eleitoral), tendo, com isso, melhorado nas pesquisas. Em 20 de setembro, a Veja publicou noticia com a manchete “Colocado em xeque após redes sociais, horário eleitoral mostra força”. No subtítulo veio o registro da importância da televisão: “Propaganda na TV alavanca candidatos nas capitais em disputas acirradas”.

O mais importante, porém, é a comprovação, através das pesquisas eleitorais, que o eleitor acessa muito mais a televisão como veiculo para se informar sobre política, o que também demonstra a confiança depositada no jornalismo profissional.

Um recorte de um quesito de pesquisas do instituto Quaest sobre os hábitos dos brasileiros em relação à mídia, levantamentos aplicados na maioria das capitais entre agosto e setembro, mostra claramente como a imprensa nacional se recuperou diante do cenário registrado de 2018, onde pareceu prevalecer as redes sociais.

As diferenças são tênues, mas as redes sociais já não aparecem avassaladoras. Em agosto, em São Paulo, 39% da população revelou se informar sobre política pela televisão e apenas 28% pelas redes sociais. Em Recife, agora em setembro, a audiência foi de 43% (TV) contra 35% (redes sociais). No Rio de Janeiro, o placar ficou em 39% a 30% em agosto, 42% a 27% no início de setembro e empatou em 34% e 33% na semana passada. Em Porto Alegre, no sul do país, em agosto, 37% se informavam sobre política pela TV e 31% pelas redes sociais. Em João Pessoa, a campanha começou com maior audiência para as redes sociais (41% a 38%), mas a televisão se impôs e ficou à frente nas últimas semanas de setembro (37% a 33%). Essa variação se registra em praticamente todas capitais.

Os sites, blogs e portais de notícias, que o pesquisador apresentou em coluna separada, apareceu com índices de audiência entre 10% e 14%. Interessante porque são veículos que também apresentam estrutura com características de jornalismo profissional.

A nota triste fica para o radio, veículo que está sendo acionado por diminuto público entre 3% e 4% para se informar sobre política.

De qualquer forma, números e fatos estão mostrando na atual campanha que o jornalismo profissional é efetivamente o melhor caminho para se combater as fake news e a desinformação.

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Medicinando: cultura de valor na saúde, um pilar essencial para a excelência

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Redação do Portal da Capital

O médico e presidente da Cooperativa Unimed João Pessoa, Doutor Gualter Ramalho, publicou nesta quarta-feira (30/09), mais um episódio do projeto ‘Medicinando’. Com um formato de vídeos curtos compartilhados no seu perfil das redes sociais, o anestesiologista aborda temas como gestão, inovação e liderança.

Desta vez, Gualter falou sobre um conjunto de princípios, crenças e comportamentos que formam uma organização de saúde, e entre eles, a cultura de valor como essencial para qualquer empresa. Além disso, ele destacou pilares importantes nesse conceito que deve ser implantada na saúde.

Confira:

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Jogos virtuais estão levando a um aumento das tentativas de suicídio, dizem especialistas

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Redação do Portal da Capital

Os jogos de apostas on-line estão causando dependência tecnológica e levando a um aumento nas tentativas de suicídio. O alerta está na edição desta semana do videocast “Sem Contraindicação”, que tem como tema “Setembro Amarelo: como cuidar da saúde mental e prevenir o suicídio”. Os convidados são o psiquiatra José Brasileiro e a psicóloga Roberta Mota.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente são registrados mais de 700 mil suicídios no mundo. Mas, acredita-se que estes dados estejam subnotificados e que, na realidade, o número chegue a um milhão. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil ocorrências por ano, o que significa que, em média, 38 pessoas cometem suicídio por dia no país.

Desde 2018, a OMS considera o uso abusivo de jogos eletrônicos como uma doença. “Isso hoje é um dos principais problemas e está levando a um aumento enorme nas tentativas de suicídio”, informou o psiquiatra José Brasileiro. A jogatina on-line, que inclui o conhecido “Jogo do Tigrinho” e as bets, pode causar prejuízos físicos, psicológicos e inter-relacionais.

Segundo Brasileiro, esses jogos causam alta dependência psicológica. A facilidade de acesso contribui para o agravamento do problema numa escala maior. “É algo que está à mão [o celular]. Você não precisa ir para um cassino. É tudo muito fácil”, comentou o psiquiatra.

COMO SE CUIDAR

Praticamente, 100% dos casos de suicídio têm relação com transtornos mentais, principalmente aqueles não diagnosticados ou tratados incorretamente. A depressão é o transtorno mais ligado ao suicídio. Por isso, aos primeiros sinais, a orientação é procurar ajuda profissional para identificar o que está acontecendo e tratar.

A psicóloga Roberta Mota destaca que a tentativa de suicídio é um pedido de socorro e, para ajudar a superar essa sensação de que não existe outra saída, é fundamental uma rede de apoio formada pela família, amigos e profissionais. Ela orienta que, ao conversar com uma pessoa que atentou contra a própria vida ou que tem esses pensamentos, nunca se deve julgar. É preciso acolher e se colocar à disposição para ajudar. Caso não saiba o que dizer, melhor apenas escutar.

Algumas estratégias comprovadas cientificamente ajudam a prevenir o adoecimento mental. Entre elas, estão a prática regular de atividades físicas, sono, boa alimentação, lazer, gestão do tempo para fazer o que gosta e desenvolvimento da espiritualidade. “E se está com esse adoecimento psíquico, vamos tratar”, incentiva Roberta Mota.

ONDE BUSCAR AJUDA

Para você que já pensou ou pensa em suicídio, procure ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Alguns serviços também podem ajudar:

– Centro de Valorização da Vida (telefone 188): o CVV oferece apoio emocional e de prevenção ao suicídio.

– Centros de Atenção de Apoio Psicossocial (Caps): são serviços especializados de saúde mental, gratuitos, de caráter aberto e comunitário.

– Clínicas escola: as faculdades de psicologia costumam oferecer atendimento psicológico gratuito.

– Site da Campanha Setembro Amarelo (setembroamarelo.com): desenvolvido pela Associação Brasileira de Psiquiatria, o site tem várias informações importantes para a prevenção do suicídio.

ASSISTA E COMPARTILHE

Com apresentação de Linda Carvalho, o “Sem Contraindicação” é produzido pela Comunicação da Unimed João Pessoa. Toda quinta-feira, um novo episódio é publicado no YouTube e no Spotify.

Os episódios também ficam disponíveis no Portal Unimed João Pessoa, que tem uma seção exclusiva para o videocast. Por esse canal, também é possível interagir e enviar sugestões de pautas para a equipe responsável pela produção.

 

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