A Cufa -Central Única das Favelas- terá uma nova presidente a partir desta semana, após gestão de Preto Zezé. A paraibana Kalyne Lima, 41, assume a direção da entidade que atua pela inclusão social de moradores de 5.000 favelas brasileiras.
Fundadora da Cufa na Paraíba e liderança ativa na equidade de gênero, Kalyne será a sexta mulher a liderar a entidade, que realiza cerimônia de passagem de bastão nesta quinta-feira (20) no Teatro Santa Roza, em João Pessoa, diz esta matéria publicada pela Folha.
Preto Zezé, que ocupa o cargo desde 2020, e já havia atuado nesta posição em ocasiões anteriores, assume a presidência do conselho nacional da instituição e passa a se dedicar também a outras atividades empresariais, além da sua coluna na Folha.
“Esse rodízio é importante porque valoriza a equidade de gênero e ajuda a descentralizar a viabilidade da Cufa para o eixo norte e nordeste do país”, afirma ele, que teve atuação de destaque neste ano em ações humanitárias junto aos yanomamis e no litoral de São Paulo.
Nascida e criada na capital paraibana, filha de pais separados, Kalyne abandonou os estudos aos 14 anos para trabalhar como menor aprendiz e ajudar a mãe, que cuidava de duas filhas.
“Precisei amadurecer bem nova e trabalhei de doméstica, garçonete e até em colônia de férias para crianças”, diz ela.
A mãe foi inspiração para trabalhar com a equidade de gênero, uma de suas bandeiras hoje. “Sou de família matriarcal e via minha mãe em um lugar de protagonismo. Isso me moldou”.
Mas foi por meio da arte e, principalmente do hip hop, que Kalyne se engajou em causas sociais na juventude.
Primeiro com o ‘Afronordestinas’, grupo pioneiro de rap protagonizado por mulheres da região nordeste. Depois com o ‘Crewolina’, de grafite feminino, e com o ‘Sinta a Liga’, conjunto de rap que abordava a equidade de gênero.
“Sou de uma geração do hip hop que transversalizava em todas as pautas”, conta ela. “Mulheres, LGBT+, movimento dos professores, foi um privilégio como formação política e social.”
Foi no hip hop que Kalyne conheceu Preto Zezé, cria da favela das Quadras, em Fortaleza, ativista social e coordenador da Cufa Ceará.
O trabalho dela na periferia do estado também chamou a atenção do carioca Celso Athayde, produtor musical que tinha se unido a MV Bill em 1999 para fundar a Central Única das Favelas.
“Eu queria democratizar a riqueza, não ficar cantando a pobreza de forma romantizada”, lembra ele.
Em 2007, Celso Athayde convidou Kalyne para criar uma filial da Cufa na Paraíba. Desde então, ela atuou em centenas de projetos marcantes.
Entre eles o “Mães da Favela”, que na pandemia levou renda para milhares de mães moradoras desses territórios e foi destaque no Prêmio Empreendedor Social em 2020.
Sob a gestão de Kalyne, a sucursal cresceu rápido e alcançou as cidades de Campina Grande, Cabedelo e Conde.
Foi quando bateu a vontade de retomar os estudos. Aos 31, sem o ensino fundamental completo e mãe de Morgana, à época com 7, Kalyne enfrentou o processo seletivo e ingressou na Universidade Federal da Paraíba.
“Entrei no curso de Jornalismo, que na minha cabeça era inacessível para uma pessoa que veio de onde eu vim. Mas isso criou uma mola propulsora na minha jornada.”
Tanto que se dedicou de corpo e alma —fez parte do diretório estudantil, publicou artigos, promoveu eventos e se formou com honraria acadêmica.
À frente da organização que representa direitos de grupos minorizados e que atua em emergências humanitárias, Kalyne espera ampliar nacionalmente sua atuação nas causas que já vinha trabalhando nos últimos 17 anos no estado.
Ela terá o baiano Márcio Lima, ex-diretor nacional de logística da entidade, como vice-presidente.
“O grande potencial da Cufa é a capacidade de trabalhar com tecnologias sociais extremamente diversas”, diz Kalyne Lima.
Ela busca pluralidade não só nas questões de gênero, mas no alcance de iniciativas regionais no norte e nordeste.
“É um lugar estratégico politicamente e uma responsabilidade muito grande, mas estou pronta”.