Na aplicação das leis, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, mas quando é abordada a natureza biológica de cada gênero, é indiscutível a diferença.
O fenótipo feminino tende a ser menor e mais delicado se comparado ao fenótipo masculino, cabendo, tão-somente, às mulheres a dádiva da gestação e, também, as preocupações menstruais.
Historicamente, acreditava-se que o sangue menstrual era destinado, em caso de fecundação, à constituição da carne e sangue do bebê. Os Anglo-saxões se referiam a menstruação como uma maldição, e alguns povos acreditavam que mulheres, no período menstrual, azedavam o vinho se o tocassem, murchavam as flores, as plantas e, ainda, prejudicavam as plantações.
Os tempos mudaram e a sociedade evoluiu. Atualmente é sabido que o sangue menstrual não tem poderes “sobrenaturais”, sendo tão somente um processo natural do corpo da mulher, que o prepara à gestação.
No entanto, ainda temos um tabu quando o assunto do sangue feminino é abordado e, sim, precisamos falar mais sobre isso, principalmente quando mulheres em situação de vulnerabilidade são vítimas do olhar omisso do estado.
A chamada pobreza menstrual atinge milhões de meninas e mulheres no Brasil, que não possuem condições financeiras de adquirirem absorventes higiênicos, item básico da higiene pessoal feminina.
A falta de distribuição de absorventes para mulheres carentes faz com que muitas deixem de frequentar o ambiente escolar durante o período menstrual, por exemplo.
Mas não só mulheres em idade escolar são afetadas pela falta de produtos básicos de higiene. As mulheres que estão recolhidas no sistema prisional ou cumprindo medidas socioeducativas também são atingidas pela pobreza menstrual.
Mulheres que, durante o período menstrual, não tem como conter o fluxo sanguíneo, fazendo-o quando possível, de modo improvisado, e até mesmo primitivo, ocasionando um abalo íntimo, ferindo um dos princípios constitucionais basilares, que é o da dignidade da pessoa humana.
A pobreza menstrual é uma forma de violência contra mulheres, já que somente elas são capazes de menstruar. Não é admissível que uma mulher deixe de cumprir com as suas atividades diárias e de ter uma vida digna, todas as vezes que o fluxo menstrual estiver presente.
É um direito de todos de ter uma vida livre de violência (seja ela qual for), e de tê-la com o mínimo de dignidade. Visando a proteção das mulheres que estão em situação de vulnerabilidade e de hipervulnerabilidade, é que foi instituído o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, por meio do Decreto nº 11.432 de 8 de março de 2023.
O programa, que visa combater a pobreza menstrual tem por objetivo assegurar a dignidade menstrual e oferecer, de forma gratuita, absorventes higiênicos às mulheres de baixa renda que estejam matriculadas em escolas públicas; às mulheres em situação de rua; às mulheres dotadas de vulnerabilidade social extrema (conforme critério do Programa Bolsa Família) e, ainda, às mulheres recolhidas no sistema prisional ou cumprindo medidas socioeducativas.
Aliás, é preciso atentar para a situação de vulnerabilidade sofrida pelas mulheres durante o período menstrual e que estão recolhidas no cárcere, muitas vezes invisíveis aos olhos dos governantes e desprovidas de políticas públicas eficazes.
No estado de Santa Catarina, há a Lei 18.308 de 2021, que prevê a distribuição de absorventes para mulheres que sejam estudantes na rede municipal de ensino e que possuam baixa renda. No mesmo norte, o estado de São Paulo por meio da Lei 17.525 de 2022, também beneficia as estudantes de baixa renda. No entanto, não há menção às mulheres que estão no cárcere e que também menstruam.
A ausência de políticas públicas voltadas às mulheres encarceradas fomenta o aumento da fragilidade feminina, ocasionando uma ausência de proteção àquelas que não possuem voz ativa.
O Decreto 11.432/23 é uma política pública e veio para socorrer mulheres em situação de vulnerabilidade e hipervulnerabilidade, oferecendo a elas um mínimo de dignidade menstrual, ao menos de modo formal.
De forma prática, as mulheres ainda necessitam da implementação do programa de forma fática e ágil. Ao mesmo tempo em que há, na legislação, a promoção da dignidade menstrual, há entraves na efetivação de tal dignidade, uma vez que a forma de aquisição e distribuição dos absorventes higiênicos será estabelecido por ato do Ministério da Saúde, quando as mulheres a serem atendidas forem de baixa renda e matriculadas na rede pública de ensino; em situação de rua; de vulnerabilidade extrema ou cumprindo medidas socioeducativas, e, por ato do Ministério de Estado da Justiça e Segurança Pública, quando as mulheres estiverem no cárcere. Há em excesso de burocracia para algo que precisa de agilidade.
O fato é que mulheres encarceradas estão a mercê da sociedade e esquecidas pelos governantes, que para elas não fomentam políticas públicas. São mulheres que estão não só em situação de vulnerabilidade, uma vez que não possuem materiais para a contenção do fluxo menstrual, tais como papel higiênico, toalhas higiênicas e tampouco, absorventes higiênicos, mas em situação de hipervulnerabilidade.
É preciso um olhar inclusivo às mulheres do sistema carcerário, não só com a elaboração de políticas públicas destinadas a elas, mas que sejam, de fato, aplicadas com o objetivo de garantir não só o direito assegurado de respeito à integridade física e moral, mas, ainda, primando pela dignidade da pessoa humana, princípio fundamental previsto na Constituição da República.
*Tammy Fortunato, advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 17.987. Mestre em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidade Portucalense (Portugal) e especialista em Direito e Negócios Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).