Em 2015, poucos meses depois de aparecer na televisão escoltando o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró na Operação Lava-Jato, o agente da Polícia Federal Newton Ishii foi pagar a conta do restaurante onde tinha jantado, em Curitiba. Ao chegar no caixa, a fatura estava liquidada. Em seguida, os clientes das outras mesas começaram a aplaudi-lo e se levantaram para fazer selfies com o policial, que naquela altura já era conhecido como o “japonês da federal”, destaca reportagem de O Globo.
— É uma coisa que não esperava. Só sei que fico feliz. Até hoje não entendo porque existiu o “japonês da federal”, vários colegas saíam nas ruas comigo. Talvez seja porque sou oriental e isso marcou. — disse Ishii, que pouco antes de ter a aposentaria publicada, nesta segunda-feira (26), concedeu sua primeira entrevista desde que ganhou fama nacional.
O agente da PF recebeu o GLOBO no apartamento onde mora em um bairro de classe média de Curitiba. Com poucos móveis e paredes lisas, praticamente sem decoração, o local de cerca de 70 metros parece até maior do que é. A única foto que chama atenção é a da escalação do time de 1988 do Coritiba, que tem entre os mascotes o filho do agente, Eduardo, que morreu em quase 13 anos. Viúvo, é lá que Ishii vive com a filha e com o cachorro Zeca. Pequeno e peludo, o cão da raça llasa apso tem tratamento de casa de madame, com direito a banho toda semana e acessórios no pescoço, de preferência gravata ou um lenço. Quando joga uma bolinha para Zeca, o agente diz, batendo a mão na perna: “Pega para o vovô”.
Entre goles de café em uma xícara que estampa suas fotos escoltando presos como Marcelo Odebrecht, Ishii falou sobre os quase quatro anos em que atuou na Lava-Jato, a experiência de se tornar homem de confiança dos empresários que pararam atrás das grades e a vida de celebridade — com convites para frequentar áreas VIPs de shows sertanejos a camarotes das festas disputadas pelo Brasil, todos rejeitados.
— Como essa imagem [do japonês da Federal] foi criada, não queria aparecer numa festa e não tive vontade de ir — disse ele, que agora tem planos de quebrar o jejum e ir ao carnaval de Pernambuco no próximo ano. Sem admitir que pegou certo gosto pela fama, o agente destaca que “não é qualquer um que é homenageado com um boneco de Olinda”.
Ishii costuma compartilhar voa celular algo positivo que aparece sobre ele, como a marchinha de carnaval “Ai, meu Deus, me dei mal, bateu na minha porta o japonês da federal”, que viralizou no final de 2015. O policial também chegou a presentear alguns amigos com camisetas estampando a letra da música e sua foto. Os pedidos para fazer selfies também o agradam. Mesmo nos últimos meses de 2017, quando deixou a chefia de logística e da carceragem da PF, função que exerceu a maior parte do tempo em que esteve na Lava-Jato, ele se orgulhava de ser assediado para posar para fotos quando aparecia na porta do prédio da polícia. À medida que a aposentadoria de Ishii chegava, porém, ele foi sendo afastado do comando. Com isso, diminuiu as visitas às celas onde estão os presos da operação e passou a ficar a maior parte do tempo na sua sala, cuidando de logística de escoltas e com poucas aparições públicas.
Apesar de gostar do assédio, Ishii também credita à fama situações difíceis que enfrentou nos últimos anos, como a acusação de vazar a delação premiada do operador Fernando Soares, o Baiano, quando ele estava preso na PF — o fato gerou um inquérito em que o agente foi investigado e absolvido. Ele também passou três noites preso e quatro meses de tonozeleira eletrônica em 2016.
Naquele ano, ao receber o mandato de prisão, Ishii ficou detido na própria sala, na sede da PF em Curitiba. No dia seguinte, foi transferido para o Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), da Polícia Civil, onde ficou mais três dias sozinho. De lá, saiu com a tornozeleira eletrônica que usou por meses enquanto era o responsável pelos presos da operação de combate a corrupção mais importante do país. Ishii foi condenado por facilitação de contrabando na fronteira entre Brasil e Paraguai e chegou a ficar detido por quatro meses em 2003. Ele sempre negou as acusações.
— Eu me entreguei quando soube do mandato de prisão e fiquei dois, três dias preso. Depois fui para a tornozeleira. Não lembro quanto tempo usei, acho que uns seis meses — diz Ishii minimizando o episódio. No entanto, pessoas próximas ao agente relatam que ele ficou tão abalado com os acontecimentos e que devido a eles desistiu do mundo político, fato que Ishii nega.
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O agente tem a mesma defesa desde os tempos em que foi preso, há um ano e meio: foi detido porque queriam prejudicar a Lava-Jato e ele personificava a operação. Pouco afeito ao assunto, diz que “essas coisas a gente tenta não guardar muito” e enfatiza que já enfrentou situações mais graves, como a morte do filho e da mulher. Ele se suicidou quando tinha 27 anos, em 2005, e a mulher, que se deprimiu com a tragédia, teve um infarto fulminante em 2009.
SELFIE COM FAMÍLIA DE PRESO
— Às vezes tem até família de preso querendo tirar selfie, é engraçado, me surpreende. Mas tudo bem, vou lá e faço —, diz Ishii, que se tornou uma espécie de confidente de boa parte detentos, como Marcelo Odebrecht, que chegava a fazer piadas com o policial.
O agente contou que a família de Marcelo “recebeu um outro homem após a prisão”. Segundo ele, quando o empresário chegou a Curitiba mal se comunicava com os demais, mas mudou o comportamento meses depois, passando a dar roupas, toalhas e utensílios de higiene pessoal para companheiros com baixo poder aquisitivo que passavam pela PF. Aficionado por exercícios, Marcelo sempre usava roupas justas quando malhava e era alvo de brincadeiras do japonês e dos colegas de cela.
A ligação de Ishii se estendeu a outros presos que chegaram a visitá-lo na sede da PF quando iam depor na Justiça Federal mesmo depois de soltos. Esse foi o caso do ex-vereador Alexandre Romano e do doleiro Alberto Yousseff, um dos primeiros detidos na Lava-Jato que teve contato quase que diário com o japonês da Federal nos dois anos e oito meses em que ficou preso em Curitiba. No entanto, alguns nunca chegaram a se aproximar do agente, como Cerveró, considerado por Ishii “o mais complicado”. Já o ex-ministro José Dirceu era chamado pelo chefe da carceragem de “preso profissional” e disciplinado. O ex-ministro Antonio Palocci, que ainda se encontra detido, também é um dos poucos que Ishii nunca viu perder o controle.