Nascido da fusão entre o DEM e o PSL, o União Brasil conquistou três ministérios no novo governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas resiste a integrar oficialmente a base aliada no Congresso. Ao mesmo tempo que enfrenta fortes disputas internas, o partido negocia uma federação com o Avante e o PP, sigla do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL). Se a articulação for concretizada, a legenda ampliará significativamente sua influência no Legislativo, cuja “independência” projeta mais dificuldades para a governabilidade do Palácio do Planalto. A informação foi divulgada pelo Estadão.
Na Câmara, o União Brasil é dono da terceira maior bancada, com 59 deputados. O partido negociava uma fusão com as outras siglas, mas uma dúvida jurídica freou as conversas. A interpretação é de que a legislação eleitoral só permite uma nova união após cinco anos do registro do partido – o União Brasil foi criado em fevereiro de 2022. Eventual federação com o PP e o Avante, contudo, poderá resultar numa representação com 115 deputados. Atualmente, o PL detém a maior bancada da Casa, com 99 parlamentares.
Além de contrariar interesses do PT, a participação do União Brasil no governo Lula desencadeou uma crise interna que ameaça interditar, na prática, o apoio da bancada à agenda parlamentar do Executivo. A indicação dos ministros gerou divergência em parte da cúpula da legenda. São da cota do partido os titulares das Comunicações, Juscelino Filho; do Turismo, Daniela Carneiro, mais conhecida como Daniela do Waguinho; e da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.
Este último, apesar de não ser filiado ao União, foi indicado por um dos principais líderes da sigla, o senador Davi Alcolumbre (AP).
O cenário conflagrado no União Brasil já preocupa a articulação política de Lula no Congresso. O receio imediato é em relação à margem de apoio para a aprovação de pautas como a criação de nova âncora fiscal, a reforma tributária e a proposta de emenda à Constituição (PEC) de deputados do PT que reformula o artigo 142 da Constituição. O dispositivo trata do papel das Forças Armadas, mas a interpretação é distorcida por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para justificar uma intervenção militar no País.
Esses três temas são considerados pelo Planalto como a prova de fogo da governabilidade neste início de mandato. Na prática, as negociações entre a cúpula do União Brasil e o governo federal escancaram a divisão interna entre os grupos oriundos do DEM – um desdobramento do antigo PFL e com perfil mais ideológico à direita – e do PSL – agremiação com viés pragmático que se agigantou após acolher o clã Bolsonaro com “porteira fechada” nas eleições de 2018.
Um bloco de deputados influentes da legenda se rebelou contra o presidente do partido, Luciano Bivar, acusado de negociar cargos no governo sem o aval do conjunto de parlamentares. “Não há sintonia entre o que foi negociado na cúpula e o sentimento da bancada. Não creio que o Lula possa contar com os votos do União Brasil na Câmara”, disse ao Estadão o deputado Mendonça Filho (PE).
ACM Neto
O DEM/PFL se manteve na oposição durante todos os governos petistas. Parlamentares e líderes do antigo partido reclamam que Bivar se uniu a Alcolumbre para negociar os cargos com Lula à revelia da bancada. Eles pressionam o secretário-geral do União Brasil, ACM Neto, que está em viagem ao exterior, a retornar e assumir postura combativa contra o que chamam de “adesismo” da sigla
Segundo o ex-senador José Agripino, vice-presidente do União Brasil, Bivar negociou com o Planalto sem aprovação de ACM Neto, que submergiu após ser derrotado na disputa ao governo baiano. “A maioria do União Brasil é centrista e não vai fazer parte de forma aderente ao governo. A participação nos três ministérios não determina que o partido esteja na base do Lula”, disse Agripino.
Procurado, Bivar não se manifestou. Em declaração ao jornal O Globo na semana passada, o dirigente pressionou o governo a ceder mais espaço para a legenda. “O PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que para fazer política é necessário ter espaço. Quanto mais espaços, mais apoios poderemos garantir”, afirmou.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reagiu cobrando “entre 80% e 90%” dos votos do União Brasil. A falta de entrega é o argumento do PT para reivindicar o espaço dado à legenda na Esplanada. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, pressiona o governo para desalojar o partido. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ela defendeu um “freio de arrumação” na relação do governo com o União Brasil. Para Gleisi, apesar de contemplada com três pastas, a legenda “não está fazendo entregas”.
A frase de Bivar foi questionada no próprio partido. “Essa declaração caracteriza um fisiologismo progressivo. É muito duro para nós, que amargamos 13 anos de oposição ao PT, ouvir essa tese”, disse Mendonça Filho. Na avaliação do deputado, o projeto de aliança corre risco diante do impasse. “No meio de uma guerra interna como essa, como vamos nos juntar em uma federação se nem digerimos ainda a fusão com o PSL?”
Manifesto
A escalada da crise no União Brasil deve avançar na reunião da bancada prevista para os próximos dias, quando um manifesto articulado pelo deputado Danilo Forte (CE) será divulgado. Antecipado pelo Estadão, o documento defende a independência da sigla.
”Nós, deputados e senadores do União Brasil, não podemos nos relegar à placidez diante deste cenário. É preciso compromisso e serenidade para fazer política não pelo caminho da submissão, mas pelo caminho da construção com as diversas correntes políticas deste país”, diz o texto. “Cientes da responsabilidade e da sensibilidade do momento atual, reafirmamos que teremos uma postura de independência em relação ao atual Executivo federal. É necessário sermos respeitosos nas divergências, responsáveis na oposição e, sobretudo, críticos enquanto favoráveis ao governo”, conclui o documento.