— E será que eu consigo fazer uma foto sua? — pergunta o repórter.
— Consegue, porque eu estou aqui — responde essa indígena da aldeia Laranjeira, na Baía da Traição.
Os potiguara, que sempre estiveram ali, querem agora se mostrar para o Brasil.
A 90 km de João Pessoa, o litoral norte da Paraíba tem 32 aldeias espalhadas nos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, onde cerca de dez mil indígenas se dedicam à agricultura, à pesca e ao turismo. É tudo tão novo que, há apenas 20 anos, o artesanato indígena deixava o uso cotidiano para virar produto turístico e o asfaltamento do trecho de 24 km da estrada PB-041, que cruza a região, só chegou em 1995.
Baía da Traição, um dos núcleos mais antigos da colonização paraibana, vem crescendo com seu genuíno turismo de base comunitária. Tem praia de falésia e banho de rio, roda de coco e cerimônias religiosas, além de tapioca, beiju e todas as outras comidas que a terra dá.
— O nome é por conta do conflito do nosso povo com os portugueses, quando disseram que aqui era terra de gente traiçoeira — resume Wenison Medeiros.
Durante uma das primeiras viagens exploratórias ao Brasil, em 1501, os portugueses foram atraídos por hospitaleiros acenos daqueles “gentios bravos” para então serem trucidados num ritual antropofágico.
— Hoje é terra de gente guerreira que está batalhando para manter a cultura viva — completa Wenison, conhecido como Índio.
Entre rios e falésias
Com tanta coisa para ver (e uma estrutura que ainda não convida para o turismo autônomo, como a falta de sinalização nas aldeias e estradas vicinais pouco amigáveis), o melhor ainda é contratar um tour guiado, que custa R$ 450 para até quatro pessoas.
A primeira parada é na Aldeia do Forte, onde fica um centro de artesanato entre antigos canhões portugueses no Alto do Tambá, na cênica Praia da Aldeia.
Entre as fozes dos rios Camaratuba e Mamanguape, 40 km de areia se estendem sob falésias multicoloridas que se debruçam no mar de águas agitadas de praias como Cardosas, Coqueirinho e Trincheiras, cujas dunas foram abrigos dos portugueses na luta contra os holandeses, em 1625.
— Cada praia tem uma beleza diferente. Por ser de mar aberto, a Praia do Tambá é mais apropriada para surfistas — avisa Índio.
Mas o melhor do turismo acontece na beira do rio. O passeio pelo Rio Sinimbu começa na aldeia Camurupim, no município de Marcação, e segue por atrativos como as trilhas no manguezal da Ilha do Amor e pôr do sol na Barra do Mamanguape, distrito de Rio Tinto.
Na maré baixa, é possível também acompanhar a pesca artesanal de mariscos num banco de areia, no encontro do Sinimbu com o Mamanguape.
— Como o pessoal não tem salário e o emprego é muito difícil por aqui, o marisco é uma das principais rendas da comunidade. A gente sobrevive do que a natureza oferece — conta Jomilson Teixeira Caetano, artesão e barqueiro da aldeia.
Aliás, a nascente do Sinimbu é um dos cenários mais belos do destino. Esse curso d’água na aldeia Tracoeira é conhecido como Rio do Gozo, devido às águas cristalinas e frias que dão sensação de alívio para quem entra nesse rio raso, equipado com estrutura de lazer, cascata e até um balanço molhado.
Diferente de outros destinos do gênero, não espere a espetacularização da cultura local.
Apesar de ter a maior parte de seu território em reservas indígenas, a Baía da Traição não tem ninguém “fantasiado de índio”, muito menos apresentações de gosto duvidoso para entreter turista. Ali, se vê o que tem para ver do jeito que é, há centenas de anos.
Uma das paradas mais concorridas no passeio de buggy é na Aldeia Alto do Tambá, onde Angelina e seus familiares chegam a fazer cerca de 300 tapiocas num único dia de verão. Dá para provar também beiju recheado e o “grude” (massa pastosa com coco assada na folha da bananeira).
Não muito longe dali, a 4 km do centro da Baía da Traição, fica o Okatu, um inusitado camping com nove ocas de palhas de coqueiro em frente ao mar e equipado com redes, restaurante e área de apresentações de toré, o ritual sagrado dos Potiguara.
Em Marcação dá para se hospedar na Nova Paisagem, primeira pousada em área indígena da região, às margens do Rio Mamanguape, na aldeia Tramataia.
Nos últimos anos, as diversas aldeias que se abriram para o turismo têm organizado ainda atividades como apresentações de coco de roda e rituais de pajelança, na aldeia Laranjeira.
— O que a gente precisa hoje em dia é vivenciar o natural — descreve o pajé Gel, que recebe turistas com rituais indígenas e banhos de ervas seguidos de jantar ao ar livre.
E como escreveu o próprio Américo Vespúcio sobre aqueles primeiros anos no Nordeste, “se no mundo existe algum paraíso terrestre, sem dúvida não deve estar muito longe destes lugares”.“