Em mais uma investida do governo Jair Bolsonaro (PL) contra a vacinação infantil, o Ministério da Saúde contrariou a orientação de sua câmara técnica de assessoramento ao indicar a vacina contra a Covid-19 apenas para bebês com comorbidades.
De acordo com esta matéria originalmente publicada pela Folha, integrantes do grupo —composto por membros do ministério e de conselhos estaduais e municipais de Saúde, além de especialistas— afirmam que a vacina foi recomendada para todos os bebês que têm entre seis meses e quatro anos, e não só para aqueles com algum fator de risco.
Na semana passada, o ministério chegou a dizer que decidiu liberar a vacina apenas para as crianças com comorbidades “por recomendação da CTAI (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização)”. A informação foi reforçada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na segunda-feira (17).
“O secretário Arnaldo, que é o secretário de vigilância em saúde, levou essa questão, além da área técnica específica, para o assessoramento da CTAI. Pelo que ele me informou, teria sido referendado ali, como se fosse uma medida preliminar, antes da avaliação final da Anvisa, que essa vacina fosse oferecida para as crianças dessa faixa etária que têm comorbidades.”
Assessores da câmara ouvidos pela Folha afirmam que a indicação da vacina para todas as crianças já tinha sido aprovada por unanimidade antes mesmo da decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mesmo assim, a orientação foi reforçada em reunião no dia 4 de outubro.
Segundo eles, a decisão de priorizar crianças e adultos com comorbidades só foi tomada no início da vacinação pela falta de doses. O grupo acrescenta que reforçou ao ministério a necessidade de que todos os bebês sejam vacinados contra a Covid, e não apenas aqueles com algum fator de risco.
Para eles, ao anunciar que a vacina foi autorizada somente para crianças com comorbidades —ao contrário do que definiu a Anvisa—, o Ministério da Saúde confunde a população e faz com que pais fiquem com receio de vacinar os filhos, aumentando a resistência contra as vacinas.
A reportagem perguntou ao Ministério da Saúde a data da reunião em que a CTAI teria recomendado a vacina apenas para crianças com comorbidades, mas não houve resposta. A pasta enviou uma nova nota sobre a vacinação infantil, desta vez sem a informação de que a orientação foi da câmara técnica.
“Tendo em vista a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ouvida a Câmara Técnica de Assessoramento (CTAI), o Ministério da Saúde, de forma cautelar, autorizou a vacinação contra a Covid-19 em crianças de 6 meses a menores de 4 anos com algum tipo de comorbidade.”
A vacinação de crianças contra o coronavírus foi alvo de ataques de Bolsonaro durante a pandemia e chegou a ser desestimulada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Em dezembro, quando a Anvisa deu aval para a aplicação da vacina em crianças a partir dos cinco anos, o presidente insinuou haver “interesses” da agência na decisão e pediu a divulgação do nome dos envolvidos, o que desencadeou uma onda de ameaças e ataques contra técnicos e diretores.
O ministério convocou ainda, de forma inédita, audiência e consulta pública sobre o tema. O governo levantou a possibilidade de exigir receita médica para a vacinação das crianças, o que foi rejeitado.
Na sexta (14), o presidente mentiu ao afirmar que as crianças não morreram por Covid-19. “A molecada não sofre com o vírus… Tanto é que você viu um moleque morrer de vírus por aí? Alguém conhece algum filho de alguém que morreu de vírus? Não tem”, disse.
Neste ano, até 10 de setembro, foram 12,1 mil internações e 439 mortes de crianças abaixo de cinco anos por coronavírus.
A vacina da Pfizer para crianças de seis meses a quatro anos foi liberada pela Anvisa em 16 de setembro, sem restrições, após análise técnica de dados e estudos clínicos conduzidos pelo laboratório.
O processo contou com a consulta e o acompanhamento de especialistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, da Sociedade Brasileira de Infectologia, da Sociedade Brasileira de Imunologia e da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Na segunda, o ministério afirmou que a expectativa é que as doses cheguem ao Brasil na semana que vem. O contrato do governo federal com a Pfizer permite ajustes no tipo de vacina a ser recebida. Estima-se que hoje o país tenha um saldo de cerca de 35 milhões de doses.
Questionado sobre o tema no evento de segunda, o ministro afirmou que “tudo isso tem que ser feito com responsabilidade”. O secretário de vigilância em saúde, Arnaldo Medeiros, disse que é preciso mitigar “possíveis erros vacinais”.
O Brasil possui cerca de 13 milhões de crianças entre seis meses e quatro anos e, de acordo com o esquema vacinal previsto para esse público, serão necessárias três doses (um total de 39 milhões de doses).
Porém, como as crianças entre três e cinco anos também podem ser vacinadas com a Coronavac, o número de doses necessárias da vacina da Pfizer cairia para 21 milhões, segundo estimativas de técnicos do ministério.
O Ministério da Saúde, em virtude de parecer proferido pela Consultoria Jurídica (Conjur) da pasta, irá solicitar à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) a avaliação de possível ampliação do uso da vacina Comirnaty pediátrica em crianças de 6 meses a menores de 4 de idade, recentemente aprovada pela Anvisa. A decisão está de acordo com o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin).
Entretanto, em face do cenário epidemiológico da Covid-19 no país e por recomendação da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), ficou definido, de forma cautelar, autorizar o uso da vacina para as crianças de 6 meses a menores de 4 anos que apresentem algum tipo de comorbidade, enquanto se cumpre o rito de análise da Conitec. Todas as orientações para a vacinação deste público serão publicadas em nota técnica.