O diretório estadual do PP na Paraíba contratou uma agência de publicidade instalada em Brasília pagando a bagatela de R$ 1,2 milhão para o período eleitoral do pleito de 2022. A informação foi publicada originalmente pela Folha.
De acordo com a mesma matéria, a Aldeia Filmes pertence ao mesmo dono da empresa que recebeu R$ 5,5 milhões da campanha do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ainda segundo a matéria, Bolsonaro gravou na última sexta-feira (7) inserções para sua campanha à reeleição em uma empresa de produção audiovisual que tem contratos com o governo federal.
A Aldeia Filmes, que funciona em uma casa no Lago Sul de Brasília, pertence ao publicitário Ricardo Martins e tem R$ 3,2 milhões em acordos com o governo federal. Todos os tratos foram firmados durante a gestão Bolsonaro, de acordo com o Portal da Transparência.
Martins também é dono, desde março, da RM Filmes —contratada pelo PL para a campanha de Bolsonaro por R$ 5,5 milhões, o maior gasto registrado até agora. A RM declara funcionar num espaço de coworking num prédio na Asa Sul, em Brasília —as informações estão no cadastro da empresa na Receita Federal.
A Folha telefonou para o contato que consta no site da Aldeia Filmes e questionou se lá funcionava a RM Filmes. A resposta foi a de que ambas as empresas operam no mesmo endereço no Lago Sul.
Depois, a reportagem ligou para o número que consta nos registros da RM. A pessoa que atendeu se identificou como funcionária da Aldeia. No cadastro da Receita, Aldeia e RM têm o mesmo contato.
A Folha também foi ao endereço da RM, onde encontrou um espaço de coworking utilizado por diversas firmas, mas não encontrou ninguém da agência. Funcionários do local confirmaram que a empresa não tem um espaço fixo lá, mas que eventualmente usa uma sala para reuniões.
A RM Filmes tem curto histórico de atuação com as características das atividades que exerce hoje. Até março, chamava-se A.M.R Agência de Publicidade, tinha sede na cidade de Joinville e duas mulheres como sócias, de acordo com registros em cartório obtidos pela Folha.
Em 31 de março deste ano, Martins pagou R$ 10 mil para se tornar o único sócio da empresa, transferiu o endereço dela para o coworking em Brasília e alterou seu capital social de R$ 10 mil para R$ 200 mil.
Nos arredores da sede da Aldeia Filmes, onde Bolsonaro gravou as inserções na última sexta, pessoas relataram reservadamente, sem citar nomes, que é comum a presença de políticos no local. Também afirmam que o movimento aumentou bastante durante o período de eleições.
A maioria dos acordos da empresa com o governo foi com o Ministério da Saúde e envolve, por exemplo, produção de conteúdo para campanhas de vacinação. Também há pagamentos feitos pelas pastas de Economia, Turismo e Comunicações, inclusive no mês de setembro, já durante o período eleitoral oficial.
Além do governo federal, a Aldeia foi contratada por R$ 1,2 milhão pelo diretório estadual do PP na Paraíba, durante as eleições, de acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Na descrição do serviço consta, apenas, “produção de programas de rádio, televisão ou vídeo”.
Ainda há um outro pagamento do PP, no primeiro semestre, durante a pré-campanha, de R$ 87,2 mil.
Pessoas próximas à sigla dizem, sob condição de anonimato, que a produtora presta serviço para diversos políticos da legenda, que utilizam, por exemplo, o estúdio de gravação na casa do Lago Sul.
Segundo reportagem do portal Congresso em Foco, o local também foi palco da festa de lançamento da empresa de publicidade de Arthur Lira Filho, cujo pai é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Procurado por meio de sua assessoria, Lira preferiu não se manifestar. O PP também não respondeu, assim como Bolsonaro, PL e Ricardo Martins.
A Folha revelou que outra empresa paga pela campanha do presidente, a Magic Beans, também passou por uma reformulação. Em maio, ela teve seu capital social elevado e atividades econômicas ampliadas.
O sócio da empresa, Lucas Allex Pedro dos Santos, 27, foi responsável pelo site Lulaflix, que reúne conteúdo negativo sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e foi impulsionado no Google pela campanha de Bolsonaro, numa prática que fere a legislação eleitoral.
Foram três pagamentos realizados pelo PL, comandado por Valdemar Costa Neto, entre os dias 10 de junho e 21 de julho, num total de R$ 3,1 milhões, quitados com dinheiro do fundo partidário.
Para o advogado Cássio Leite, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), há a indicação de que o presidente quis driblar um possível conflito de interesses no caso. Ele diz que “tudo leva a crer que a empresa foi criada para não ter nenhum tipo de apontamento por compliance”.
O especialista também aponta que o valor pago (R$ 5,5 milhões) está abaixo do cobrado pelo mercado, o que poderia configurar um caso de troca de favores, além de ocultação do real proprietário da empresa.
“Pode ser o caso de subvaloração do serviço contratado para fazer com que o gasto de campanha seja muito menor do que ele realmente é. No direito eleitoral há uma questão muito sensível: transparência. Esse tipo de contratação deve ter transparência absoluta do real volume de recursos gastos.”
Outro advogado eleitoral consultado pela reportagem afirmou, sob condição de anonimato, que há indícios de uso de dinheiro público para pagamento de trabalhos feitos para a campanha eleitoral do presidente.
“É necessário esclarecer e apurar quais os serviços foram efetivamente prestados e se não há confusão entre os serviços pagos pela União, de nítido interesse público, e os serviços de interesse particular feitos para a campanha do candidato do candidato Bolsonaro”, completou Renato Ribeiro de Almeida, advogado e coordenador da Abradep.