Uma matéria publicada pelo Estadão aponta o atual ministro da Saúde, médico paraibano Marcelo Queiroga, como responsável por recorrer à mentira com intuito único de blindar o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso do corte de 60% de verbas da Farmácia Popular.
De acordo com a matéria, Queiroga “disse que o orçamento secreto tinha execução obrigatória, quando até as pedras sabem que esse tipo de emenda parlamentar não é impositiva e poderia ser cortada pelo governo. Com a mesma desfaçatez de quem anuiu com a redução de 60% das verbas do Farmácia Popular, Queiroga prometeu não só revê-lo, como ampliar os recursos destinados ao programa. Nada disso está no Orçamento de 2023 enviado pelo governo ao Congresso“.
Confira a íntegra da matéria logo abaixo:
“O darwinismo social de Bolsonaro
O corte drástico do Programa Farmácia Popular, antes de ser um ‘desencaixe’ acidental da democracia, na definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista
O governo Jair Bolsonaro tem facilitado a vida dos candidatos que disputam com ele a Presidência da República. Para conquistar votos, as equipes de campanha não precisam apelar a um marketing agressivo ou às fake news que levaram o presidente ao Palácio do Planalto em 2018. Basta ler a proposta que sua administração elaborou para o Orçamento de 2023. Não há peça que deponha mais contra sua gestão e que exponha o tamanho das contradições de suas promessas eleitoreiras do que o documento formal enviado ao Congresso no fim de agosto. Na proposta, o Executivo já havia sido incapaz de garantir a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, tema central da campanha, e teve que fixá-lo em R$ 400, tudo para garantir a reserva de R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto. Não foi suficiente. Agora, como o Estadão revelou, o governo achou por bem comprometer o bem-sucedido programa de distribuição de medicamentos Farmácia Popular e cortar 60% de sua verba.
Diante da péssima repercussão que a notícia teve, o governo apelou à repisada estratégia de buscar outro culpado – qualquer um – para assumir a responsabilidade pela tesourada no programa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, elencou o rol de inimigos que costuma mencionar nesses momentos em que precisa justificar o injustificável, como o teto de gastos – que, curiosamente, funciona para toda e qualquer política pública, menos para conter o avanço das emendas de relator. Sem citar o Centrão, grupo formado pelos verdadeiros donos das emendas de relator, o ministro foi audacioso: culpou até a democracia e prometeu recompor os recursos do Farmácia Popular por meio de uma mensagem presidencial a ser enviada, convenientemente, um dia depois da eleição. “Essa mensagem presidencial vai corrigir esses desencaixes que a democracia às vezes acidentalmente permite”, disse.
Não é a primeira vez que Guedes expõe uma concepção distorcida sobre o regime democrático. Isto posto, o corte do Programa Farmácia Popular, sob vários aspectos, é um episódio revelador. Deixa claro que, para o ministro da Economia, a reeleição de Bolsonaro precisa ser garantida custe o que custar. Do contrário, ele não teria considerado razoável priorizar a distribuição de verbas paroquiais bilionárias a aliados em detrimento de uma política pública que garanta acesso gratuito a medicamentos contra doenças crônicas como hipertensão, asma e diabetes, cujo tratamento tem caráter preventivo e não pode ser interrompido. Afinal, a ideia de reduzir linearmente as despesas discricionárias da Saúde em 60%, de forma a preservar as emendas de relator, partiu do próprio Ministério da Economia.
Como mostrou o Estadão, os técnicos do Ministério da Saúde alertaram a equipe de Guedes de que a redução dos recursos do Farmácia Popular de R$ 2,04 bilhões para R$ 804 milhões tornaria o programa inviável no ano que vem. Como alternativa, eles defenderam, sem sucesso, um corte nas rubricas de atenção primária e de média e alta complexidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Se Guedes apelou para o contorcionismo argumentativo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, recorreu à mentira. Para blindar Bolsonaro, ele disse que o orçamento secreto tinha execução obrigatória, quando até as pedras sabem que esse tipo de emenda parlamentar não é impositiva e poderia ser cortada pelo governo. Com a mesma desfaçatez de quem anuiu com a redução de 60% das verbas do Farmácia Popular, Queiroga prometeu não só revê-lo, como ampliar os recursos destinados ao programa. Nada disso está no Orçamento de 2023 enviado pelo governo ao Congresso.
Nisso tudo, o que chama a atenção é o silêncio de Bolsonaro. Pudera: não há o que dizer ante o fato incontestável de que o corte do Farmácia Popular, antes de ser um “desencaixe” acidental da democracia, na inacreditável definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista. A pouco mais de duas semanas das eleições, Bolsonaro está colhendo os frutos que plantou durante três anos e meio de ergofobia crônica e de orgulhoso darwinismo social. Só ele e seus ministros não sabiam a relevância que uma boa política pública pode ter no bem-estar da população“.