O estudante de direito Benedito Silva Junior, morador de Rolândia, no Paraná, era uma criança de nove anos em 2002 quando Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu presidente da República pela primeira vez. Mais de 15 anos depois, mesmo não conhecendo Lula pessoalmente, ele é um dos seus mais ativos defensores no Supremo Tribunal Federal (STF). Até agora apresentou três habeas corpus – o mais recente deles é do dia 26 de janeiro – para evitar uma eventual prisão do ex-presidente, condenado por corrupção, segundo revela reportagem de André de Souza, do Globo.
Casos como o de Benedito, em que uma pessoa sai em defesa de um investigado famoso mesmo sem ser seu advogado ou sequer conhecê-lo, são comuns nas altas cortes do país. Volta e meia aparecem habeas corpus do tipo. Além de Lula, é o caso também, por exemplo, do deputado Paulo Maluf, preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, e do empresário Joesley Batista, detido na carceragem da Polícia Federal em São Paulo.
As chances de êxito são mínimas: a praxe na corte é desconsiderar pedidos feitos por pessoas que não integram a defesa dos acusados. Dos três habeas corpus de Benedito, dois já foram negados pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, e um ainda não foi analisado. Mas ele não se desanima e mantém a confiança de que ainda conseguirá uma decisão favorável. Filho de um modelista de sapato e de uma cozinheira, Benedito é bolsista na universidade privada onde estuda, em Londrina (PR), a cerca de 40 km de casa, e pega uma van para poder estudar. Destaca que Lula melhorou o acesso ao ensino superior e tem uma avaliação positiva do seu governo, mas aponta argumentos técnicos em seus pedidos. Ele levou quatro dias, analisando leis e decisões do próprio STF, para embasar seu primeiro habeas corpus.
– A Constituição diz que ninguém será considerado culpado sem uma sentença condenatória transitada em julgado. Se existe a presunção de inocência do réu, por que tem que antecipar a execução da pena do mesmo? Quem vai devolver o tempo que ele vai ficar atrás das grades? – argumentou o estudante, apontando falhas no julgamento que considerou Lula culpado no caso do triplex no Guarujá (SP): – Você está num determinado lugar e três pessoas apontam para você. Pronto, aquele imóvel é seu. Se presume isso, se julga com base nisso, não tem prova.
Além de Benedito, outras seis pessoas, como o advogado John Lennon Silvestre de Melo, de Gravatá, Pernambuco, acionaram o STF ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para impedir uma eventual prisão de Lula. Ele já votou duas vezes no ex-presidente, mas diz que não usou qualquer argumento político ou ideológico em seu habeas corpus. Para o advogado, mesmo com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância – caso do ex-presidente -, há divergências quanto a isso e o mais correto é esperar o julgamento de todos os recursos. O habeas corpus já foi negado pelo vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, que, entre outras coisas, destacou que John não integra a defesa de Lula.
– A prisão prematura dele pode gerar conflitos sociais. O país está dividido em relação a essa questão. Não fiz um habeas corpus com a análise do mérito do processo do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenou Lula), porque eu não analisei o processo. Foi apenas como forma de resguardar a Constituição – disse John Lennon ao GLOBO.
O saldo, até agora, é ruim para os autores dos habeas corpus. Dos oito em nome de Lula no STF, Cármen Lúcia já negou sete. Dos três em favor de Joesley, dois foram negados e um aguarda decisão. No caso de Maluf, quatro pessoas diferentes apresentaram habeas corpus entre 21 de dezembro de 2017 e e 16 de janeiro de 2018, mas todos foram rejeitados. Um deles é de autoria do advogado Antônio José Carvalho Silveira, que diz ser “eleitor fanático” de Maluf e aponta falhas no julgamento do STF que resultou na condenação do deputado.
– Tenho 62 anos. Em todas as eleições do Maluf eu votei nele. Para deputado, para governador, tudo que tinha direito. Um habeas corpus qualquer cidadão pode apresentar. Preso já fez habeas corpus em papel higiênico. E tem conteúdo jurídico o meu pedido. Estou dizendo que tem prescrição pelo fato de ele ser maior de 70 anos – afirma o advogado.
Para tentar evitar uma nova decisão contrária, Benedito Silva Júnior, que apresentou habeas corpus em favor de Lula, chegou a destacar, por se tratar de um ex-presidente, qualquer cidadão brasileiro tem o direito de sair em sua defesa. Além dos reveses judiciais, os autores dos habeas corpus também vêm recebendo críticas fora dos tribunais, em especial dos adversários de Lula.
– Realmente o pessoal ficou bem surpreso e impressionado. Tive algumas dificuldades nestes últimos dias, porque o pessoal ficou meio assim… Teve muita gente que não gostou – relata Benedito.
No caso de Joesley, todos os três habeas corpus foram feitos por João Marcos Cosso, que possui registro de estagiário no cadastro nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O primeiro foi negado em 13 de novembro de 2017 pelo relator, ministro Gilmar Mendes. Cosso apresentou um novo pedido, em 26 de dezembro, já no recesso do STF, quando as decisões são tomadas pela presidente da corte. Dois dias depois, Cármen Lúcia negou, dizendo que era basicamente uma repetição do habeas corpus anterior. Não satisfeito, ele fez uma terceira tentativa em 23 de janeiro deste ano, mas não houve decisão ainda.
Ricardo Luiz Ferreira, um dos que agora saíram em defesa de Lula, já tinha apresentado um outro habeas corpus em 10 de outubro de 2017. Mas o favorecido era outro: o atual presidente, Michel Temer. Ricardo Luiz solicitava que uma parte dos deputados federais fosse impedida de analisar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer. O relator, ministro Edson Fachin, negou o pedido na época.