Em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que as idas do estudante de medicina Antônio Cristóvão Neto, o Queiroguinha, à pasta “não passaram de visitas comuns que um filho faz ao pai no ambiente de trabalho”. No entanto, documentos obtidos pelo GLOBO e depoimentos de testemunhas revelam que o jovem universitário de 23 anos esteve em Brasília por outra razão: intermediar a liberação de ao menos R$ 8,5 milhões de verba do Sistema Único de Saúde (SUS) para seis municípios da Paraíba, estado pelo qual pretende concorrer a deputado federal pelo PL, mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro.
No dia 9 de março deste ano, às 11h33, as catracas da entrada privativa do ministério da Saúde registraram a entrada de Queiroguinha e, na sequência, de três prefeitos da Paraíba. Eles subiram ao 5º andar para serem atendidos no gabinete de Queiroga. Entre os convidados, estava a prefeita de Riachão, Maria Da Luz Dos Santos Lima (PSDB).
— Foi bem proveitosa nossa ida ao Ministério da Saúde. Fui uma vez e gostei. Só não fui mais porque não estou indo para Brasília. O ministro prometeu um micro-ônibus, uma ambulância, e também uma emenda para equipamentos de raio-x e ultrassonografia — relata a prefeita.
Menos de um mês depois desse encontro, em 6 de abril, o ministro Marcelo Queiroga assinou uma portaria transferindo R$ 196 mil do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para o Fundo Municipal de Saúde de Riachão. Esse repasse foi seguido de outras transferências que totalizaram R$ 1,7 milhão. O FNS administra recursos destinados ao SUS.
O prefeito de Marinaldo da Cruz, de Logradouro, na Paraíba, também colheu dividendos da reunião no Ministério da Saúde junto com Queiroguinha. Após a visita à pasta, a sua cidade com cinco mil habitantes recebeu R$ 1,4 milhão do Fundo Nacional de Saúde.
— O ministro foi muito receptivo. Me recebeu muito bem, ele e toda a equipe dele — conta da Cruz, acrescentando: — Eu pedi um aparelho de ultrassonografia e também uns recursos de custeio. Tudo já foi pago.
No dia 2 de junho deste ano, o prefeito do município paraibano de Marizópolis, Lucas Gonçalves Braga (PSDB), conta que estava num jantar com Queiroguinha em Brasília quando foi levado ao encontro à sede do ministério da Saúde para “tirar uma foto com Queiroga”.
— A gente estava jantando e eu pedi ao Queiroguinha para tirar uma foto com o ministro. Aí ele ligou (para Marcelo Queiroga) e disse: “Pai, estou com um prefeito aqui que quer conhecer o senhor”. Ele (o ministro) disse: “Claro, meu filho, pode vir aqui no gabinete” — relembra o prefeito.
Após esse encontro, o município de Marizópólis foi agraciado com R$ 1,5 milhão de verba do FNS. — Se ele (Queiroguinha) ganhar a eleição, claro que é bom para mim. Porque aí eu tenho um amigo deputado, a quem a gente pode recorrer para qualquer coisa — diz Gonçalves.
O prefeito de Vista Serrana, Sérgio de Levi (MDB), também levou demandas ao ministro Marcelo Queiroga 13 dias após declarar, no dia 20 de maio, apoio a Queiroguinha para deputado federal. A visita ao gabinete do ministro aconteceu em 2 de junho. Um mês depois, em 2 de julho, Levi reforçou publicamente o seu apoio ao estudante de medicina. Procurado, Levi não retornou aos contatos. Questionada oficialmente, a prefeitura de Vista Serrana também não explicou qual foi o assunto da reunião no Ministério da Saúde nem respondeu se o prefeito recebeu promessa de recursos antes de declarar apoio a Queiroguinha.
Procurado, o ministro Marcelo Queiroga disse, por meio de nota, que “toda liberação de recursos orçamentários obedece a critérios técnicos, após rigorosa análise das áreas responsáveis, sem nenhuma interferência política” e que “os repasses acontecem de acordo com a aprovação do Orçamento pelo Congresso Nacional, sem priorizar nenhum estado”. Queiroguinha não retornou às tentativas de contato.
Nem todos os prefeitos da Paraíba têm acesso ao gabinete do ministro da Saúde e aos recursos da pasta. O município Tacima, de 10 mil habitantes, tem escassez de medicamentos e equipamentos nos postos de saúde da cidade, que não possui um hospital.
— Temos médicos, mas precisamos de medicamentos e aparelhos para fazer exames. Tem que ter aparelho aqui, porque hoje o gasto é grande com exame particular. A maioria do povo é doente, precisa de assistência — afirma o prefeito Luis Rodrigues Sobrinho, do PDT, acrescentando: — É preciso marcar uma reunião para resolver. Eu nunca consegui falar com o ministro — completa.
Nomes ocultados
No último dia 4 de julho, O GLOBO revelou que Queiroguinha tem acesso exclusivo ao governo. No último ano, ele esteve ao menos 30 vezes no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde. Metade dessas visitas ocorreu a partir de fevereiro, quando o estudante de medicinas se filiou ao PL e passou a concorrer a uma vaga na Câmara dos deputados. Nenhum desses encontros foi registrado em agendas oficiais.
As planilhas obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação foram encaminhadas, inicialmente, com os nomes dos acompanhantes de Queiroguinha rasurados. Também foram borrados os nomes dos funcionários do Ministério da Saúde que autorizaram as entradas.
Por meio de um novo pedido via LAI, porém, O GLOBO obteve acesso à íntegra das cópias das folhas de registro da entrada privativa do ministro, nos dias em que Queiroguinha esteve na pasta.
Os documentos mostram que, além do acesso livre ao gabinete do ministro, Queiroguinha também circulava bastante por outros setores da pasta, incluindo o gabinete do secretário-executivo da pasta, Daniel Meirelles, onde esteve em ao menos quatro ocasiões em encontros que duraram, em média, uma hora. Procurado, Meirelles disse ao GLOBO que “não se lembra” o que filho de Queiroga foi fazer em sua sala.
Integrantes e ex-funcionários do Ministério da Saúde relatam que Queiroguinha tem acesso livre a todos os gabinetes da pasta. O estudante de medicina tem, inclusive, os contatos dos principais assessores do pai e de alguns diretores do ministério, a quem ele costuma recorrer quando precisa interceder por um prefeito da Paraíba.
Após O GLOBO revelar a atuação de Queiroguinha no Ministério da Saúde, o Ministério Público Federal (MPF) passou a apurar se há indícios de tráfico de influência e de improbidade administrativa. Além da atuação em Brasília, o filho do ministro da Saúde tem participado de eventos do governo federal de lançamento de obras na Paraíba, como forma de turbinar a sua pré-campanha.
Em pelo menos duas cerimônias, ele falou como representante do Executivo, mesmo sem ocupar um cargo público, e prometeu colocar prefeitos em contato direto com o seu pai para tratar de liberação de recursos públicos.
Ao GLOBO, especialistas em Direito Administrativo e Direto Eleitoral afirmam que há, nesses casos, violações à lei eleitoral e aos princípios que regem a administração pública.
— Temos duas análises: Uma sobre os princípios que regem a administração pública, já que o filho não exerce qualquer função pública e mesmo assim se utiliza do cargo do pai em benefício próprio. Primeiro eu digo existir um flagrante violação aos princípios que regem a administração pública, principalmente o princípio da impessoalidade e da moralidade. E segundo há uma questão eleitoral. Ele, como pré-candidato, pode estar violando a legislação eleitoral ao passo que utiliza dessa proximidade com o pai, nos eventos, para fazer uma campanha antecipada. Temos aí uma vantagem indevida flagrante, que é o fato de ele se utilizar do cargo que o pai ocupa em benefício próprio — disse o advogado Pedro Henrique Custódio Rodrigues, que é mestre em Políticas Públicas e especialista em Direito Administrativo.