Um deputado estadual do Paraná comanda o tráfico de drogas no Estado. Um grupo de cubanos criou uma “conexão” que iria “pegar em armas” em Porto Alegre (RS) no julgamento de Lula. Centenas de integrantes do MST destruíram uma propriedade rural na Bahia, causando prejuízo milionário. Os presos da penitenciária da Papuda, em Brasília, ameaçaram estuprar políticos acusados de corrupção.
Curtidas e comentadas por milhares em redes sociais e aplicativos de conversa, todas essas afirmações são falsas. São exemplos recentes de fake news que poderão atingir um candidato nas eleições de 2018 e, por isso, preocupam o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Polícia Federal, que montaram um grupo de trabalho para discutir o assunto, de acordo com reportagem de Rubens Valente e Fábio Fabrini, da Folha.
A preocupação é com a velocidade com que o boato se dissemina na internet, inclusive com apoio de gente influente com milhares de seguidores, e com a dificuldade que o candidato terá para se defender em tempo hábil.
Exemplo da força de uma falsidade ocorreu em novembro, quando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi acusado, em vídeo de autoria desconhecida, de destruir uma fazenda em Correntina (BA). O vídeo mostrava pessoas colocando abaixo torres de energia elétrica.
Com 16,1 milhões de seguidores numa rede social, o humorista Danilo Gentili compartilhou o vídeo “MST ataca e destroem [sic] central de energia na Bahia” e cobrou uma posição “do jornalismo brasileiro”. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP), seguido por 504 mil, responsabilizou o MST em vídeo: “Já podemos afirmar que estamos sendo alvos de ataques terroristas no Brasil”.
Logo ficou claro que a depredação partira de um grupo de moradores da zona rural que discordava do projeto de irrigação da empresa agrícola.
O delegado da Polícia Civil que investiga o ataque, Marcelo Calçado, disse à Folha que já descartou a participação do MST. “Atualmente, as pessoas escrevem o que vêm à cabeça, mesmo sem ter ocorrido.”
No primeiro dia do ano, dois carros bateram na rodovia BR-471, em Santa Vitória do Palmar (RS). Oito pessoas morreram, incluindo três cubanos que estavam em um táxi. Um blogueiro escreveu que a “CIA e o FBI” investigavam o caso. Pouco depois, o site “Cristalvox” afirmou em manchete: “Fatalidade desmonta ‘Conexão Cubana’ que agiria com armas dia 24, em Porto Alegre”, data e local do julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Ouvido pela Folha, o delegado que investiga o acidente, Adam Lauxen, disse que “a notícia é falsa, sim”. “Na verdade aqui é uma rota migratória, até porque os EUA fecharam um pouco as portas lá. Os cubanos e alguns venezuelanos estão vindo para o Uruguai, alguns com intenção de entrar nos EUA. Não existiam armas no local, nada.”
O delegado acrescentou que nunca foi procurado por nenhuma autoridade norte-americana para tratar do assunto. Responsável pelo “Cristalvox”, o advogado Leudo Costa disse que as informações foram passadas por uma fonte. Costa disse que já publicou 4.000 textos, que tiveram 70 milhões de visualizações, e apenas um deles era fake news, sobre uma PM do Rio –o conteúdo foi retirado do ar, afirmou.
NARCOTRÁFICO
O sobrenome do deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PSB-PR), líder do governo Beto Richa (PSDB) na Assembleia Legislativa do Paraná, batiza uma transportadora de cargas da família. Em dezembro, a polícia rodoviária apreendeu perto de Naviraí (MS) um caminhão carregado de maconha. A quadrilha utilizou um adesivo da transportadora para tentar passar como uma empresa normal.
O caminhão não pertencia à empresa, os presos não eram funcionários dos Romanelli nem a polícia sugeriu qualquer ligação com o deputado.
Porém, dias depois um texto e um vídeo começaram a propagar que Romanelli era narcotraficante. Em apenas um perfil, foi visto 27 mil vezes.
Para o deputado, as fake news não têm a força que aparentam. “Tenho a impressão de que é uma bolhinha que flutua e da mesma forma que aparece, desaparece. Agora, quem é atacado tem que ter rapidamente a resposta. Acho que foi assim que consegui estancar essa hemorragia.”
O deputado atribui o ataque à sua posição contrária a um projeto local do “Escola Sem Partido”. Ele recebeu no celular diversas mensagens com ofensas –um mês antes da fake news, diz. A polícia ainda investiga a autoria do vídeo.
GEDDEL
Em setembro, o site “A Folha Brasil”, que usa logomarca semelhante à da Folha, publicou texto dizendo que presos da Penitenciária da Papuda, em Brasília, teriam ameaçado de estupro políticos encarcerados no local. A informação foi uma das bases para que a defesa do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) pedisse sua transferência do regime fechado para o domiciliar –o que foi negado.
Segundo o texto, os políticos teriam de prestar serviços sexuais e domésticos para líderes de facções criminosas. Dados apresentados foram desmentidos por uma juíza da Vara de Execuções Penais de Brasília. O site publicou outras falsidades, como “Bolsonaro é eleito o político mais honesto do mundo”, atribuindo a informação a entidade inexistente.
Advogado de Geddel, Gamil Föppel disse que o texto não foi o principal elemento de sua petição, mas uma suposta ameaça contra o ex-ministro recebida por uma sobrinha dele no celular. “Se aquilo é fake news, só quem pode dizer é e polícia.”
Nenhum dos casos relatados nesta reportagem resultou em prisão para os responsáveis por propagar fake news.