Um levantamento coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde o ano passado revela indícios de que a população carcerária nacional pode estar superestimada. O motivo seria a imprecisão na forma usada pelos estados para contar os presos. Em alguns casos, o detento é colocado em liberdade, mas a instituição não o retira imediatamente do sistema. Em outras situações, há transferência para um estado diferente, e o preso é contabilizado duplamente. Há, inclusive, presídios que contam os detentos de acordo com o número de refeições fornecidas no local. O número mais recente do governo federal é que havia 726.712 presos no país em junho de 2016, segundo reportagem de Carolina Brígida, de O Globo.
— A alimentação do sistema pelas varas criminais, ainda em andamento, vai indicando que os números com que se trabalhava até então não são precisos, o que confirma que só o Cadastro Nacional de Presos dotará o Brasil de um instrumento efetivo de exame da população carcerária — atesta o juiz Márcio Schiefler Fontes, integrante do CNJ responsável por consolidar o cadastro.
O levantamento deve ficar pronto em maio e deve trazer resultados mais precisos do que os atuais porque é feito a partir de um único parâmetro: as informações das Varas de Execuções Penais (VEPs) de todo o país. São contados os mandados de prisão realmente cumpridos, as decisões judiciais que libertaram presos e também as transferências de estabelecimento. Dados parciais já mostram uma tendência de que o número oficial de presos no Brasil seja menor do que o conhecido.
O cadastro terá informações individuais dos presos, com um número de identificação para cada um. Será possível saber, por exemplo, se o detento integra alguma facção criminosa, o crime cometido e a pena aplicada pela Justiça. Estará acessível também a localização física do preso. Atualmente, nem toda transferência é registrada pela VEP. Com isso, nem sempre o poder público sabe onde o detento está cumprindo sua pena.
Até agora, o único estado que contabilizou todos os presos é Roraima. Até dezembro do ano passado, acreditava-se que o estado tinha 2.010 presos. A realidade é que são 1.739 detidos —13,5% a menos do que se pensava.
Atualmente, São Paulo e Santa Catarina estão em fase de verificação de dados. Mesmo com o levantamento parcial, já é possível saber que a quantidade de presos é menor do que os 229.838 antes divulgados em São Paulo e os 20.751 de Santa Catarina.
O motivo na diferença dos dados é a forma de alimentação de cada cadastro estadual. Em alguns lugares, os dados se baseiam em mandados de prisão que nunca foram cumpridos. O Cadastro Nacional de Presos vai unificar os dados de todas as unidades da federação. Por exemplo, se alguém estiver foragido, com um mandado de prisão expedido em um determinado estado, a polícia de outro estado poderá prendê-lo porque terá acesso ao sistema.
VÍTIMAS TERÃO ACESSO
Será um banco de dados permanente, com detalhes sobre a população dos presídios de todo o país. Os juízes passarão a produzir esses mandados dentro do sistema, bem como as ordens de transferência ou de soltura. Com isso, o banco estará sempre atualizado.
— Para combater uma enfermidade, é necessário definir o tratamento. Para definir o tratamento, é necessário chegar ao diagnóstico. Para se chegar ao diagnóstico, é necessário fazer exames. Até agora, isso não tinha sido feito. O CNJ nasceu com uma vocação óbvia de enfrentar questões nacionais e, até hoje, não conseguiu chegar a uma solução para o problema dos presídios — afirma o juiz Márcio Schiefler.
O cadastro trará alguns benefícios imediatos. Um deles é automatizar a execução das penas. Se um preso estiver perto de receber um benefício ou de ser solto, o juiz receberá um alerta do sistema. Outra novidade será a possibilidade de a vítima do crime se cadastrar para acompanhar a execução da pena — ou seja, saber onde o criminoso está preso e quando ele será libertado.
As famílias dos detentos também terão acesso ao sistema para reclamar de qualquer irregularidade na execução da pena. Cada preso terá uma identidade nacional, com um número, para facilitar o acompanhamento da pena.
— É a única política nacional de Segurança do Brasil eficaz no momento. Nunca houve isso em outros lugares. Nenhum país com grande massa carcerário tem algo sequer parecido com isso — avaliou Schiefler.
Os juízes de todo o Brasil e os servidores do CNJ terão acesso ao sistema, além das famílias dos presos e as vítimas dos crimes. Os demais brasileiros poderão acessar dados estatísticos, mas não os dados pessoais de um determinado preso, se não tiver sido cadastrado como usuário do sistema. O cadastro não terá apenas os presos atuais, mas também quem já cumpriu a pena, ou quem já passou por um presídio e fugiu, por exemplo.