O Ministério Público Federal (MPF) reforçou o pedido de condenação do deputado federal Aécio Neves pelo crime de corrupção passiva. O parlamentar é acusado de receber R$ 2 milhões do então presidente da J&F, Joesley Batista, em 2017, quando ocupava o cargo de senador. A propina, entregue em dinheiro vivo em quatro parcelas, foi levada dentro de malas de São Paulo até Minas Gerais. A maior parte dos pagamentos foi flagrada e filmada pela Polícia Federal durante as investigações. O MPF também requereu que Aécio perca o atual mandato de deputado federal. Os pedidos fazem parte das alegações finais apresentadas pelo Ministério Público, que constituem a última etapa do processo antes do julgamento.
Além de Aécio Neves, responde pelo crime a irmã, Andrea Neves da Cunha, que inicialmente solicitou a quantia ao empresário em nome do parlamentar. Também foram denunciados Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima, responsáveis pela retirada das parcelas de R$ 500 mil e pelo transporte dos valores até a capital mineira. O pagamento da propina foi confirmado por Joesley Batista e por Ricardo Saud, ex-diretor da J&F, e confessado por três dos acusados. Provas reunidas no processo confirmam que Aécio Neves reiterou pessoalmente o pedido de dinheiro feito antes por sua irmã. É o que mostra uma gravação realizada por Joesley em um encontro com o ex-senador, na qual o parlamentar combina a entrega das parcelas a seu primo Frederico de Medeiros.
Em sua defesa, o ex-senador alegou que os R$ 2 milhões foram recebidos a título de empréstimo, mas não soube explicar por que não foi elaborado nenhum tipo de contrato que documentasse o negócio e sustentasse sua legalidade. Também não foi esclarecida a razão pela qual esse grande volume de dinheiro foi transportado em espécie e não transferido por meio do sistema bancário.
Corrupção passiva – O MPF não tem dúvidas de que o caso denunciado configura corrupção passiva. O crime, previsto no artigo 317 do Código Penal, é cometido quando o agente público solicita ou recebe vantagem indevida, não sendo necessária a comprovação de que tal vantagem levou a um ato funcional específico por parte dele. Segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal que recebeu a denúncia contra Aécio Neves e os demais acusados, para a imputação de corrupção passiva basta “uma vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público, passando este a atuar não mais em prol do interesse público, mas em favor de seus interesses pessoais”.
A intenção do presidente da J&F com os pagamentos era “comprar boas relações” com o então senador e contar com ele como importante aliado político. Assim, ainda que não seja possível indicar com precisão os favores que o empresário teria recebido em troca, fica evidente a mercantilização da função de senador da República, “a qual, ao fim e ao cabo, acarreta a inversão do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado”, ressalta o procurador da República Rodrigo de Grandis, autor da manifestação do MPF. “Dessa forma, o que se incrimina é uma espécie de simbiose nefasta entre o público e o privado que dispensa a ocorrência de qualquer contrapartida por parte do agente público, sendo suficiente a mera potencialidade do ato funcional”.
Em suas alegações finais, além de pedir a condenação dos quatro acusados pelo crime de corrupção passiva, o procurador também solicitou que Aécio e Andrea Neves sejam obrigados a devolver os R$ 2 milhões recebidos em propina e a pagar R$ 4 milhões para reparação dos danos morais decorrentes da corrupção.
Obstrução à justiça – A denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em junho de 2017 incluía, além da corrupção passiva, o crime de obstrução à Justiça. Segundo o documento, o ex-senador teria tentado impedir e embaraçar investigações contra altas autoridades políticas do país, conduzidas à época pela Operação Lava Jato, por meio de interferências na Polícia Federal e ainda pela aprovação de medidas legislativas que inviabilizavam as apurações. As acusações foram recebidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2018 e depois remetidas à primeira instância da Justiça Federal devido ao fim do mandato de Aécio Neves como senador.
Nas alegações finais, o MPF solicitou a absolvição do parlamentar em relação a esse crime. No entendimento do órgão, não ficou comprovada a hipótese de que ele direcionou delegados da Polícia Federal para atuar em investigações policiais de seu interesse, com a intenção de obter algum benefício. Sobre a atuação do então senador para aprovar projetos de lei que impediriam a apuração e a efetiva punição de crimes, como a lei da anistia do chamado caixa dois eleitoral, o MPF considerou que tais atos não são vedados pelo ordenamento jurídico, ainda que possam constituir desvio do ponto de vista ético.