O aumento do número de casos de covid-19 no Brasil desde o fim do ano passado demonstra como a ômicron consegue uma disseminação capaz de torná-la a variante predominante em uma localidade ao longo de poucas semanas.
De acordo com matéria originalmente publicada pelo UOL, especialistas apontam que, além do maior poder de transmissão da variante, a chegada da ômicron coincidiu com o período de festas e aglomerações de fim de ano. Além disso, sem restrições internacionais ou mesmo locais, contou com várias portas de entrada e liberdade para se espalhar em uma velocidade até então inédita no país.
Os primeiros casos de ômicron no Brasil foram confirmados em 30 de novembro, de duas pessoas com histórico de viagem à África do Sul. A partir dali, as notificações cresceram. O vírus passou a circular pelo país. Até que, em 5 de janeiro, a plataforma “Our World in Data” informava que a variante causava mais da metade dos casos no Brasil. Hoje, a cepa responde por 97% dos casos suspeitos de covid-19 no país.
Segundo dados do painel do programa Genomacov, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) —que reúne amostras de pacientes de todo o país—, seis estados já confirmam que ao menos 90% dos casos de covid-19 são causados pela ômicron: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas e Roraima.
Em São Paulo, esse percentual alcança 99,9% das amostras mais recentes, o que indica uma circulação praticamente exclusiva de ômicron.
Especialistas apontam que outros estados provavelmente possuem percentuais altos da variante, mas ainda apresentam números baixos por falta de sequenciamento. “O caso agora é a falta de uma uniformidade, com alguns estados com baixa representatividade em termos de genomas sequenciados”, explica o virologista Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia.
Velocidade de disseminação
A velocidade do avanço da ômicron surpreende até quem estava em Manaus em janeiro de 2021, em meio à disseminação da variante gama. Até o final de dezembro, pouco antes da chegada da cepa, as amostras ainda indicavam como predominante a variante delta.
Naveca, que descobriu a gama, afirma que o poder de contaminação da variante levou o sistema de saúde do Amazonas ao colapso. Porém, enquanto a gama e a delta levaram ao menos três meses para se tornarem predominantes, a ômicron precisou de apenas um.
“Estamos juntando os dados para escrever um artigo sobre como a ômicron conseguiu varrer a delta em uma cidade com alta imunidade híbrida [vacinados + contaminações prévias]”, diz Naveca sobre Manaus. “Ela é uma VOC [variante de preocupação] ainda mais transmissível, o que é sugerido pelas mutações observadas; mas vemos isso mais ainda pelo dado real: onde ela chegou, passou a ser dominante rapidamente”, explica.
A aceleração de casos no estado já começa a ser sentida na rede hospitalar, que registra um crescimento de 5 (em 11 de janeiro) para 125 (em 20 de janeiro) internações pela covid-19 em apenas nove dias.
Para Naveca, assim como ocorreu em 2020, na chegada do SARS-CoV-2, a ômicron não teve apenas uma porta de entrada no Brasil. “Provavelmente tivemos múltiplas introduções [da ômicron] no país, o que facilita que algumas tenham sucesso em se espalhar”, afirma.
“Mundialmente, a ômicron chegou em hubs importantes como Reino Unido e EUA. Não fechamos as portas para esses países. Mesmo assim, acho que teria pouca eficácia. Passaporte vacinal e um teste de PCR negativo seriam muito mais eficazes”, diz Naveca. “Ainda fechamos as portas para países africanos, que nem têm tanta conexão com o Brasil —o que não teve tanta importância em impedir a disseminação viral.”
No caso do Brasil, essa chegada no final de ano foi o que a ômicron precisava para se dispersar rapidamente”.
Ômicron refaz rota da gama no RS
No Rio Grande do Sul, a ômicron prevalece em 90% dos casos, segundo dados do Genomacov. O virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, explica que o espalhamento da variante no estado seguiu o mesmo roteiro da gama no início de 2021.
“Com a gama, a gente viu que houve uma introdução precoce, com o vírus circulando no Rio Grande do Sul, em alguns casos, antes do final de janeiro [de 2021]”, explica.
Depois dali a gente foi ter uma disseminação importante a partir do movimento e da concentração de pessoas no litoral. Foi muito relacionado a um descuido de jovens, de encontros de beira de praia, grandes festas etc.. Isso levou uma irradiação para o restante do estado. Dessa vez foi muito similar”.
Spilki acredita que a transmissão comunitária da ômicron ganhou impulso nas festas de fim de ano, especialmente no Réveillon. “A gente já começava a ver um aumento de casos no Natal, mas depois veio a explosão a partir do Ano Novo. Agora a gente está vendo isso nas regiões metropolitanas das regiões mais populosas, que registram 100% de ômicron. No interior e na região central também já temos níveis altos”, relata.
Hoje, a média móvel de casos do Rio Grande do Sul é recorde da pandemia, com 11 mil confirmações a cada 24 horas, segundo dados do dia 20 (quando foram 18 mil novos casos confirmados).
“Se a gente tivesse um controle melhor, uma adesão melhor da população, uma consciência melhor das pessoas em relação à necessidade cuidados –especialmente em face de uma nova variante–, a gente evitaria repetir esse processo. É um caso de um estado, mas exemplifica bem o que a gente vê do ponto de vista nacional”.
Roteiro igual ao de 2020
O pesquisador e neurocientista Miguel Nicolelis foi um dos autores do estudo que mostrou como o novo coronavírus se espalhou pelo país no início de 2020. À época, ele apontou três fatores decisivos:
- A chegada e irradiação de 16 metrópoles, em especial São Paulo, para o interior do país;
- A livre circulação de pessoas (e do vírus) pelas rodovias;
- A falta de medidas efetivas de controle, como um lockdown nacional;
Agora, diz Nicolelis, o Brasil não só repetiu os erros, como os ampliou.
“É muito provável que tenhamos repetido: ela deve ter entrado pelos aeroportos internacionais, começa a transmissão comunitária nas cidades mais próximas deles e a rota de difusão é pelas estradas. Além do mais, o espaço aéreo está totalmente aberto”, afirma.
“Uma coisa que vimos em 2020 e podemos ver de novo é o efeito bumerangue: o vírus chega no interior, os casos explodem e ele retorna para as capitais por gente infectada que requer hospitalização”, diz.
Como as pessoas estão se infectando com a ômicron é impressionante. A OMS [Organização Mundial de Saúde] já diz que esse pode ser o vírus mais transmissível do mundo. Veja o que ocorre com Portugal, Israel, que têm taxas de vacinação maiores que o Brasil. Essas nossas taxas de vacinação não seguram a ômicron, por isso que ela está desafiando a lógica”.