O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira, 27, sessão presencial para julgar uma ação do governo que pede a suspensão da desoneração da folha de pagamento das empresas. A medida beneficia os 17 setores que mais empregam no País.
Como o ministro Ricardo Lewandowski é relator do caso, ele tem a prerrogativa de incluir listas de julgamentos na pauta do Supremo, que são processos definidos pelos relatores como de aplicação automática da jurisprudência da Corte, sem debates mais extensos. Embora já haja data definida para retomar o julgamento em sessão presencial, o presidente do Supremo, Luiz Fux, pode alterá-la e postergar a análise da ação.
A política de desoneração originalmente acabaria no fim de do ano passado, mas o Congresso decidiu prorrogar a medida até 31 de dezembro 2021 sob o argumento de que os efeitos da pandemia seriam agravados para setores beneficiados pela medida, como construção civil, tecnologia da informação, transporte coletivo urbano rodoviário e metroviário, comunicação e têxtil. Bolsonaro vetou a medida, a pedido da equipe econômica, mas o Congresso derrubou o veto.
A Advocacia-Geral da União (AGU) moveu uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para derrubar a medida. O relator do caso já apresentou um parecer pela permanência da desoneração e contra a ação do governo.
Enquanto a ação não vai à votação, o termômetro no Supremo em torno da pauta muda gradualmente. Os juízes auxiliares dos ministros passaram a avaliar que é necessário manter a decisão do Congresso de derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro. Quando o caso foi pautado para julgamento na semana passada, a tendência entre os ministros era de aguardar o voto do relator para pensar em cenários que preferencialmente não desfavorecessem o governo, porque derrotas sucessivas da União poderiam causar desequilíbrios nas contas públicas, pressionar o teto de gastos e desgastar a relação institucional.
O caso foi retirado da pauta do plenário virtual (plataforma em que os votos são apresentados à distância, sem discussão) na sexta-feira, 15, pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo interlocutores dos magistrados no Supremo, Fux avalia se manterá a data escolhida por Lewandowski.
Para servidores da corte próximos ao ministro, é necessário pautar o julgamento quanto antes, mesmo com o calendário de votações completamente preenchido por outros processos até o fim do ano. Caso a ação não seja julgada este ano, ela perderá objeto, ou seja, não terá mais validade, uma vez que a discussão foca na prorrogação do benefício fiscal até dezembro.
Em outra frente, a Câmara analisa um projeto de lei que determina uma nova prorrogação da desoneração, dessa vez até 2026. Uma ala da Câmara tenta pressionar o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), e a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputada Bia Kicis (PSL-DF), a acelerar o projeto da nova prorrogação.
O deputado Jerônimo Goergen (Progressistas-RS), que relatou o projeto na Comissão de Finanças e Tributação, disse que o governo pediu para que o projeto que estabelece um teto para os precatórios seja votado antes da desoneração.
“A Bia trouxe uma informação de que conversou com (o ministro da Economia) Paulo Guedes e ele admitiu que passando o projeto dos precatórios vai ter base orçamentária para prorrogar a desoneração”, disse o deputado do Progressistas ao Estadão.
No entanto, defensores da iniciativa argumentam que a modalidade de simplificação tributária, com as alíquotas atuais, existe há cinco anos e que não seria uma situação extraordinária fazer a prorrogação.
“O caixa do governo já está acostumado com essa desoneração há cinco anos. É injusto não prorrogar e vamos criar um baque econômico nesses 17 segmentos muito importantes. Em vez da geração de emprego, vamos ter o efeito do desemprego”, alertou o deputado Marcos Bertaiolli (PSD-SP), coordenador da Frente Parlamentar pelo Empreendedorismo.
O presidente da Câmara tem evitado se posicionar sobre a medida. Na semana passada, em entrevista à rádio Bandeirantes, Lira citou as visões das alas a favor e contra prorrogar a desoneração e afirmou que falta consenso. “Nós estamos com essa dificuldade do espaço orçamentário. Há uma tese que diz que isso não conta (nas contas públicas), há uma tese que diz que isso conta, mas toda nossa boa vontade em discutir a matéria.”
A desoneração está em vigor desde 2011 e beneficia os 17 setores que mais empregam no País ao reduzir os encargos cobrados sobre os salários dos funcionários. Em 2016, a modalidade passou a ser opcional e as alíquotas mudaram. Atualmente, a medida tem validade até 31 de dezembro de 2021.
Projeto de lei de autoria do deputado Efraim Filho (DEM-PB) prorroga a benefício até 2026. O texto tramita hoje na CCJ da Câmara. Como forma de diminuir as resistências, defensores da medida falam em diminuir o prazo da prorrogação, que pode ser de três anos em vez dos cinco previstos hoje no projeto.
O relator do projeto na CCJ é o deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), que chegou a apresentar um parecer pela aprovação da medida, mas depois recuou e recolheu o texto para analisar melhor o impacto orçamentário. Aliados do relator têm afirmado que ele não pretende divulgar o parecer nesta semana e que aguarda definições sobre o impacto orçamentário . Por outro lado, os defensores da desoneração pressionam para que a iniciativa seja votada o quanto antes.
Os deputados Marcos Bertaiolli e Jerônimo Goergen fazem pressão pela aprovação da iniciativa. Os defensores do projeto avaliam que sobra pouco tempo para o texto ser votado. O benefício perde a validade no fim de 2021 e restam aproximadamente dois meses para o recesso parlamentar.
Os parlamentares tentam um acordo com a presidente da CCJ para que o projeto seja pautado. Empresários que necessitam da desoneração para manter os empregos também tem procurado a deputada, mas ela ainda não deu previsão de marcar a votação. Arthur Lira também tem sido cobrado para fazer o texto avançar na Câmara. O relator Marcelo Freitas reforçou que ainda não há acordo para fazer o texto avançar. “Estamos aguardando o consenso necessário para pautar a matéria”, disse ao Estadão.
A desoneração beneficia as empresas porque reduz os encargos trabalhistas que são pagos por elas. A medida consiste em trocar os tributos sobre os salários dos empregados por uma alíquota sobre o faturamento. Hoje, essas empresas podem escolher: ou pagam 20% de contribuição previdenciária sobre os salários dos funcionários ou uma alíquota que vai de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto.
Arthur Lira afirmou na quinta-feira, 14, que o Congresso analisa alternativas para que a desoneração seja permanente em vez de apenas prorrogar por mais anos.
Marcos Bertaiolli concorda com a ideia, mas ressaltou que há urgência para aprovar o projeto de lei que tramita na Câmara. Para ele, a alternativa para uma desoneração permanente deve ser avaliada com calma a partir de 2022, após o projeto de prorrogação ser aprovado.
O deputado do PSD disse que pretende trabalhar e falar com o relator para suavizar o texto atual e fazer com que ele tenha mais aceitação do governo. “Não precisa ser cinco anos (de prorrogação). Estamos apoiando o projeto do Efraim que prorroga a desoneração. Podemos negociar essa prorrogação por mais um, dois ou três anos”.
E completou: “O que importa é que a gente utilize esse tempo de prorrogação para uma solução definitiva haja vista que nós apoiamos incondicionalmente a desoneração da folha da pagamento”.
O projeto foi aprovado há um mês pela Comissão de Finanças e Tributação, mas segue sem perspectiva de ser votado na CCJ. Questionada pelo Estadão, a deputada afirmou que ainda não há data prevista para votar o projeto na CCJ, mas ressaltou que tenta construir um acordo. “Ainda não tem previsão, estamos trabalhando nisso”, declarou.
O argumento do time de Paulo Guedes contra prorrogar a desoneração é o impacto que pode ter nas contas públicas, pois significa redução da arrecadação federal. Por outro lado, empresários dizem que sem essa condição haverá demissões.
Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), alertou para os efeitos negativos do fim da medida.
“No nosso setor de tecnologia da informação e telecomunicações há uma previsão de demissão de quase 490 mil pessoas. Vamos ter que demitir e metade (das empresas) vai quebrar. Se não tem trabalhador, não produz, se não produz, não fatura e quebra”, afirmou.
A presidente da Feninfra também disse que o assunto precisa ser resolvido para que os empresários possam se planejar.
“Temos que definir investimentos, fazer planejamento, treinamento e qualificação de mão de obra. Temos que comprar galpão, ampliar galpão. Investimentos que têm que ser planejados. É impossível, estamos no meio de outubro e não temos previsibilidade”, declarou.
O empresário Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), defendeu a construção de uma solução definitiva para a desoneração, evitando que ela tenha que ser prorrogada sucessivas vezes.
“A CNS representa dois grandes setores: TI e Call Centers. Estamos dando todo o apoio para esses setores continuarem sendo desonerados, mas a gente quer que isso seja feito com a melhor condição e não precise todo ano renovar a desoneração”, disse.