Uma igreja em Ouro Preto (MG), com obras do escultor Aleijadinho, vive de portas fechadas, à espera de reforma. Em Iguape (SP), o Sobrado dos Toledos, do século 19, está sem telhado e parte das janelas. O restauro da Vila Inglesa, em Paranapiacaba (SP), tinha conclusão prevista para novembro de 2016, o que não ocorreu. Já em Olinda (PE), um cinema centenário, coberto de pichações, vive um imbróglio para definir que ente público vai assumir sua reforma. Pelo Brasil, o patrimônio histórico e artístico sofre com a restrição de verba pública e de equipe especializada – quadro que se agravou nos últimos anos, segundo reportagem de Priscila Mengue e Leonardo Augusto, do Estadão.
Responsável por fiscalizar cerca de 80 mil bens tombados, 590 mil imóveis no entorno de tombamentos e mais de 26 mil sítios arqueológicos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem 1.049 funcionários, o que inclui terceirizados e emprestados de outros órgãos federais. Hoje, há 516 cargos vagos – boa parte de mão de obra qualificada, como antropólogos, bibliotecários e especialistas em conservação.
“Se nada for feito, a instituição simplesmente fecha as portas”, disse Kátia Bogéa, presidente do Iphan, na Câmara dos Deputados, em novembro. Procurado pela reportagem, o instituto enviou carta, em nome da diretoria. “Várias áreas já estão sofrendo com a carência de recursos humanos”, aponta o texto.
No comércio perto das igrejas fechadas em Ouro Preto, o movimento é menor e comerciantes calculam prejuízos. “Com igreja fechada, o turista não desce para cá”, conta Maria Aparecida Silva, dona de uma mercearia.
A Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, fechada para restauro desde 2014, vive a situação mais dramática. Parte do muro do adro cedeu e o teto corre risco de desabar. “Quando vim para cá, há dez anos, uma das prioridades era reforma essa igreja, o que até hoje não aconteceu”, diz o padre Marcelo Moreira, responsável pela paróquia do bairro onde fica o imóvel.
Na entrada do templo, uma imagem de São Miguel e um painel representando o purgatório – trabalhos atribuídos a Aleijadinho, mestre do barroco mineiro do século 18 – estão deteriorados. As peças sacras foram retiradas do local e sobrou no altar só a imagem do Bom Jesus crucificado, que não pôde ser removido de lá.
Toda a obra é estimada em R$ 3,5 milhões. O projeto está em fase final de aprovação, com verba do Iphan e da prefeitura para, depois, definir prazos. O restauro, segundo o Iphan, já foi colocado entre os prioritários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas.
Há oito anos. A ação federal de apoio à recuperação do patrimônio histórico foi lançada em 2009 na cidade de Ouro Preto, mas só quatro anos depois houve definição dos municípios contemplados. A previsão inicial para entrega de todos os projetos, de acordo com o instituto, era até 2018.
Segundo balanço de outubro do Iphan, 36 das 423 obras do PAC haviam sido entregues; outras 2 foram concluídas em novembro. A verba federal prometida para esse pacote era de R$ 1,6 bilhão. De 16 ações no Estado de São Paulo, cinco foram entregues e sete sequer começaram.
É o caso do Sobrado dos Toledos. Único exemplar neoclássico de Iguape, foi erguido no século 19, com porcelana do Porto na fachada, por um dos homens mais poderosos do Vale do Ribeira. Nos últimos cem anos, sediou clubes, bar, cinema e até danceteria. “Era local da burguesia. Tinha casamento, baile de debutante, sempre se apresentavam conjuntos conhecidos da cidade”, diz a comerciante Marilene Martins, de 56 anos.
Mas moradores são pessimistas sobre o restauro. “Só acredito vendo. Outros já se foram, não cuidam, só vai caindo”, afirma o comerciante Luiz Franco, de 50 anos.
A prefeitura de Iguape não comenta a situação do Sobrado. Já a paróquia local, responsável pelo imóvel, alega que o restauro é caro. “Iguape não tinha nem capacidade de contratar projetos. Tivemos de tomar a frente para viabilizar”, diz o responsável pelo PAC no Iphan, Robson de Almeida. O edital de licitação para a obra do sobrado ficou aberto até sexta-feira.
Em Paranapiacaba, Santo André, na Grande São Paulo, o campo do Serrano, um dos mais antigos gramados de futebol do País, tem mato alto e a arquibancada sem pedaços. A Vila Inglesa, com 242 antigos imóveis de operários, espera a “adequação do contrato” do restauro, informa a prefeitura. Diz ainda que planilhas de custo de outras obras estão em análise pelo Iphan.
Para Almeida, os principais motivos da demora nas obras são as “fragilidades dos municípios e os contingenciamentos”, que limitam contratações. O Ministério da Cultura, ao qual o Iphan é ligado, diz otimizar “a gestão de suas instituições” na estrutura atual. Já o Planejamento, em cenário fiscal restritivo, descarta concurso público.
Olinda. Imóveis com aparentes sinais de abandono estão espalhados pelas ladeiras e ruas de pedra em Olinda, na Grande Recife. Os motivos da deterioração se repetem: falta de verba para restauro e até a disputa entre governos sobre a responsabilidade das obras.
É o caso do Cine Olinda, prédio no estilo art decó de 1911. A prefeitura afirma que, por um convênio firmado há um ano, a responsabilidade é do Estado. A Fundação do Patrimônio Histórico de Pernambuco, por sua vez, alega que o convênio não foi assinado.
Para Fernando Lima, do escritório do Iphan de Olinda, conflitos entre diferentes esferas atrapalham. “As legislações (federal e municipal) têm mais de 30 anos e precisam ser atualizadas.”
Interditados desde 2015, o Seminário e a Igreja Nossa Senhora da Graça, dos séculos 16 e 17, também não têm reabertura prevista. Com isso, os turistas se frustram. “Fica a sensação de querer conhecer mais sobre a história e a cultura e não poder”, reclama o carioca Leandro Miller, de 27 anos.
A Secretaria Municipal de Patrimônio e Cultura diz que os problemas são resultado de anos de falta de manutenção. O município foi contemplado com R$ 62 milhões do PAC Cidades Históricas para 14 ações, mas não será suficiente para intervenções em todos os equipamentos públicos. Procurado pelo Estado, o Iphan disse que não seria possível informar sobre o andamento de cada obra com apoio federal em Olinda até o fechamento da edição.
Mas nem todos os imóveis vivem em total falta de perspectiva. Após cinco anos interditada, a Igreja do Bom Jesus do Bonfim está em obras desde junho. Orçada em R$ 2,9 milhões, com recursos do PAC, a reforma do imóvel do século 18 deve ficar pronta em julho.
Segundo Robson de Almeida, responsável pelo PAC Cidades Históricas no Iphan, o prazo de entrega até 2018 de todas as obras do programa no País “foi falado, mas nunca estabelecido oficialmente”. Almeida estima que, se os recursos foram encaminhados no ritmo atual, a conclusão de todas os projetos deve ocorrer somente em 2020.
No caso do PAC, um dos obstáculos para o desenvolvimento dos trabalhos de restauração era o fato de não haver projetos prontos de antemão para captar financiamento, diferentemente do que acontece em áreas de infraestrutura.