O recebimento de um órgão após uma longa fila de espera não é o fim da batalha pela vida por uma pessoa transplantada. Os pacientes que se submetem a esse tipo de cirurgia precisam tomar uma série de medicamentos para evitar a rejeição ou até mesmo a morte. A distribuição desses remédios, os chamados imunossupressores, é de responsabilidade do governo federal. Na Paraíba, a Secretaria de Saúde do Estado afirma que essa entrega tem ocorrido de forma atrasada e em quantidade reduzida, prejudicando o tratamento de mais de 1.300 pacientes transplantados.
Segundo reportagem do jornalista Jhonathan de Oliveira, do Jornal da Paraíba, as regras para assistência farmacêutica foram estabelecidas na portaria 1554 do Ministério da Saúde, de 2013. No documento, fica determinado que a aquisição dos principais medicamentos para transplantados, o micofelonato de sódio e o tacrolimo, fica a cargo do governo federal. Eles são indicados para pacientes que passaram por transplantes renais, de fígado e outros órgãos.
“Atualmente o estado da Paraíba atende 1.323 pacientes transplantados, no entanto há um ano o Ministério da Saúde vem atrasando e diminuindo o quantitativo do abastecimento do medicamento tacrolimo 1mg e micofenolato de sódio de 180 e 360mg aos estados, deixando assim pacientes preocupados com essa situação”, afirmou a diretora Centro Especializado de Dispensação de Medicamentos Excepcionais (Cedmex) da Secretaria de Saúde, Gilcélia Maria Menezes.
Repasse deveria ser trimestral
Conforme a portaria 1554, esses repasses de medicamentos devem ser feitos de forma trimestral e as entregas precisam acontecer antecipadamente. A quantidade é aprovada pelo próprio ministério, e a distribuição deve ser feita sempre entre os dias 10 e 20 do mês anterior à abertura do período. Por exemplo, para o trimestre de janeiro a março, os estados precisam receber os remédios em dezembro.
Um relatório do Cedmex encaminhado ao JORNAL DA PARAÍBA mostra que todas as entregas de tacrolimo e micofenolato de sódio de 2017 foram feitas fora do prazo legal, em alguns casos quase um mês depois do previsto pela portaria. Os do atual trimestre só começaram a chegar no começo de outubro e a demanda ainda não foi atendida na plenitude.
A Secretaria de Saúde esperava 154.400 comprimidos de tacrolimo de 1 mg, mas ainda faltam ser entregues mais de 61 mil unidades. No primeiro semestre, faltaram mais de 5 mil comprimidos. No caso do micofelonato de sódio, ainda restam ser entregues mais de 38 mil comprimidos da quantidade prevista para o último período do ano.
“Todos os trimestres ocorreram atraso na entrega. A quantidade a partir do terceiro trimestre foi reduzida, prejudicando o tratamento dos usuários, correndo o risco de rejeição do órgão”, pontuou a diretora do Cedmex.
Medicamentos são para a vida toda
“Os medicamentos imunossupressores precisam ser tomados durante toda a vida pelas pessoas transplantadas”. O alerta é do médico hepatologista José Eymard Medeiros Filho, que coordena a área de transplante de fígado em dois hospitais privados de João Pessoa e também no Hospital Universitário Lauro Wanderley.
Eymard explica que os remédios começam a ser tomados logo após a cirurgia e o tratamento não deve ser interrompido. “Se eles faltarem um dia, é uma coisa, se faltarem por muito tempo, é outra coisa. Isso pode gerar uma rejeição, a perda do órgão, e coloca a vida do paciente em risco”, ressaltou.
O médico lembrou que as medicações são de altíssimo custo e mesmo que os pacientes queiram e possam pagar, eles não vão ter condições de fazer a aquisição, pois eles não vendidos nas farmácias comuns. A comercialização é feita de forma direta entre os fabricantes e o governo .
O que diz o governo federal
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde disse em nota que “os estados brasileiros estão abastecidos dos imunossupressores”. A pasta não respondeu sobre o atraso e quantidade reduzida dos comprimidos que foram divulgadas pelo Cedmex da Paraíba.
Já em uma publicação feita em seu site oficial, o Ministério diz que “tem enfrentado os interesses do mercado farmacêutico”. E explica que as duas últimas aquisições dos imunossupressores tacrolimo e micofenolato de sódio, por exemplo, geraram uma economia anual de R$ 176 milhões.
No caso do tacrolimo, a publicação do Ministério da Saúde confirma problema na distribuição, mas diz que isso aconteceu por conta de uma decisão judicial que encerrou a Parceria de Desenvolvimento Produtivo que produzia e fornecia o medicamento ao Ministério. “Foi feito um novo processo de compra e as entregas já estão ocorrendo em todo o país. Com a nova negociação, a empresa vencedora ofereceu 80% de desconto em relação ao preço anterior do medicamento, uma redução anual de R$ 122 milhões no custo para o SUS”, alega o órgão.