“Nos termos da teoria dinâmica do ônus da prova, compete ao Município de Cabedelo comprovar o comportamento funcional dos Guardas Municipais daquela localidade, capaz de impedir a progressão funcional prevista no artigo 14 da Lei Municipal nº 1.292/2006; aplicando-se esta tese para qualquer Município que adote lei com a mesma redação no Estado da Paraíba”. Essa foi a tese jurídica fixada pelo Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0809737-05.2020.8.15.0000. A relatoria do processo foi do desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque.
O IRDR foi instaurado nos autos da Apelação Cível n° 0801454-36.2017.8.15.0731, com a finalidade de definir, por meio de tese jurídica, de caráter vinculante, a quem incumbirá o ônus probante relacionado ao elemento subjetivo previsto no artigo 14, §2°, da Lei Municipal de Cabedelo n° 1.292/2006, que trata da progressão funcional dos guardas municipais daquela cidade. Com a admissão do incidente, foi determinada a imediata suspensão de todos os processos, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado, que versem sobre a matéria, nos termos do artigo 982, I, do Código de Processo Civil (CPC).
A Lei Municipal de Cabedelo n° 1.292/2006, que trata da progressão funcional dos guardas municipais, prevê interstício mínimo de três anos ininterruptos na classe anterior e de cinco anos para as Classes VI, VII e Especial, bem como a exigência de, no mínimo, o comportamento Bom. O relator do processo explicou que o cerne da questão reside na distribuição do ônus da prova, qual seja, o de avaliar se o guarda municipal possui ou não “bom comportamento”.
“No caso em exame, alio-me a corrente no sentido de que, exonerando-se o autor de seu ônus “probandi” de comprovar o preenchimento do interstício mínimo legalmente exigido, compete ao Município desconstituir o direito aduzido na peça de ingresso, mediante a demonstração de que teria o autor incorrido na hipótese legalmente disciplinada, apta a afastar a obtenção da progressão requerida”, ressaltou o relator em seu voto. Segundo ele, caso se adote entendimento contrário, eventual inércia da administração em proceder à avaliação de desempenho, exigiria do servidor a produção de prova diabólica ou de dificílima produção.
“Destaca-se que a prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida, por exemplo, a prova de fato negativo; neste caso, o agente de segurança municipal de Cabedelo, não tem como provar que o seu comportamento é bom ou ruim, desde que, a prefeitura é a única detentora dos arquivos e ficha funcional do funcionário com os registros de sua vida funcional e todas as anotações a respeito de seu desempenho e de sua conduta no trabalho de Agente de Segurança Pública”, esclareceu o desembargador Marcos Cavalcanti.
De acordo com o relator, exigir que o autor comprove dados que não tem posse, ao contrário, estão sob o poder da repartição, é exigir que ele junte aos autos uma prova dificílima, senão impossível, pois o servidor não possui o acesso a tais informações junto ao Setor de Recursos Humanos da Prefeitura. “Como se pode comprovar o comportamento, bom ou mal, a meu ver só será possível exibir essa prova por meio de sindicância, para o que só o Poder Público, no caso a Prefeitura pode fazer e só ela poderá ter essa prova, e, jamais, o servidor municipal. Essa avaliação é inerente à Gestão pública, e nunca ao servidor”, frisou.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é cabível quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. A eficácia vinculante do IRDR permite, a um só tempo, o julgamento de processos em bloco, fora da ordem cronológica (artigo 12, § 2º, II, do CPC); a improcedência liminar do pedido (artigo 332, III, do CPC); a desnecessidade de remessa necessária nas ações contra a Fazenda Pública (artigo 496, § 4º, III); e, no âmbito do Tribunal, uma vez interposto o recurso sobre aquela temática, permite ao relator, monocraticamente, negar seguimento, quando o recurso for contrário ao entendimento firmado no IRDR (artigo 932, IV, “c”) e, também monocraticamente, dar provimento, quando a decisão for contrária ao entendimento firmado em IRDR (art. 932, V, “c”). Além disso, fixada a tese jurídica de eficácia vinculante, há um desestímulo na judicialização de temas pacificados e na própria decisão de interposição de recursos.
Confira, aqui, o acórdão.