O Ministério Público da Paraíba instaurou procedimentos administrativos para apurar discriminação ou atitudes adotadas por determinados indivíduos contra pessoas idosas que habitam num mesmo condomínio, na Capital, e, que em razão da idade, sofrem constrangimentos de ordem moral e psicológica, com repercussão em sua saúde física e mental. Os procedimentos tramitam na Promotoria de Justiça da Cidadania e Direitos Fundamentais de João Pessoa, que tem atribuições na defesa do idoso.
De acordo com a promotora de Justiça Sônia Maria de Paula Maia, são recorrentes as notícias de fato formuladas por idosos, ou através de denúncias pelo canal Disque “100”, e outros meios de comunicação, acerca de violações de direitos de pessoas idosas que residem em condomínios horizontais e verticais, em João Pessoa. Segundo Sônia Maia, são procedimentos que tratam do ageísmo ou etarismo.
A promotora informa que as reclamações mais recorrentes têm como cerne a desatenção e a falta de respeito de alguns síndicos e síndicas, alguns profissionais, assalariados pelo próprio condomínio, no que se refere aos direitos fundamentais dos condôminos enquadrados na faixa etária, igual ou superior a 60 anos. “Muitos são os síndicos, representantes legais dos condomínios, que se arrogam do direito de ditadores das unidades multifamiliares, sem qualquer respeito ou tolerância ao condôminos idosos”, afirma.
Conforme a promotora, em nome de um regimento interno dos condomínios, muitas vezes retrógrado, e sem observância aos princípios constitucionais e legais, síndicos ditam normas, regras e decisões sem a necessária aprovação da maioria dos condôminos, agindo à revelia ou, sequer comunicando suas deliberações, para atender a interesses de uma minoria.
A promotora explica que o regimento interno é um conjunto de normas que regulam e disciplinam a conduta interna dos condôminos, seus locatários, usuários, serventes ou aqueles que de uma forma outra usam o condomínio. “Entretanto, alguns regimentos internos aviltam frontalmente o Estatuto do Idoso, no que se refere aos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, mormente no que se refere a preservação da saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”, comenta.
Casos
A promotora Sônia Maia cita quatro casos que considera emblemáticos. O primeiro se refere a uma idosa com mais de 70 anos que mora sozinha em um condomínio no bairro de Cruz das Armas. Ela tem como única parente uma sobrinha, que reside em Brasília e a quem recorre quando precisa. A idosa vem reiteradamente ao síndico que seja realizado um serviço de manutenção na parte hidráulica do prédio, porque a parte da cobertura apresenta infiltrações na laje, com vazamentos de grandes proporções na sua unidade habitacional, que fica no terceiro andar, atingindo o seu quarto, o banheiro, já tendo, inclusive, sofrido escorregões e tombos.
Outro caso é de português, de 76 anos, que mora em um residencial em Tambaú, há quase uma década. Ele sofre com as reformas que vem sendo executadas pelos novos proprietários. “Com problemas cardíacos, tendo sua vida mantida por um desfibrilador, equipamento que tem como função descarregar cargas elétricas na parede torácica e nas fibras musculares do coração (interno), em razão de arritmia cardíaca, ultimamente vivencia situação de opressão no reduto do seu lar, em decorrência do barulho insuportável e ensurdecedor das marretas, serras mármore (maquitas), furadeiras de impacto, no processo de retirada dos pisos e também em trabalhos do próprio condomínio. Porém, justifica a síndica do condomínio, que no Regim ento Interno, é permitido a realização de obras a partir das 8 horas da manhã, podendo se prolongar até às 18 horas”.
Outro idoso, funcionário público aposentado, gosta de ler para ativar a memória, mas se ressente do barulho vindo do apartamento vizinho. Uma idosa de 80 anos, que desde a pandemia não vai mais à igreja para participar da missa e tenta acompanhar as missas pela TV mas não consegue em razão do barulho.
“Há casos de condôminos portadores de patologias de natureza grave, que são constrangidos a aceitar passivamente, sem direito a reclamar, serviços e reformas em apartamentos, cujos proprietários para valorização imobiliária dos seus bens patrimoniais, resolvem retirar todo o piso cerâmico e substitui-lo por revestimento de alto custo”, acrescenta a promotora.
Ainda uns idosos encontram-se acamados, outros idosos que continuam confinados em seus lares, em virtude de limitações motoras decorrentes da própria idade, ou por receio de sair de casa e contrair a Covid-19.
Alerta
A promotora alerta os síndicos e síndicas que o regimento interno de um condomínio deve ter como norte a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais. “Logo, os regimentos internos devem ser alterados e ajustados de acordo com as especificidades de cada condomínio. Se em determinado condomínio a maioria dos condôminos são idosos, faz-se imprescindível adaptações no texto normativo, de forma a garantir a plenitude dos direitos fundamentais das pessoas idosas”, declara.
Ainda segundo Sônia Maia, o envelhecimento não é sinônimo de declínio, mas um processo natural do ser humano. Um dos maiores desafios do idoso nos tempos atuais, é viver a própria velhice em condições de dignidade humana. A pessoa idosa sofre os preconceitos, o desrespeito, a falta de atenção, o menosprezo, a negligência, os maus tratos, físicos, psicológicos, morais, a exploração financeira, a começar pela família e, quando não tem filhos, cônjuges, e vivem sozinhos e desassistidos, sem nenhum parente ou pessoa amiga para protegê-los e defender os seus direitos fundamentais, são violentados por terceiros, abusados financeiramente, ludibriados em sua boa fé, e cerceados do direto à paz, à tranquilidade, o sossego, o repouso, e o res peito, até mesmo no ambiente de trabalho e em sua moradia”.
A promotora destaca que a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) é incisiva ao preceituar que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão.