Lizandra Serafim, Doutora em Ciências Sociais (Unicamp), professora adjunta do Departamento de Gestão Pública, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba.
Henrique Zeferino de Menezes, Doutor em Ciência Política (Unicamp), professor adjunto do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba.
***
A interiorização do Sars-Cov-2 na Paraíba atingiu a totalidade dos 223 municípios do estado no mês de agosto. Apesar deste intenso processo de interiorização, os dados mais recentes não são tão alarmantes como em momentos anteriores. No Estado, em 31/08, haviam sido confirmados 105.778 casos de contaminação e 2.450 óbitos (61 óbitos por 100 mil habitantes), ocorridos em 154 dos 223 municípios do estado, com taxa de letalidade 2,3%. A taxa de ocupação de leitos também registrou uma queda considerável. Dos leitos de UTI para adultos no estado, 31% estavam ocupados e na região metropolitana de João Pessoa a taxa era ainda menor, 29%. A maior preocupação é ainda com a região do Sertão da Paraíba, onde os leitos ocupados chegavam a 37% na mesma data.
O Plano de retomada das atividades econômicas do Estado, chamado “Plano novo normal”, chegou a sua sexta avaliação quinzenal (vigente a partir de 24/08). De acordo com a análise do comitê gestor do plano, o Estado da Paraíba segue sem municípios em bandeira vermelha e apenas 20 (equivalente a 9% do total) em bandeira laranja. Isso significa uma redução em relação à avaliação anterior, quando 23 municípios estavam nessa condição. 87% do municípios paraibanos, ou seja 193 deles, estão na condição de bandeira amarela e os dez restantes com bandeira verde. Mesmo com esse avanço, a microrregião de João Pessoa segue estagnada. Nenhum município em situação verde e dois deles, Santa Rita e Bayeux, ainda na condição laranja.
Mapa 1. Situação dos municípios paraibanos – 6ª Avaliação do Plano Novo Normal, vigência a partir de 24/08
Nesses dois municípios, as restrições à circulação de pessoas foram menos rígidas desde o início da pandemia, assim como foram precoces na reabertura do comércio. São também municípios com alta taxa de informalidade no mercado de trabalho e que convivem com níveis de pobreza mais acentuados. Além de se manterem com suas bandeiras laranja, nestes municípios é alta a taxa de letalidade, que alcança 5,4% em Bayeux e 4,9% em Santa Rita (muito acima da média do Estado, de 2,3%).
No que se refere especificamente à política e as estratégias empreendidas pelo setor público para o enfrentamento da pandemia, é importante ressaltar que houve um esforço de coordenação entre o governo estadual e os municípios, através da formação de um comitê de crise. Esse esforço antecedeu a preparação do Decreto Estadual nº 40.289 de 30 de maio de 2020, estabelecendo o isolamento social rígido na microrregião de João Pessoa. No entanto, já na segunda quinzena de junho, em que passou a vigorar o Plano Novo Normal – que prima pela autonomia dos municípios no enfrentamento à disseminação da Covid-19, tendo como referência uma matriz analítica comum recomendada pelo governo estadual – essa iniciativa e os esforços de coordenação entre municípios perderam força.
Tal modelo, apesar de possibilitar que as gestões municipais definam e organizem ações de enfrentamento à Covid-19 adequadas à realidade local, tem como consequência a sobrecarga dos municípios com menos recursos e capacidade de atendimento. Destacam-se aqueles que são conhecidos destinos turísticos, como o caso de Conde, município de cerca de 25 mil habitantes, localizado na microrregião de João Pessoa, que recebe um grande fluxo de pessoas durante os finais de semana e feriados e cuja taxa de crescimento de casos foi uma das maiores do estado desde o estabelecimento do Plano Novo Normal. Essa redução na coordenação entre diferentes entes se dá em um contexto de acirramento das disputas eleitorais municipais e do aumento da pressão por parte do empresariado local. As pressões eleitorais e tendência de forte disputa entre o novíssimo grupo político do atual governador, alinhado à agenda política do governo Bolsonaro, e as lideranças políticas do Partido Socialista Brasileiro, antiga agremiação partidária do governador, parecem afetar as decisões e políticas de enfrentamento ao coronavírus.
O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) instituiu Comitê Técnico específico para monitorar as ações do governo no enfrentamento da pandemia. No dia 6 de agosto, o comitê divulgou seu 17o relatório de acompanhamento das ações do estado. Segundo dados do relatório, o governo estadual informou um valor total de R$ 216.254.916,18 vinculado ao enfrentamento à Covid-19. Deste valor, R$ 13.256.530,36 são referentes a gastos com pessoal e encargos sociais[ii].
Um dado que chama atenção no relatório é o gasto exíguo em ações voltadas a saúde e assistência social. De acordo com o relatório, o governo estadual aplicou apenas 2,3% do valor liberado pela União para esses dois campos (foram empenhados R$ 2.215.140,71 de um total de R$ 96.174.049,18 recebidos). Em alerta publicado no Diário Oficial Eletrônico (DOE) do TCE-PB, o órgão demandou explicação para essa baixa aplicação de recursos.
Outro item que foi objeto de solicitação de esclarecimento da gestão estadual foi a discrepância entre as informações disponibilizadas referentes a testes adquiridos. Em 25 de julho, a Secretaria de Estado da Saúde divulgou um número de 1,6 milhão de testes adquiridos. Já no dia 01 de agosto, o número informado foi de 414 mil testes, quase 1,2 milhões de testes a menos.
De acordo com a SES e a PNAD COVID 19 (IBGE), pelo menos 290 mil testes para detecção do Sars-Cov-2 foram realizados em pacientes na Paraíba até o mês de julho, o que representa 7,2% da população do estado. Apesar de consideravelmente menor do que os 1,6 milhão ou os 414 mil testes adquiridos, esse número é superior à média nacional (6,3%) e, em âmbito nordestino, é inferior apenas às médias do Piauí (10,5%), de Alagoas (7,7%) e do Rio Grande do Norte (7,6%).
Não estão claras, até o momento, as razões da estabilização do processo de contágio, do número óbitos e da diminuição da ocupação de leitos de UTI no estado da Paraíba. A reabertura do comércio levou a um aumento expressivo da circulação de pessoas, aglomerações em pontos comerciais, na orla e nos meios de transporte coletivos. A taxa de isolamento no estado tem se mantido inferior a 40% na última semana (37% em 31 de agosto, acompanhando a média nacional). As consequências do processo em curso serão visíveis nas próximas semanas.
De acordo com o boletim n. 10 do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, publicado em 11 de agosto, já ocorreu um pico de óbitos, mas ainda é possível observar uma tendência ao crescimento de óbitos. As projeções apontam também que um pico de hospitalizações ocorrerá em setembro.
A recente frustração das ações mais diretas sob coordenação do Consórcio Nordeste relacionadas à compra de respiradores e os conflitos decorrentes desse evento, somados à redução da coordenação entre municípios e estado no contexto de disputa eleitoral, ameaçam o sucesso das medidas de enfrentamento da pandemia na Paraíba. O risco de efeito bumerangue segue elevado nesse contexto, com a manutenção de taxas elevadas de contaminação no interior e o relaxamento do isolamento em todo o estado.
[i] O texto faz parte do projeto “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia de covid-19 no Brasil” coordenado pela pesquisadora Luciana Santana (UFAL). Esta é uma atualização de texto de mesmo título, publicado na série “Os governos estaduais, Distrito Federal e o enfrentamento à pandemia no Brasil”, Edição 4 – Agosto de 2020. Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/projetos/especial-abcp-4a-edicao-governos-estaduais-e-acoes