O texto-base que deve orientar o PSDB na campanha de 2018 é um manifesto liberal temperado com ponderações sociais que acenam para o espectro mais à esquerda do centro.
Nele, o Estado não deve ser “nem máximo, nem mínimo, pois esse é um falso dilema”. Tem de ser “musculoso, eficiente”. Prega “choque de capitalismo”, redução da máquina e mira dobrar a renda per capita em 20 anos, informa reportagem de Igor Gielow, da Folha.
O documento “Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos” foi elaborado pelo Instituto Teotônio Vilela e burilado por caciques tucanos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A Folha obteve uma cópia do texto, que será divulgado nesta terça (28) em Brasília. Ele se afirma um documento de discussão de diretrizes, que o partido deverá analisar em sua convenção de dezembro e em um congresso nacional para marcar os 30 anos da sigla em 2018.
Isso estabelecido, lá estão pilares para uma campanha, num receituário ortodoxo que discorre sobre a necessidade da eficácia do Estado com inflexões “progressistas”.
O governador Geraldo Alckmin (SP), pré-candidato ao Planalto e entusiasta dessa abordagem retórica híbrida, leu o texto, coordenado pelo presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal.
Presidenciáveis 2018
O “choque de capitalismo” foi um termo usado pelo então presidenciável tucano Mário Covas (1930-2001) na campanha de 1989 para sintetizar a necessidade de destravar o processo produtivo.
A fórmula está descrita de forma genérica, semelhante ocasionalmente com a notória “Ponte para o Futuro” lançada pelo PMDB em 2015.
Fala em avançar a agenda reformista, cortar ministérios, instituir critérios de avaliação para o funcionalismo, reduzir privilégios, defender privatizações e concessões, recuperar capacidade regulatória e superar a crise de financiamento do Estado.
Como o próprio título diz, boa parte das 14 páginas do texto são dedicadas a compromissos sociais.
Ao defender uma reforma tributária, por exemplo, pede um sistema progressivo por princípio de “justiça fiscal”. A bandeira da sustentabilidade é apresentada como “soft power” natural do país.
“O livre mercado por si só não é capaz de assegurar a distribuição mais equânime das riquezas produzidas e, assim, superar as desigualdades e a pobreza. Torna-se necessária, portanto, a intervenção do Estado democrático”, descreve o texto.
Ao tomar para o PSDB a paternidade de políticas de distribuição de renda, o documento remete à crítica feita a aspectos assistencialistas de programas como o Bolsa Família e defende que eles devem preconizar a “emancipação” dos favorecidos.
Educação, saúde e segurança são eleitas prioridades. Um ponto promete polêmica: “o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”.
Principal mácula recente na imagem do partido, a corrupção (e o combate a ela) é citada apenas pontualmente, assim como críticas a práticas que levaram ao petrolão. “O capitalismo de compadrio tem que acabar” encima um parágrafo criticando desonerações e subsídios com critérios turvos.
Na política, o partido se mantém como parlamentarista, mas incorpora ao programa o voto facultativo no modelo distrital misto.
No mais, defende maior inclusão da sociedade civil no processo político, algo adequado ao tempo de desprestígio das forças tradicionais, mas não diz como fazer isso.
Ao contrário da controversa propaganda de agosto, autocrítica, o texto afirma que “se existiram erros, houve muito mais acertos” na trajetória tucana. Já os culpados ganham nome: “Nosso legado foi exaurido pelo populismo e pela irresponsabilidade dos governos petistas”.
Há um chamado contra desigualdades regionais, que fazem um maranhense ganhar em média R$ 575 mensais, enquanto no Distrito Federal o valor salta para R$ 2.351 –em 2016, quase o dobro da média nacional per capita, meta que o texto almeja.
Entre o documento e o discurso da campanha, há um longo caminho. Ainda que não diga que empresas devam ser vendidas, ele assume a desestatização. Como o malfadado macacão com logomarcas de estatais envergado por Alckmin na disputa de 2006 faz lembrar, resta saber se isso vai virar retórica oficial.
DOCUMENTO É O PRIMEIRO DO TIPO DESDE 88
O novo documento elaborado pelo Instituto Teotônio Vilela é o primeiro do gênero no PSDB desde sua fundação, em 1988, oriundo de uma costela do PMDB –sigla que “traiu a transição democrática”.
O texto de então tinha 11 diretrizes, além de apresentação com a frase: “Nasce longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas”, dificilmente lida sem ironia após tantos anos de desgaste no poder.
Muitas coisas não mudaram. A defesa do parlamentarismo, a luta contra desigualdades, distribuição de renda e reformas estão lá e cá, com adaptações temporais.
Um ponto mudou: se em 1988 o partido defendia ensino público gratuito para todos, agora sugere que ricos devam pagar a sua conta.