O Grupo de Trabalho de Prevenção ao Suicídio, coordenado pelo Ministério Público da Paraíba (MP/PB) e integrado pelo Ministério Público Federal (MPF) e órgãos de saúde, está discutindo os efeitos da pandemia de covid-19 como gatilhos para o adoecimento de pessoas. O GT está buscando fortalecer os serviços existentes para atendimento às pessoas com transtornos mentais, ideação suicida e a seus familiares, já antecipando ações que podem ser desenvolvidas imediatamente e reforçadas durante a campanha do Setembro Amarelo. Implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, subnotificação de autolesão e acolhimento de pacientes com transtornos mentais, durante a epidemia de coronavírus, também foram assuntos de reunião semana passada.
A reunião, realizada por meio de plataforma virtual, foi conduzida pela promotora de Justiça do MP/PB, Jovana Tabosa, que atua na área da saúde em João Pessoa. “Entendemos que, em tempos de pandemia, as pessoas estão adoecendo mentalmente. E quem já tinha transtornos mentais, neste período, os distúrbios estão se exacerbando. Os efeitos da pandemia (como isolamento social, desemprego, violência doméstica…), estão sendo ‘gatilhos’ para os transtornos mentais. A reunião foi agendada com o objetivo de dar continuidade às discussões sobre possível readequação dos fluxos da rede de saúde mental e dos tentantes de suicídio, observando medidas preventivas destinadas aos grupos mais vulneráveis ao suicídio no período pós-pandemia, assim como iniciar as discussões sobre as programações da campanha Setembro Amarelo”, explicou.
A reunião contou com a participação do procurador da República José Guilherme Ferraz; do juiz corregedor do Tribunal de Justiça da Paraíba, Marcos Coelho Salles; da deputada estadual Camila Toscano (PSDB); do presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM) da Paraíba, Roberto Magliano; da sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde, Heloisa Wanick; da assessora jurídica do Cosems/PB, Clarissa Dantas; da coordenadora de Psicologia do Hospital Edson Ramalho, Alice Sousa; da vice-coordenadora da Resmen/UFPB, Roberta dos Santos; da coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Alessandra Gomes da Silva; além dos representantes do Corpo de Bombeiros, tenente José Carlos da Silva Júnior e da Associação Vida Nova, Renata Maia, e da ativista Aparecida Melo.
Implantação de leitos – O procurador José Guilherme reforçou a cobrança em relação à implantação dos leitos psiquiátricos em hospitais gerais, ressaltando que, ao lado da prevenção, é necessário garantir também a estrutura de atendimento às pessoas com transtorno mental. Segundo o membro do MPF, já foram feitas diversas cobranças às secretarias Municipal e Estadual de Saúde para a implementação desses leitos, uma vez que já há pactuação nesse sentido desde 2012. Ele disse que oficiou ao prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV), cobrando maior agilidade na resolução dessa situação, alertando tratar-se de recursos federais destinados e não aplicados pelo município e disse que, se não houver resposta, agendará reunião com o gestor para tratar da questão.
O procurador da República ainda aproveitou a oportunidade para questionar as representantes dos órgãos de saúde sobre os leitos psiquiátricos do Hospital Universitário de João Pessoa e também sobre o remanejamento dos recursos que estavam alocados no Instituto Paraibano de Psiquiatria, que já se encontra fechado há algum tempo, e deixou como sugestão a realização das rodas de conversa e dos eventos que tenham como tema o suicídio de forma remota, por meio das plataformas virtuais.
O juiz Marcos Coelho de Salles reforçou a importância de que as instituições representadas na reunião possam contribuir, dentro de suas respectivas atribuições, para a temática da prevenção do suicídio, sendo o tema de relevância social, e se colocou à disposição para colaborar na construção e disseminação das ações que venham a impactar positivamente a sociedade. Já a deputada Camila Toscano relatou que, antes da pandemia, já vinha tratando da temática do suicídio na Assembleia Legislativa da Paraíba e que o tema ganha maior destaque em razão das consequências econômicas e sociais negativas advindas da pandemia, além das consequências psicológicas, como o aumento dos casos de depressão.
Subnotificação – Heloisa Wanick reiterou a importância das notificações compulsórias relativas às lesões autoprovocadas, especialmente nos serviços privados. Segundo ela, há relatos de que médicos deixam de notificar as tentativas de suicídio em razão da negativa de cobertura para esse atendimento por parte dos planos de saúde e que essa omissão ocasiona subnotificação. Ela também relatou que há casos de notificação incompleta ou preenchimento equivocado das fichas de notificação, tais como na identificação de raça/cor e que a Vigilância Epidemiológica trabalha em cima dos dados que os serviços encaminham ao setor.
De acordo com a sanitarista, não foi possível, para aquele momento, levantar os dados referentes ao período da pandemia no sistema, mas que de 2019 até 20 de julho deste ano, foram constatadas 1.489 tentativas de suicídio somente em João Pessoa. Segundo ela, analisados os números de 2016 a 2019 constatou-se 1.534 tentativas, podendo supor que em 2020 houve um salto nas tentativas. Heloisa também ressaltou que, após a última reunião do GT, a Vigilância Epidemiológica recebeu considerável número de fichas de atendimento advindas dos Caps e que o cenário pós-pandemia mostrará se será necessário realinhamento do fluxo da rede de saúde mental, especialmente quando os usuários voltarem a procurar os serviços. Ela entende que as rodas de conversa podem ser realizadas de forma remota.
A coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, Alessandra Gomes, disse, acerca da necessidade de revisão do fluxo estabelecido na rede de saúde mental, que deve haver apenas o fortalecimento da rede, criando novos dispositivos e maneiras de trazer o público-alvo de volta ao serviço, e que os Caps e os grupos operativos estão retornando aos poucos. Ela não soube dar respostas quantos aos leitos e remanejamento de recursos.
Profissionais de saúde podem ser vítimas – Para o médico Roberto Magliano, há uma preocupação com o aumento nos casos de tentativa de suicídio em razão do confinamento obrigatório provocado pela pandemia do novo coronavírus, inclusive entre médicos e outros profissionais de saúde, devido a pressões do período e a frustração pela perda de pacientes, pois a perda de um paciente é sentida. Segundo ele, há notícias nesse sentido em Recife (PE) e que o CRM se coloca à disposição em relação à providência que for necessária para colaborar na orientação aos médicos para o preenchimento das fichas de automutilação e da notificação das tentativas de suicídio.
Roberta Cláudia informou que teve notícia que a implantação dos leitos psiquiátricos no Hospital Universitário estava em andamento, mas que, com a pandemia, toda a dinâmica do hospital foi modificada, inclusive com o fechamento de algumas alas para se dedicar ao tratamento da covid-19. Ela também se comprometeu a se juntar à Associação Vida Nova para tentar viabilizar um local para as suas atividades.
Já Renata Maia, da Associação Vida Nova, conclamou os representantes das instituições participantes do GT, bem como dos núcleos de Psiquiatria e Psicologia da UFPB, a realizarem parceria para abrigar as mais de 100 pessoas acolhidas pela associação, que possuem quadro de transtorno bipolar e depressão grave, com ideação suicida, seus familiares e amigos e os enlutados por suicídio de pessoas próximas. Ela disse que notou que neste período de pandemia as crises das pessoas assistidas pela associação estão mais frequentes e mais fortes, em razão do aumento da ansiedade.
Ao final, a promotora de Justiça determinou que os encaminhamentos fossem juntados ao procedimento administrativo aberto para apurar as ações de prevenção ao suicídio (002.2018.008830) e agendou a próxima reunião para andamento das ações para 6 de agosto.
Ascom do MP com Ascom do MP/PB