Sem conseguir controlar despesas com pessoal e benefícios previdenciários, restou aos estados reduzir investimentos para fechar as contas nos últimos anos. Esses gastos estão hoje no menor patamar da última década, segundo relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI). O trabalho ressalta que, enquanto a União encontra dificuldades para atingir resultados primários positivos, os estados já conseguiram passar para o azul. Saíram de um déficit de 0,23% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2014 para um superávit de 0,17% do PIB em setembro deste ano. Isso, no entanto, não é sinal de equilíbrio fiscal, revela reportagem de Matha Beck e Bárbara Nascimento, de O Globo.
Assim como a União, a maior parte dos estados tem um orçamento dominado por gastos obrigatórios. Mas, ao contrário do governo federal, não podem se financiar por meio da emissão de títulos. Por isso, para honrar seus compromissos com credores, fizeram severos cortes de gastos. Como previdência e pessoal são despesas obrigatórias, a saída foi mirar nos investimentos.
O trabalho da IFI aponta que os gastos estaduais com ativos e benefícios previdenciários cresceu gradualmente nos últimos anos, passando de 5,6% do PIB em 2011 para 6,4% do PIB este ano, o que representa cerca de 70% das despesas primárias. Por outro lado, os investimentos, que haviam subido de 0,7% para 1% do PIB entre 2011 e 2014, atingiram 0,4% do PIB em junho de 2017.
CORTES TERÃO IMPACTO NO PIB BRASILEIRO
Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman e ex-secretária de Fazenda de Goiás, explica que, até 2015, os estados receberam amplo aval da União para tomar empréstimos que ajudassem na retomada da economia, o que elevou o investimento e o endividamento desses entes. Depois, porém, o governo passou a limitar essas operações, o que agravou o quadro de vários estados.
— A saída foi cortar investimentos e custeio. Os estados podem até ter melhorado seu resultado fiscal, mas estão tão desequilibrados quanto em 2015. Não houve avanços na parte estrutural, como reforma da previdência e da máquina pública — diz Ana Carla.
O especialista em contas públicas Raul Velloso lembra que, além de cortar investimento, muitos estados simplesmente tiveram que atrasar pagamentos de pessoal e custeio:
— Esse resultado primário positivo é artificial.
Em valores nominais, as estimativas da IFI mostram que os investimentos estaduais caíram pela metade: de R$ 57,8 bilhões em 2014 para R$ 28,7 bilhões acumulados em 12 meses até junho de 2017. Isso acaba impactando também o PIB brasileiro, pois alguns dos estados que estão em crise fiscal têm peso significativo da economia. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná respondem por quase 65% do PIB brasileiro, de acordo com o IBGE.
O diretor executivo da IFI, Felipe Salto, explica que a opção de cortar investimentos para melhorar o resultado primário não é uma novidade. Como o grau de rigidez orçamentária é muito alto, é natural que o governo, federal ou estadual, corte despesas discricionárias.
Segundo dados do Tesouro, 13 estados registraram queda nos investimentos entre 2015 e 2016. Os piores resultados são de Amapá (tombo de 71%), Rio de Janeiro (-62%), Goiás (-44%) e Pará (-31%). Na contramão, alguns estados apresentaram alta expressiva: Piauí (73%), Mato Grosso do Sul (65%) e Paraná (60%). Mas quando se observa um horizonte um pouco mais longo, de 2013 a 2016, a queda nos investimentos ocorreu em 22 estados. No Paraná, por exemplo, a queda nesse período foi de 8%: os investimentos passaram de R$ 1,79 bilhão para R$ 1,647 bilhão em quatro anos.
O secretário de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa, ressalta que o estado teve uma queda de investimentos seguindo uma tendência observada no resto do país. Isso, no entanto, foi agravado porque foram realizadas grandes obras para os Jogos Olímpicos, financiadas com empréstimos.
— O Rio fez grandes investimentos baseados em empréstimos para Olimpíadas, o que tem efeito ainda pior agora (nas estatísticas). O resultado disso aparece na economia. O PIB do Rio foi o que mais caiu. Além disso, grande parte do investimento do estado era protagonizado pela Petrobras, que também reduziu essas operações — explica Barbosa, acrescentando que, para que o quadro mude, é essencial a realização de uma reforma da previdência, que contenha dos gastos obrigatórios.
O superintendente do Tesouro de Goiás, Oldair Fonseca, diz que o estado foi obrigado a sacrificar investimentos para conseguir ajustar as contas:
— Na medida em que não temos os instrumentos da União, tivemos que fazer um aperto. Priorizamos saúde, educação e segurança e sacrificamos os investimentos — afirma Fonseca, lembrando que isso teve reflexos não apenas na economia do estado, mas também na taxa de ocupação.
O governo do Pará, por sua vez, informou que o estado teve de optar por desacelerar investimentos para poder pagar o funcionalismo. E destacou que, mesmo tendo indicadores fiscais melhores que os demais estados, também foi afetado pela restrição ao crédito realizada pelo Tesouro a partir de 2015.
Um dos poucos a registrar alta nos investimentos, o Paraná atribui isso à identificação precoce da necessidade de um ajuste fiscal. O secretário de Fazenda do estado, Mauro Ricardo Costa, explica que os primeiros cortes e providências para aumento de receita, como aumento da contribuição previdenciária, ocorreram em dezembro de 2014:
— Isso permitiu que pudéssemos manter as contas equilibradas.
Costa ressalta que, como o Paraná já estava com o ajuste em andamento, conseguiu aproveitar o período em que deixou de pagar as parcelas com a União — benefício obtido por todos os entes na renegociação das dívidas com o governo federal — para investir, sobretudo em rodovias e segurança pública. Ele admite que a taxa de investimento ainda não é a ideal e que o crescimento se deu em cima de uma base pequena. Entre 2015 e 2016, houve uma alta, em termos absolutos, de apenas R$ 1,7 bilhão. A expectativa é que, neste ano, haja um crescimento de R$ 4 bilhões, o que levaria a taxa de investimento a 11% da Receita Corrente Líquida (RCL).
O Mato Grosso do Sul também atribui o fato de os investimentos se manterem em trajetória de alta a um ajuste fiscal rigoroso, com um corte de 20% nas despesas com servidores. Além disso, o estado foi beneficiado pela renegociação das dívidas com a União. Segundo a Secretaria de Fazenda, o Mato Grosso do Sul desembolsava R$ 1 bilhão por ano com o serviço da dívida. Com o alongamento das dívidas com o BNDES, o estado ainda destravou R$ 600 milhões, o que ajudou a manter os investimentos.
Velloso, por sua vez, afirma que o alongamento das dívidas estaduais com a União teve pouco efeito sobre as contas regionais:
— O problema é muito maior do que a renegociação dos débitos com a União.
ESTADOS TÊM PROBLEMAS COM RECEITA
O economista José Roberto Afonso também afirma que a renegociação das dívidas apenas oficializou o não pagamento das parcelas, que já ocorria por conta das dificuldades fiscais desses estados. Portanto, o alívio foi pequeno. Além disso, ele acredita que a contrapartida exigida pelo governo para renegociar os débitos ajudou a enterrar os investimentos.
— Os estados não conseguiam pagar o que deviam à União. Uma lei oficializou isso e tentou exigir doravante um ajuste fiscal, que derrubou investimentos — diz Afonso.
O economista acredita que o impacto para o desenvolvimento das economias regionais será alto, uma vez que, historicamente, os estados sempre investiram mais que a União, sobretudo em infraestrutura. Além disso, uma das principais fontes de receitas dos governadores, o ICMS, está envolto em uma guerra fiscal.
— As perspectivas são as piores possíveis porque, além dos efeitos da recessão, os estados enfrentam uma crise estrutural em nossa federação, a começar por sua principal fonte de receita (o ICMS), que está obsoleta e ainda mergulhada na guerra fiscal.