O rigor das penas aplicadas pelos juízes que conduzem os processos da Operação Lava Jato em Curitiba e no Rio tem sido maior para políticos e ex-funcionários públicos corruptos do que para os empresários que pagaram propina em troca de vantagens para seus negócios.
A pena mais dura aplicada até agora pelo crime de corrupção ativa alcançou 8 anos de prisão, num processo em que o dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, foi condenado junto com outros empreiteiros acusados de pagar R$ 4,4 milhões em suborno nas obras da usina Angra 3, revela reportagem de Ricardo Balthazar, da Folha.
Entre os que receberam propina, a pena mais rigorosa aplicada até agora foi para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), condenado a 24 anos de prisão por dois crimes de corrupção passiva num processo em que foi acusado de receber pelo menos R$ 22 milhões em dinheiro sujo nas obras da Copa de 2014.
Na quase totalidade dos casos julgados pelo juiz Sergio Moro, de Curitiba, as punições impostas a políticos e ex-funcionários foram maiores do que as definidas para os empresários que os corromperam, de acordo com uma análise feita pela Folha das sentenças que o juiz assinou.
Um dos motivos é o fato de que vários empreiteiros e seus funcionários decidiram colaborar com as investigações em troca de redução nas suas penas, e a confissão serviu para abrandar a punição estabelecida para seus delitos.
Mas no caso de Moro a diferença de tratamento é evidente mesmo nas fases iniciais do cálculo das penas, em que o juiz avalia características de cada crime e a personalidade dos réus para definir uma pena-base, antes de considerar fatores agravantes e atenuantes como a confissão.
A lei estabelece como pena mínima para crimes de corrupção dois anos de prisão. Em mais da metade dos casos que julgou, Moro definiu como pena-base para o crime de corrupção passiva cinco anos ou mais. Somente em seis casos ele adotou igual rigor para corruptores.
O juiz Marcelo Bretas, do Rio, que assinou as condenações de Cabral e dos empreiteiros de Angra 3, definiu como pena-base em alguns casos uma punição equivalente a quatro vezes o mínimo estabelecido pelo Código Penal.
ESTRATÉGIA
O rigor contra crimes de colarinho branco é um dos pilares da estratégia que procuradores e juízes à frente da Lava Jato adotaram no combate à corrupção. Na sua visão, a mão pesada pode inibir a repetição de delitos como esses, aumentando os riscos para quem os pratica.
Várias sentenças têm sido mais duras do que as impostas aos culpados por alguns dos crimes mais chocantes da crônica policial recente.
Num caso em que o ex-ministro petista José Dirceu foi acusado de receber R$ 10 milhões em propina de uma empreiteira, Moro o condenou a 23 anos e 3 meses de prisão. Pouco tempo depois, Elize Matsunaga, que em 2012 matou o marido com um tiro na cabeça e esquartejou seu corpo, foi condenada em São Paulo a 19 anos e 11 meses.
“As penas da Lava Jato servem mais para dar satisfação à opinião pública do que para desestimular o crime”, diz o advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado por Moro em cinco processos até agora.
A Lava Jato está perto de completar quatro anos. Como muitos processos ainda não foram julgados, será preciso esperar mais tempo para saber se a operação estabelecerá um novo padrão para a punição desses delitos.
Na maioria dos 23 casos que já passaram pelo crivo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, corte de apelação para os condenados por Moro, as penas foram aumentadas. Mas em 11 casos houve redução de penas e até absolvições, como em duas ações de Vaccari. O Superior Tribunal de Justiça ainda não julgou nenhuma apelação contra as sentenças da Lava Jato.
“Estamos caminhando para um modelo com punições muito graves para crimes de colarinho branco, como se a corrupção fosse tão ou mais grave do que o homicídio”, diz o advogado Marlus Arns, que defende vários réus na Lava Jato. “Essa não é a baliza criada pelo Código Penal.”
DOAÇÕES ELEITORAIS
O avanço da Lava Jato também contribuiu para alargar o entendimento de alguns crimes. Doações eleitorais feitas oficialmente, não com uso de caixa dois, têm sido tratadas pelos juízes como dinheiro sujo em vários casos, porque delatores vinculam as contribuições à obtenção de vantagens ilícitas pelos doadores.
Vários acusados condenados por lavagem de dinheiro tiveram penas ampliadas por causa disso. É provável que esse entendimento prevaleça nos tribunais superiores. Em 2015, um ano após o início da Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações de empresas, e no ano seguinte o Congresso incorporou o veto à legislação eleitoral.