O Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional Direitos Humanos (CNDH) protocolaram requerimento junto à Procuradoria Geral da República (PGR) para retomar as etapas de investigações para apuração dos crimes cometidos durante a pandemia da Covid-19 e em defesa do direito sanitário brasileiro.
O pedido é em desfavor dos ex-ministros da Saúde, Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello; do ex-presidente, Jair Bolsonaro; e do ex-ministro chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto.
A grande preocupação, para além da impunidade com a prescrição desses crimes, é o enfraquecimento do arcabouço jurídico, inclusive dificultando ações em casos de novas pandemias. A expectativa é que esse documento seja analisado pela PGR possibilitando a abertura de julgamento dos crimes cometidos no período pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em comum, representantes dos CNS, CNDH e demais participantes do encontro acreditam que a representação deve subsidiar a PGR para que a responsabilidade e a tutela sanitária sejam levadas adiante, no sentido de garantir que as etapas da responsabilização avancem.
O encontro entre a PGR, CNS e CNDH foi realizado na manhã desta quinta-feira (24/10), em Brasília, e contou também com representantes da ONG Conecta Direitos Humanos, da Associação Vida e Justiça, da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil) e da Associação dos Servidores da Fundação Oswaldo Cruz (ASFOC-SN).
Confira requerimento na íntegra
O presidente do CNS, Fernando Pigatto, destacou que o estado brasileiro é signatário de compromissos científicos, e as instituições da República, cada uma no seu papel, têm funções bem definidas. No entanto, todas elas devem caminhar juntas no sentido de valorizar o conhecimento científico. “Passamos por uma tentativa de enfraquecimento das instituições, e o fortalecimento do Estado brasileiro como um todo, assim como da Democracia e do Estado Democrático de Direito, é fundamental. As ações em prol da sociedade devem ser levadas adiante, não apenas para dar uma satisfação, mas para realmente cumprir o que está estabelecido, seja na Constituição Federal, seja em acordos internacionais.”, afirma Pigatto.
O vice-presidente do CNDH, André Carneiro, chamou atenção também para a preocupação fundamental que o conselho manifesta, que é destacar que existe um conceito jurídico e técnico, aliados a um conjunto de conhecimentos produzidos no âmbito da saúde que identificam o que
é o direito sanitário. “Direito sanitário não é algo construído recentemente e vem sendo desenvolvido através de políticas públicas, até internacionalmente, e é necessário que os crimes da pandemia sejam analisados pelo filtro do direito sanitário, por isso a parceria entre CNDH e CNS”. O vice-presidente afirmou ainda que o objetivo da representação é propor à PGR que, ao examinar a denúncia, seja a partir do olhar do direito sanitário.
“Hoje os conselhos nacionais dos Direitos Humanos e da saúde reafirmaram seu compromisso com a população brasileira na defesa dos direitos humanos e na responsabilização dos agentes públicos que foram direta e indiretamente causadores de milhares de mortes durante a pandemia da covid-19.”, ressaltou a presidenta do CNDH, Marina Dermmam.
Sílvio Roberto Amorim, procurador regional da República e secretário de relação institucional da PGR que recebeu o grupo, defendeu que o órgão sempre atua verificando as particularidades de cada caso e que a dimensão da defesa dos direitos humanos sempre é imputada nas análises.
“O MPF é a casa da garantia dos direitos humanos e a PGR tem essa dimensão da defesa dos direitos humanos e isso certamente será colocado na análise”, declarou.
Memória e Direito Sanitário
Resgatar o direito à memória e à verdade do que aconteceu na pandemia, assegurando tudo que está previsto no âmbito do Direito Sanitário brasileiro. Com foco nessa perspectiva, o diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, responsável por elaborar a Representação junto à Universidade de São Paulo (USP), Gabriel Sampaio, detalhou o processo, que destaca alguns pontos que devem ser investigados, como: organizar, provocar e participar de aglomerações; adotar e defender a estratégia de imunidade de rebanho por contágio; desincentivar o uso de máscaras, o isolamento social e outras medidas preventivas e recomendar medicamentos ineficazes como política pública.
O diretor da Conectas ressalta que ainda à época do início da pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sinalizou que o Brasil teria condições de apresentar respostas satisfatórias para a crise sanitária, já que, ao longo dos anos, com base na militância social, o país estabeleceu um direito sanitário efetivo, um sistema único de saúde e um arcabouço jurídico normativo que colocava responsabilidades aos administradores públicos para garantir a tutela sanitária.
“Quando o Brasil chegou às 600 mil mortes por Covid-19, ele atingiu a marca representativa de 10% das mortes da escala mundial. A expectativa anterior era que se o Brasil estivesse na média mundial, atingiria a marca de 130 mil mortes. Este dado já aponta para uma evidência da falha da administração pública”, revela o diretor.
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